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Análise das reivindicações e das bases sociais dos movimentos dos sem-teto no Brasil

Compreender qual é o objetivo de um movimento social, saber pelo o que se luta e identificar quais são suas reivindicações são tarefas essenciais para um pesquisador que se propõe a refletir sobre o tema.

Lembramos ainda que, de acordo com a análise marxista, além da identificação de quais são os interesses comuns que levam os sujeitos à organização de uma ação coletiva, é importante entender se estes interesses estão relacionados ao lugar do grupo social (base do movimento) nas relações de classes. Ou seja, é importante verificar se a mobilização está relacionada ao pertencimento de classe dos atores mobilizados. Aí estaria, portanto, uma das chaves para compreender, não apenas quais são os interesses comuns, mas o porquê (a raiz) destes interesses e da organização do movimento social.

Além das classes sociais, introduzimos em nosso estudo sobre a base social dos movimentos dos sem-teto, o conceito de família. Entendemos que as famílias devem ser identificadas por sua condição de classe e, também, devem ser entendidas como locais privilegiados de análise das relações sociais de sexo e de geração. Pensando ainda na teoria da consubstancialidade das relações sociais de classe, sexo e raça discutida por Kergoat (2010), as questões raciais também se apresentaram como importantes para a análise dos sem-teto.

Foram, portanto, estes elementos que levamos em consideração na reflexão das bases sociais dos movimentos dos sem-teto no Brasil (e na França também, como pode-se conferir na segunda parte do texto da tese).

Neste capítulo, tratamos, então, da discussão sobre a plataforma reivindicativa e as bases sociais dos movimentos dos sem-teto no Brasil. Dividimos a exposição em duas partes. Na primeira delas, evidenciaremos a importância das classes sociais para a análise dos sem- teto. E, na segunda, discutiremos a respeito das famílias de trabalhadores sem-teto.

Trabalhadores sem-teto e a reivindicação de classe

Ao nos questionarmos sobre qual a principal reivindicação dos movimentos dos sem-teto, ou seja, qual a sua reivindicação de urgência, a resposta pode parecer evidente: “um teto”. Mas o que isto significa efetivamente?

No caso brasileiro (diferentemente do caso francês, como veremos na segunda parte deste trabalho), “o teto” ou a “moradia digna” reivindicada se trata da aquisição de uma casa própria.

O “sonho da casa própria” é muito difundido na cultura brasileira e, entre os sem- teto isto não é diferente. Dentre as razões para tal, está por exemplo o fato de que a aquisição da casa própria é entendida como o fim do pagamento do aluguel, despesa esta que, nas famílias de trabalhadores, compromete muito o orçamento familiar. Além disso, com a casa própria não existe a possibilidade de despejo em consequência do não pagamento do aluguel. Situação essa muito recorrente entre as famílias de sem-teto.

A casa própria também significa para o sem-teto uma ascensão social e a possibilidade de não ser mais reconhecido pela carência ou pela privação da moradia, ou seja, como “sem-teto”. Neste sentido, é importante lembrar que, na maioria dos casos, quando os trabalhadores sem-teto conquistam a sua moradia, eles acabam deixando de participar dos movimentos de moradia por não mais se identificarem com a luta. Esta é uma questão que os movimentos enfrentam constantemente.

O “sonho da casa própria”, quando contextualizado, se justifica ainda pelo fato de que, as políticas habitacionais brasileiras trataram, majoritariamente, as moradias como mercadorias a serem produzidas e comercializadas nos moldes capitalistas (MARICATO; 1979, 1996). Ao voltar às origens da habitação social, Bonduki (1998), aponta que a difusão da ideologia da casa própria está presente há muito tempo no Brasil. No período da ditadura militar, por exemplo, as escolhas políticas apontaram para as políticas de construção de casas próprias e incentivo à indústria da construção civil.

