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Variabilidade espácio-temporal das DEA

3.1 Análise das ocorrências de DEA

Os Cb, nuvens de grande desenvolvimento vertical, devido às condições de instabilidade atmosférica que estão na sua origem e desenvolvimento, transportam consigo diversos hidrometeoros, tais como saraiva, granizo, graupel, neve rolada e chuva em forma de aguaceiros. Estes hidrometeoros colidem entre si, devido às fortes correntes ascendentes e descendentes de ar que se verificam no interior da nuvem e originam a eletrização da própria nuvem. Estabelecido o campo elétrico da nuvem, tornando-a numa “pilha gigante”, esta tende a encontrar no solo ou nas nuvens circundantes um ponto de equilíbrio das suas cargas elétricas. É por esta razão que ocorrem as descargas elétricas entre o Cb e o solo, ou entre outras nuvens também eletrizadas.

Sem nos determos mais nos processos físicos complexos de eletrização das nuvens, o que está fora do âmbito do presente estudo, interessa agora conhecer os principais fatores forçadores das DEA em PTC. Se analisarmos a posição geográfica e a heterogeneidade da topografia do território continental português, apresentado na Figura 3.1, verificamos que PTC apresenta algumas características importantes que podem favorecer a ocorrência de DEA.

Fig. 3.1 – Localização e caraterização topográfica da área de estudo.

Quanto à sua localização geográfica, é preponderante o facto de PTC apresentar uma enorme extensão de costa (aproximadamente metade do seu perímetro) banhada pelo Atlântico Norte. Este aspeto é importante no desenvolvimento da instabilidade atmosférica, muito devido ao contraste térmico que as massas de ar encontram na transição entre o ambiente marítimo e o ambiente continental. As advecções de massas de ar provenientes do quadrante Oeste são determinantes nas condições de instabilidade atmosférica verificadas no País. Estas massas de ar atlânticas, geralmente húmidas e instáveis, reforçam com frequência a sua instabilidade em

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contato com o continente, por meio de mecanismos térmicos e/ou orográficos (Peixoto e Oort, 1992).

Relativamente à topografia, o território continental português abarca grande parte das suas zonas montanhosas no interior norte e centro do país (Fig. 3.1 à direita). É também nestas regiões que se verificam declives mais acentuados. Vários estudos têm indicado que a topografia apresenta grande influência na distribuição espacial das DEA. Com efeito, Soriano

et al. (2005) fez um estudo de dez anos (1992–2001) sobre as DEA na PI e verificou que as

regiões montanhosas apresentavam claramente maior atividade elétrica do que as restantes regiões da PI. Os Pirinéus, a cordilheira Cantábrica e o Sistema Central apresentam uma densidade média entre 1,0 e 2,0 DEA km-2 ano-1, enquanto o resto do território apresenta uma densidade entre 0,1 e 1,0 DEA km-2 ano-1. Subsequentemente, Santos et al. (2013) analisaram as DEA na PI, num estudo de sete anos (2003–2009) e em seis subsectores de características climáticas diferentes, tendo identificado a elevação do terreno como o principal fator forçador da distribuição espacial das DEA na PI.

Sem pretender uma análise detalhada nesta fase inicial, serão identificadas empiricamente situações meteorológicas que são potenciadoras de DEA em PTC. Essas situações serão brevemente descritas de seguida, deixando a sua análise mais aprofundada para uma fase posterior. No período mais frio do ano é comum ocorrer a passagem de ondulações frontais, com origem em depressões em desenvolvimento sobre o Atlântico Norte, sobre PTC. Estes sistemas, quando associados a elevada instabilidade e elevada energia potencial disponível, apresentam elevada probabilidade de ocorrência de DEA em Portugal. Nestas condições, as ocorrências de DEA tendem a concentrar-se nas zonas costeiras, devido ao contraste térmico aí existente, bem como nas zonas montanhosas, aqui devido ao transporte vertical facilitado pela orografia.

Nos meses mais frios é também frequente a formação local de depressões isoladas e bastante “cavadas” na média e alta troposfera, denominadas “gotas frias” (cut-off lows). Estas depressões resultam da intrusão de pequenas bolsas de ar bastante frio nas latitudes médias, provenientes de latitudes mais elevadas e transportadas por meandros da corrente de jacto subpolar. Quando à superfície temos massas de ar relativamente quentes e húmidas, então as condições atmosféricas tornam-se muito instáveis, gerando movimentos convectivos importantes que dão origem à formação de enormes células convectivas (bandas de Cb). As

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“gotas frias” costumam localizar-se a sudoeste de PTC e, em geral, provocam elevada precipitação e atividade elétrica, particularmente na metade sul de Portugal e no arquipélago da Madeira.

