• Nenhum resultado encontrado

Análise de caso envolvendo direitos fundamentais do recluso no Brasil

O legislador brasileiro, no ano de 1990, com fundamento na Cons- tituição Federal (art. 5º, inc. XLIII), introduziu no ordenamento jurídico infra- constitucional a denominada Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/1990), obje- tivando reprimir os crimes de maior potencial ofensivo226, sendo considerada

226

Art. 1o São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados: (Redação dada pela Lei nº. 8.930, de 6.9.1994)

I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2o, I, II, III, IV e V); (Inciso incluído pela Lei nº. 8.930, de 6.9.1994)

II - latrocínio (art. 157, § 3o, in fine); (Inciso incluído pela Lei nº. 8.930, de 6.9.1994)

III - extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2o); (Inciso incluído pela Lei nº. 8.930, de 6.9.1994)

IV - extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ lo, 2o e 3o); (Inciso incluído pela Lei nº. 8.930, de 6.9.1994)

V - estupro (art. 213 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único); (Inciso incluído pela Lei nº. 8.930, de 6.9.1994)

VI - atentado violento ao pudor (art. 214 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único); (Inciso incluído pela Lei nº. 8.930, de 6.9.1994)

VII - epidemia com resultado morte (art. 267, § 1o). (Inciso incluído pela Lei nº. 8.930, de 6.9.1994)

um marco na legislação punitivista, representando uma resposta à sociedade que está sempre a clamar por mais rigor no campo jurídico-penal, ante a esca- lada da violência.

De outra margem, na avidez, o legislador descurou de um dos princípios inerentes à execução da pena privativa de liberdade, ao vedar a pro- gressão do regime prisional.

Tal situação gerou irresignação no campo doutrinário227, o que re- sultou na luta pelo reconhecimento da inconstitucionalidade do § 1º, do artigo 2º, da Lei 8.072/1990228, que impõe o cumprimento da pena (por crime hedi- ondo) integralmente em regime fechado.

Cumpre ressaltar que o termo “integralmente” utilizado pelo legis- lador não se coadunava com o próprio espírito da lei, eis que mesmo os crimes hediondos admitem livramento condicional, à exceção do reincidente.

Apesar de farta mobilização em sentido contrário à disposição em epígrafe, o Supremo Tribunal Federal consolidou jurisprudência no sentido de

VII-A – (VETADO) (Inciso incluído pela Lei nº. 9.695, de 20.8.1998)

VII-B - falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto desti- nado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1o, § 1o-A e § 1o-B, com a redação dada pela Lei no 9.677, de 2 de julho de 1998). (Inciso incluído pela Lei nº. 9.695, de 20.8.1998)

Parágrafo único. Considera-se também hediondo o crime de genocídio previsto nos arts. 1o, 2o e 3o da Lei no 2.889, de 1o de outubro de 1956, tentado ou consumado.

(Parágrafo incluído pela Lei nº. 8.930, de 6.9.1994)

227

- Alberto Silva Franco, Crimes hediondos, 4ª ed., São Paulo: RT, 2000, p. 161 e ss., é um dos maiores críticos à norma impeditiva da progressão de regime aos reclusos.

228

A redação original dispositivo: Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:

§ 1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em re- gime fechado.

reconhecer a sua constitucionalidade, ou seja, da impossibilidade da progressão de regime em crimes hediondos.

Com o advento da Lei de Tortura (Lei 9.455/1997, art. 1º, § 7º)229, que possibilitou a progressão de regime nos delitos elencados no referido texto legal, tentou-se ampliar o seu alcance aos crimes hediondos, sendo tal preten- são desacolhida pela Corte Constitucional brasileira.

Todavia, com a evolução do tema, fincada em discussões reitera- das e profundas acerca da espécie, o Supremo Tribunal Federal, em 23 de feve- reiro de 2006, tendo como análise o caso estampado no habeas corpus nº. 82.959, decidiu, por maioria230, pela inconstitucionalidade do § 1º, do art. 2º, da Lei 8.072/1990, em atenção ao princípio da individualização da pena.

Em análise aos julgamentos231 da Suprema Corte verifica-se que, antes mesmo do HC 82.959, já vinha concedendo várias liminares reconhecen- do a necessidade de se fulminar o óbice legal relativo à progressão de regime nos crimes hediondos.