Engels, em seu clássico texto, Contribuição ao problema da habitação, ao analisar as diferentes soluções para os problemas habitacionais, já destacava que a transformação do inquilino (no nosso caso, do sem-teto) em proprietário da sua casa poderia trazer consequências no que se refere à mobilidade deste trabalhador, ou seja, o apego à propriedade privada poderia se transformar em uma cadeia para o operário, que se negaria a procurar outro trabalho ou mudar de cidade, por exemplo, para não deixar sua casa. No caso brasileiro, as próprias regras das políticas habitacionais auxiliam no engessamento do beneficiário. No Programa Minha Casa, Minha Vida, por exemplo, os beneficiários que têm renda familiar mensal de até R$ 1.600, ou seja, aqueles considerados da Faixa I do Programa, não podem comercializar ou alugar a residência antes de terminar o prazo de dez anos do financiamento. Se o trabalhador conseguir quitar o financiamento antes deste prazo, ele pode

vender a casa, mas, levando em consideração a sua situação financeira, isso dificilmente acontece. E mais, caso o trabalhador consiga vender a sua casa ele não poderá ser mais beneficiário do Programa em outro local, pois cada cidadão brasileiro, que se enquadra nos critérios da Faixa I, pode participar apenas uma vez do Programa67.

É importante que fique claro ainda que, quando os movimentos dos sem-teto reivindicam moradia digna, a luta vai além da conquista de moradia para os sem-teto da sua base. A luta passa por políticas habitacionais mais gerais, que atendam a população brasileira de mais baixa renda, aquela que possui uma renda familiar de até três salários mínimos, que é onde se concentra a maior parcela do déficit habitacional.

A luta pela moradia também é uma luta por um direito. Isto porque a moradia adequada é um direito fundamental reconhecido pela Constituição Brasileira (ainda que tardiamente, visto que a moradia foi incluída no artigo sobre os direitos sociais somente no ano 2000) e pelos compromissos internacionais assinados pelo Brasil, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU. É importante ainda lembrar que a moradia digna não significa apenas uma casa, mas sim uma casa dotada de boa estrutura física e localizada próxima à infraestrutura urbana.

É ainda comum aparecer nas plataformas reivindicativas dos movimentos o direito à cidade e à reforma urbana. Apesar destas reivindicações possuírem significados mais ou menos distintos de acordo com as posições ideológicas dos movimentos, podemos dizer que, de maneira bem geral, os movimentos dos sem-teto têm entendido por direito à cidade a ideia de que todos os moradores, sendo rico ou pobre, têm direito a desfrutar efetivamente da cidade, ou seja, possam ter uma moradia digna, saneamento básico, saúde, educação, transporte público de qualidade, áreas de lazer e outras coisas que garantam o seu bem estar.

Em relação à reforma urbana, o que se destaca na maioria das vezes é a democratização do direito à cidade e, ainda, a existência de uma gestão democrática da cidade. Nas palavras do Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU), movimento nacional que tem em suas bases as grandes confederações nacionais dos movimentos de moradia, se fundamenta a partir de três princípios: 1. Direito à Cidade (entendendo que todos os moradores da cidade têm direito à moradia digna, aos meios de subsistência, ao saneamento ambiental, a saúde e educação, ao transporte público e à alimentação, ao trabalho, ao lazer e à informação); 2. Gestão Democrática das Cidades (incentivo da participação dos cidadãos nas

67Estes dados estão disponíveis em: http://www20.caixa.gov.br/Paginas/Noticias/Noticia/

decisões políticas e controle das ações dos governos, como por exemplo, o estimulo da participação popular nos conselhos municipais); 3. Função Social da Cidade e da Propriedade (entende-se com isso que tanto a cidade quanto a propriedade devem atender primeiramente aos interesses coletivos das grandes maiorias)68.

Alguns movimentos dos sem-teto estão mobilizados ainda para outras questões além da moradia, mas que se definem dentro do âmbito das reivindicações urbanas, tais como água e eletricidade, por exemplo. Estas reivindicações se expressam de maneira mais precisa durante as ocupações. De acordo com Péchu (1997: 142), a gestão cotidiana de uma ocupação faz aparecer de maneira escancarada o fato de que a necessidade por moradia recobre, na realidade, inúmeras outras necessidades. Seguindo a sugestão de Péchu (1997) denominamos estas demandas de reivindicações latentes. Alertamos ao leitor que, quando analisarmos os diferentes segmentos da base familiar dos movimentos, outras reivindicações latentes se farão presentes entre os movimentos dos sem-teto.