Por outro lado, durante os meses mais quentes do ano, a proximidade verificada entre PTC e o Norte de África, associada a um deslocamento para norte do jato subpolar, determina que o país esteja muito exposto a massas de ar muito quentes e secas provenientes do Norte de África e do interior peninsular; a sua curta passagem pelo Mediterrâneo é manifestamente insuficiente para moderar o seu caráter extremo, particularmente nos níveis inferiores da atmosfera. Essas massas de ar tendem a convergir sobre o interior da PI e desempenham um papel importante na génese de depressões e/ou vales invertidos na baixa troposfera, muito comuns no Verão, mas geralmente associadas a tempo quente, seco e estável sobre PTC, com ventos predominantes do quadrante Este (e.g. ondas de calor). Em certas ocasiões, contudo, quando em altitude (média-alta troposfera) se verifica entrada de ar frio, e.g. proveniente do Atlântico Norte, são geradas condições favoráveis à ocorrência de DEA. Comparativamente com as duas situações de instabilidade atmosférica identificadas para o período frio (ondulações frontais e “gota-fria”), a situação de instabilidade atmosférica vivida no período quente (vale depressionário invertido com ar frio em altitude), conforme se verá mais adiante, é a que geralmente apresenta maior atividade elétrica.

A Figura 3.2 apresenta a normal (1961–1990) do número de dias com DEA registados nas estações meteorológicas portuguesas do IPMA. Pode observar-se nesse mapa ceráunico que as regiões que indicam maior número de dias com ocorrências de DEA situam-se no litoral norte e interior centro do país, sendo que as maiores ocorrências se tendem a localizar sobre os sistemas montanhosos. Aparece também um núcleo importante de registo de ocorrências no interior sul do país. Não obstante, conforme ficará claro na análise subsequente, este padrão está muito longe de representar com rigor a real distribuição da atividade eléctrica em PTC. Será aqui apenas uma primeira referência de base.

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Fig. 3.2 – Mapa ceráunio da normal 1961–1990. Fonte: IPMA.

Como foi referido, este estudo teve como base os dados das ocorrências de DEA obtidos através dos 4 detetores de DEA da rede LDN do IPMA em conjunto com 5 detetores de DEA da rede LDN da AEMET entre o período de 2003 e 2009 (7 anos). Durante estes 2 557 dias foram registados 754 dias (29,5%) com atividade elétrica atmosférica (nuvem-solo), correspondendo a um total de 183 876 ocorrências de DEA, distribuídas espacialmente sobre todo o território de PTC.

Segue-se agora a análise preliminar da distribuição espacial das ocorrências diárias de DEA, quanto à sua dispersão pelo território nacional. Efetuou-se então um estudo sobre o comportamento espacial das ocorrências diárias de DEA. Utilizou-se para tal uma grelha que dividiu a área de estudo (PTC) em 2 800 quadrículas, cada uma cobrindo uma área aproximada de 32 km2. Esta grelha permite perceber se as DEA ocorreram de uma forma localizada (poucas quadrículas) ou estendida (muitas quadrículas) no território. A Figura 3.3 apresenta o histograma da extensão da área das ocorrências diárias de DEA, subdividido em 19 classes. Cada classe corresponde à percentagem da área de PTC onde ocorreram as descargas diárias, dimensionada através do número de quadrículas. Este histograma limitou as primeiras quatro classes a áreas menores, i.e. a intervalos de 0,25% que correspondem a cerca de 7 quadrículas (± 225 km2). Optou-se por esta subdivisão, uma vez que grande parte das ocorrências diárias de DEA aconteceram de uma forma muito localizada, como de resto é comum suceder noutras regiões do globo (Bentley e Stallins, 2005).

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Fig. 3.3 – Histograma da extensão espacial das ocorrências diárias de DEA. Adaptado de Santos et al. (2012).

Os resultados apresentados pela Figura 3.3 mostram que as ocorrências diárias de DEA em 289 dias, cerca de 38% dos 754 dias com descargas elétricas, deram-se em menos do que 0,25% do total da área de estudo (PTC). Se forem consideradas as primeiras 4 classes (equivalente a 1% da área total de PTC) verificamos que 59% dos dias registou ocorrências diárias de DEA numa extensão que não ultrapassou as 28 quadrículas da grelha (± 900 km2). No entanto, registou-se ainda um número significativo de dias (41%) em que estas ocorrências diárias cobriram uma extensão superior a 1% do total de PTC.

A distribuição espacial das DEA sobre o território nacional, tanto em número de ocorrências como em número de dias, é fundamental para perceber a localização onde estes processos tendem a ocorrer com maior ou menor frequência. Conforme já foi referido anteriormente, a disposição geográfica do país e a sua topografia torna-se relevante para o desenvolvimento de condições favoráveis à instabilidade atmosférica, que por sua vez podem dar origem à ocorrência de DEA. Não menos importante que a distribuição espacial das DEA é o conhecimento prévio do período temporal em que estas ocorrem com maior frequência e a sua variabilidade nos diferentes períodos. O estudo sobre os ciclos horários, mensais e anuais das DEA, assim como as suas representações espácio-temporais serão descritos de seguida.

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