No que concerne ao alcance da decisão do STF, por ter sido profe- rida num caso concreto, não tem efeito erga omnes, mas apenas inter partes. Todavia, há aqueles que visualizam um controle difuso de constitucionalida-

229

Art. 1º Constitui crime de tortura: (...)

§ 7º O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, inici- ará o cumprimento da pena em regime fechado.

230

Foram seis votos a favor (Marco Aurélio, Carlos Britto, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Eros Grau e Sepúlveda Pertence) e cinco contra a declaração de inconstitu- cionalidade (Carlos Velloso, Nelson Jobin, Ellen Gracie, Joaquim Barbosa e Celso de Mello).

231

de232, entendendo surtir eficácia erga omnes e vinculante, o que tem recebido a denominação de “controle difuso abstrativizado”233. Outro aspecto suscitado pela doutrina é o de que a matéria (progressão de regime em crimes hediondos) não foi discutida só em relação ao caso concreto, mas foi debatida focando-se a lei “em tese”234.

O princípio da personalização da pena objetiva dar tratamento ree- ducativo ao condenado de maneira individualizada durante a execução, tendo em vista ser baseado nos antecedentes e personalidade do recluso, evitando, desse modo, a generalização da execução235.

232

Tal situação já fora enfrentada no Supremo Tribunal Federal (STF) por oca- sião do julgamento sobre o número de vereadores em cada município (Recurso Extraordiná- rio nº. 197.917-SP). Tomando por base esta decisão, o TSE, Tribunal Superior Eleitoral, fez emergir a Resolução nº. 21.702/2004, disciplinando a matéria, conferindo eficácia erga om-

nes. Foram interpostas duas ADIns (Ações Diretas de Inconstitucionalidade – de nº. 3.345 e

3.365) contra a Resolução em destaque. Todavia, ambas foram rejeitadas e, desse modo, o STF acabou proclamando que essa eficácia (erga omnes), extraída de uma decisão proferida em RE (Recurso Extraordinário), estava absolutamente correta, isto porque, como afirmou o Min. Gilmar Mendes, o RE deve ser visto, atualmente, não só como instrumento para a tutela de interesses das partes, mas, sobretudo, como defesa da ordem constitucional objetiva.

233

Cfr. Fredie Didier Júnior, Transformações do recurso extraordinário - As- pectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e assuntos afins (coordenado por Teresa Wam- bier e Nelson Nery Júnior), São Paulo: RT, 2006, p. 104 e ss.

234

Consoante o voto do Ministro Gilmar Mendes, no qual reconheceu a incons- titucionalidade da vedação à progressão, porém, com eficácia ex nunc, não ex tunc (art. 27 da Lei 9.868/1997, legislação esta que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribu- nal Federal, representando instrumento típico do controle concentrado), afastando, assim, o direito de postular qualquer indenização contra o Estado (nos casos de reclusos que já cum- priram a pena no regime integralmente fechado).

235

Arts. 5º e 6º da Lei de Execução Penal

Art. 5º Os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e per- sonalidade, para orientar a individualização da execução penal.

Art. 6o A classificação será feita por Comissão Técnica de Classificação que elaborará o programa individualizador da pena privativa de liberdade adequada ao condenado ou preso provisório. (Redação dada pela Lei nº. 10.792, de 1º.12.2003)

Em virtude disso, para cada sentenciado pressupõe-se um tipo dife- rente de execução, com o objetivo de se cumprir o princípio da individualiza- ção da pena previsto no art. 5º, inc. XLVI236, da Constituição Federal, utilizado como base na histórica decisão do STF sobre a espécie.

Nesse diapasão, com o advento da Lei nº. 11.464/2007237, o legis- lador infraconstitucional assimilou o verdadeiro sentido da incompatibilidade da norma em descortino, fazendo com que a Lei de Crimes Hediondos238 pre- visse a possibilidade de o recluso obter a progressão de regime, pondo fim ao óbice da norma anterior, a qual previa o cumprimento integral da pena em re- gime fechado, passando a considerá-lo, inicialmente, em regime fechado.

2. Análise de caso envolvendo direitos fundamentais do condenado em