Entendido, então, qual é a reivindicação de urgência do sem-teto, questionamo- nos: a carência comum (a moradia) não possui relação direta com a estrutura e os conflitos de classes? Esta é uma reivindicação de classe, no sentido de que tem por traz um interesse comum de uma classe social? Importa aqui saber a qual classe social os sem-teto pertencem? Por quê?

Para responder a esta questão faz-se importante entender quem são os sem-teto brasileiros, no que se refere às suas condições sociais e à sua situação de classe. E, ainda, se pensamos em uma análise em nível nacional, temos que estar atentos para a existência (ou não) de diferenças nestas condições dos sem-teto dos distintos movimentos.

Convidamos, então, o leitor a fazer esta reflexão a partir de um passeio pelas ocupações dos movimentos de diversas regiões do Brasil para conhecer quem são os sem-teto e suas condições sociais.

Rodrigues (2002) aplicou mais de trezentos questionários em oito ocupações do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) de Recife69, capital do estado de Pernambuco, entre outubro de 2001 e janeiro de 2002. A pesquisadora constatou que:

O dado mais revelador da condição social é a renda, entre as respostas válidas, 75,2% declara que ganha menos de um salário mínimo.

68 Disponível em: www.forumreformaurbana.org.br/_reforma/pagina.php?id=733. Acessado em janeiro de 2010. 69 Atualmente, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto de Pernambuco (MTST PE) é filiado à União

Nacional por Moradia Popular (UNMP). Ele não faz parte do movimento homônimo, o MTST, o qual temos abordado ao longo desta tese.

Existindo entre estes, famílias que declaram viver de doações e de esmola. Entre os demais 21,3% estão na faixa de um a dois salários; 3,2% entre dois e cinco salários; existindo uma pessoa (0,3%) que declarou ganhar entre 5 e 10 salários. A média é de quatro pessoas por unidade habitacional, sendo o mínimo de uma e o máximo de doze. A maioria das pessoas (61,6%) declarara-se casadas; 4,8% viúvas e 33,6% solteiras (RODRIGUES, 2002, p. 95).

Rodrigues (2002) ainda acrescenta que apenas 23,1% dos entrevistados que diziam estar trabalhando possuíam carteira assinada. Outros estão desempregados e/ou “fazendo biscate”.

Ressaltando que grande parte dos sem-teto possuem trabalhos precários e provisórios, conhecidos como “bico” ou “biscate”, Dowling (2006) defende que a melhor definição para os sem-teto de uma ocupação em João Pessoa, capital do estado da Paraíba, seria a de “multi-biscateiros”. Esta denominação, de acordo com Dowling (2006, p. 117) seria capaz de expressar a “alternância entre os vários “trabalhos” e a disponibilidade de mudar de um para outro, de acordo com a circunstância”. A autora descreve a condição socioeconômica dos sem-teto da ocupação de um imóvel do Instituto Nacional de Segurança Social (INSS), organizada pelo Movimento de Direito à Moradia (MDM) e a Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM) da seguinte maneira:

Entre as famílias entrevistadas, um conjunto de 116 adultos, sobressai a questão do desemprego ou da não inserção no mercado de trabalho: 63 dessas pessoas (ou 54,3%) estão desempregadas ou, como se trata de desemprego de longa duração, permanente, excluídas do mercado de trabalho. Muitos, principalmente as mulheres e as mais jovens, nunca tiveram qualquer inserção no mercado de trabalho e se declararam apenas como “domésticas” (ou seja, “prendas domésticas”). Algumas delas se declararam “empregadas domésticas”, embora nenhuma trabalhasse como tal.

Raros são os casos de trabalho assalariado formal ou legal: apenas 3 ocorrências, sendo 2 vendedoras e 1 auxiliar de produção. Alguns autônomos, de fato, ainda que obtenham uma renda tão baixa quanto aqueles que sobrevivem dos vários “bicos”: vendedores de CDs/DVDs, artesão estatuetas/vidro, cabelereiro ambulante e um eletricista. O conjunto daqueles que sobrevive de “bicos” e trabalhos eventuais é mais expressivo (29 pessoas ou 25%), reunindo auxiliares de pedreiro, pintor, eletricista, borracheiro; vendedores de churrasquinho, café, frutas (laranjas, mas sazonalmente, ouras); lanches/almoço; vendedores ambulantes; faxineiras; reciclagem lixo; faxineiras; lavadeira e ainda a “venda-mendicância” de balas, chicletes. Ainda que um tema tratado com dificuldade, registram-se também alguns

casos de trabalhos ilícitos ou degradante: prostituição, tanto masculina quanto feminina” (DOWLING, 2006, p. 114)70.

Dowling (2006) investigou também uma outra ocupação na cidade de João Pessoa, esta localizada na periferia da cidade, próxima de um ponto turístico. Sobre as famílias da ocupação denominada Comunidade do Cajueiro (ocupação que teve seu início de maneira espontânea e, depois de algum tempo, entrou em contato com o Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM)), a pesquisadora afirma que:

Nem sempre é o pai o chefe da família; [existem] muitas mães solteiras; crianças órfãs criadas por parentes ou avós; duas famílias migraram de Pernambuco; avós constituem a força e o comando da família; crianças trabalham catando lixo durante dois expedientes (tarde e noite), porém, durante a manhã frequentam a escola. Grande parte das famílias se alimenta do próprio lixo coletado; não só se alimenta como reaproveita e reutiliza objetos e todo o material possível de ser reciclado para fins caseiros, ou até brinquedos, livros e material escolar reaproveitados para as crianças. Muitos casos de alcoolismo e uso de drogas foram constatados.

Além da coleta de lixo, alguns ainda são “pastores de carros”, mas a realidade dos ocupantes da Comunidade caracteriza-se predominantemente pelo desemprego e pela exclusão do mercado de trabalho (DOWLING, 2008, p. 125).

Silva (1999) entrevistou cinquenta trabalhadores sem-teto que organizaram uma ocupação no bairro Jockey Club, na cidade de Fortaleza, capital do Ceará. Dentre as atividades econômicas principais dos responsáveis pela manutenção financeira das famílias, encontramos as seguintes: bombeiro hidráulico, servente, pintor, pedreiro, carpinteiro, vigilante, agente de saúde, lavadeira, zelador, empregada doméstica, serviços temporários, frentista, polidor de carro, treinador de cavalos, pintor publicitário, comerciário, motorista moto taxista, operário têxtil, costureira, aposentado e pensionista (SILVA, 1999, p.125). Em relação à renda familiar, “a pesquisa revelou que 52% das famílias vivem com um salário mínimo, 36% destas ganham mais de um salário mínimo ou igual a dois salários e apenas 12% vivem com renda superior a dois salários ou igual a três salários mínimos” (SILVA, 1999, p. 126).

Viana (1999, p. 139), por sua vez, ao apresentar sua análise sobre as atividades dos moradores da ocupação Vila da Paz, em Teresina, capital do estado do Piauí, uma ocupação que se deu de uma maneira espontânea e, depois, passou a ser coordenada pela

70 Apenas para alertar o leitor, lembramos que a prostituição no Brasil não é uma atividade ilícita. Os crimes

relacionados à prostituição são ações que colocam a prostituta ou o prostituto como vítima, como por exemplo, tráfico internacional de pessoas.

Federação das Associações de Moradores e Conselhos Comunitários do Piauí (FAMCC), marca que, no mercado formal, sobressai-se o emprego na construção civil, já no informal e “subemprego” (vocabulário usado pela autora), estão os ambulantes, domésticas, lavadeiras e lavador de carros. Existem ainda aposentados e desempregados. Em relação aos salários, Viana (1999) nota que poucas são as famílias que recebem mais que três salários mínimos por mês.

Dal Maso (2004, p. 92), ao analisar a ocupação Canudos71, organizada pelo Fórum de Moradia, na periferia de São Luís, capital do estado do Maranhão, aponta que

(...) as formas de emprego / trabalho prevalecentes em Canudos pela ordem quantitativa são: a) pedreiros e serventes de pedreiro; b) empregadas domésticas; c) ambulantes / camelôs; d) seguranças / vigilantes; e) balconistas e ajudantes de serviços gerais; f) garçons, entre outros. De certa forma, é possível dizer que os moradores de Canudos são “condenados” a esse tipo de trabalho.

No período em que o levantamento foi realizado, 58,77% do total dos responsáveis pelos domicílios possuíam algum tipo de emprego remunerado, ao passo que o restante, ou seja, 41,23 % do total, estava desempregado. Considerando o universo daqueles que de alguma forma exerciam algum tipo de trabalho, 29,25% do total tinham carteira assinada e o restante ganhava por serviço prestado. Analisada na perspectiva das unidades familiares, a situação era a seguinte: 46,20% afirmaram viver do salário auferido graças ao emprego de alguns de seus membros; 36,84% da prestação de serviços; 8,77% da aposentadoria ou pensão de alguém da família e 8,19% de ajuda e doações. Em termos quantitativos, 87,14% das unidades familiares viviam com até no máximo dois salários mínimos mensais por unidade, sendo que 22,52% destes dispunham de um valor inferior ao salário mínimo mensal. Em decorrência desse quadro, 95,03% das unidades pesquisadas não possuíam plano de saúde.

Mello (2012, p. 226) descreve da seguinte maneira a base social da ocupação Manoel Congo72, organizada pelo Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), na cidade do Rio de Janeiro, capital do estado de mesmo nome:

A ocupação é formada por 42 famílias de baixa renda (0 a 3 salários mínimos). A maioria de seus integrantes não terminou o ensino médio, sendo que uma parte expressiva sequer concluiu o ensino fundamental. Há, entretanto, uma moradora que está fazendo mestrado, um morador que já terminou uma especialização, uma que tem o ensino superior completo e outra, incompleto. Muitos moradores são desempregados e a

71 A ocupação Canudos, organizada em 1998, é hoje um bairro da cidade de São Luís e conta com cerca de 400

famílias.

72A ocupação Manuel Congo, organizada pelo Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), teve seu

início em 2007 e ainda existe. Ela se localiza no centro da cidade do Rio de Janeiro, em um prédio do Instituto Nacional de Segurança Social (INSS) que estava desocupado havia onze anos.

grande maioria dos que trabalham atua nos postos mais baixos da economia urbana; há, por exemplo, ambulantes, costureiras, operadores de máquinas, trabalhadores da construção civil e ascensoristas (MELLO, 2012, p. 226).

Ao descrever a ocupação Zumbi dos Palmares73, também na cidade do Rio, e os seus ocupantes, Freire (2011, p. 64) relata:

No segundo andar, por exemplo, morava uma viúva – empregada doméstica em uma casa de família‖ em Copacabana - com seus

nove filhos. Seu marido foi gerente do tráfico de drogas da Mangueira durante muitos anos. Quando faleceu eletrocutado, enquanto tentava pegar cobre em um bueiro bem ao lado da Ocupação, ele vivia de bicos catando latinha, carregando quilos de papelão, vendendo cerveja. No terceiro andar, morava uma família de peruanos que estava no Brasil fugida da polícia de lá. No quarto andar, morava um casal de mulheres que se conheceram na própria ocupação e que trabalhavam na Rua do Ouvidor entregando panfletos e segurando placas de venda. No quinto andar, residia uma conhecida prostituta da Praça Tiradentes, internada, várias vezes, com laudos de esquizofrenia. No andar acima, um baiano, solteiro, ocupava um quarto pequeno com uma bela vista da cidade. Ele trabalhava vendendo isqueiros e giletes de barbear na entrada da estação Central do Brasil. Seu vizinho do sétimo andar também morava sozinho e trabalhava como ajudante de camelô em uma barraca na Praia do Flamengo, cujo dono morava na própria ocupação, no quarto andar.

Em relação aos sem-teto da base do Movimento dos Sem Teto de Salvador (MSTS), Bochicchio (2008, p. 101) ressalta que:

Os integrantes do Movimento são, sobretudo, pessoas que moravam de aluguel, em casa de parentes ou de conhecidos, e/ou em condições precárias, em casa condenadas, em áreas de risco de deslizamentos e que têm uma renda insuficiente para pagar aluguel ou adquirir um imóvel. Isto foi dito quando perguntamos o que é um sem-teto, nesse contexto. Estas pessoas são em sua maioria empregadas domésticas, biscateiros, catadores, camelôs e, em torno de 80%, têm uma renda mensal de até R$ 300,00. De todo modo, muitos não possuem renda e tentam sobreviver com a ajuda de outros. Observamos que é habitual que alguns se alimentem na “casa” dos vizinhos da ocupação.

Ainda em relação ao Movimento dos Sem Teto de Salvador, mas tratando