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3. Espécies de restrição

3.3 Limites imanentes

Os limites imanentes são limites máximos de conteúdo que se po- dem equiparar aos limites do objeto, ou seja, aos que resultam da especificida- de do bem que cada direito fundamental objetiva tutelar, ou melhor, da parte de realidade incluída na respectiva hipótese normativa101.

Nesse diapasão, os limites podem estar expressos no texto consti- tucional, situação essa em que não ressoariam dificuldades significativas. Po- rém, há casos em que imperiosa se faz a interpretação do preceito constitucio-

3. Ninguém pode entrar durante a noite no domicílio de qualquer pessoa sem o

seu consentimento, salvo em situação de flagrante delito ou mediante autorização judicial em casos de criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada, incluindo o terroris- mo e o tráfico de pessoas, de armas e de estupefacientes, nos termos previstos na lei.

4. É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal.

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CF, art. 5º, inciso XII – “é inviolável o sigilo da correspondência e das co- municações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação crimi- nal ou instrução processual penal”.

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De acordo com José Carlos Vieira de Andrade, op. cit, p. 269: “Deve admi- tir-se uma interpretação das normas constitucionais que permita restringir à partida o âmbito de protecção da norma que prevê o direito fundamental, excluindo os conteúdos que possam considerar-se de plano constitucionalmente inadmissíveis, mesmo quando não estão expres- samente ressalvados na definição textual do direito”. Na obra em epígrafe, assinala VIEIRA DE ANDRADE (p. 269) a posição diversa de REIS NOAVAIS “que sustenta não ser possível descrever, em abstracto e a priori, os limites do direito, cuja definição está, por isso, necessa- riamente sujeita a uma verificação prática, susceptível de controlo, da prevalência de outro direito ou valor digno de proteccção”.

nal, a fim de determinar o alcance desses limites. Desse modo, é imperioso que se analisem os contornos e os valores que orientam o ordenamento jurídico.

Nesse caso, o exercício dos direitos deve ser orientado por normas que exprimam o bom senso, para que os limites102 por elas impostos não deem ensejo a desvirtuamento.

Não se pode olvidar que os direitos fundamentais têm os seus limi- tes imanentes, ou seja, as fronteiras definidas pela própria Constituição que os cria, ou até mesmo os recria. Todavia, poder-se-ia falar de limites intrínsecos da definição constitucional dos direitos num duplo sentido.

Por um prisma, adotando o sentido material103, na condição de li- mites do objeto, temos para indicar o âmbito ou o domínio abrangido do direi- to, ou seja, para designar os limites que surgem da especificidade do bem jurí- dico que cada direito fundamental objetiva tutelar ou da parcela da realidade incluída na respectiva hipótese normativa, onde encontramos, por exemplo, a imprensa, o domicílio, a expressão, a fé religiosa, a família, a profissão, a pro- priedade, dentre outros.

De outra margem, num sentido jurídico, na condição de limites de conteúdo, a fim de delimitar o conteúdo protegido, na medida em que a prote-

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Cfr. VIEIRA DE ANDRADE, op. cit, p. 268, no que se refere às discussões alemãs sobre o tema em limites de não-perturbação, exigências mínimas de vida em socieda- de e, para outros, entendendo que seja uma limitação por leis gerais, ou seja, normas ordiná- rias imperativas, principalmente as civis e penais.

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Os limites materiais, que definem o âmbito ou a esfera normativa de cada um dos direitos fundamentais, decorrem da interpretação dos preceitos constitucionais que os prevêem, sendo que estes, em regra, utilizam para o efeito conceitos indeterminados ou mes- mo cláusulas gerais. A tarefa de delimitação do direito por interpretação desses conceitos cabe a todos os aplicadores da Constituição e, em última instância, aos juízes, delimitação que, aliás, em face do texto da norma, tanto pode saldar-se numa interpretação enunciativa, como numa "interpretação restritiva" (uma redução teleológica) ou mesmo numa "interpreta- ção ampliativa" (uma extensão teleológica).

ção constitucional não alcance todas as hipóteses, formas ou modalidades de exercício dimensionadas para cada um dos direitos, como, por exemplo, no caso das liberdades (como aconteceria se a Constituição os concedesse de ma- neira ilimitada).

Os limites de conteúdo podem ser expressamente formulados no texto constitucional, em regra, no próprio preceito relativo ao direito funda- mental20, mas também em preceitos incluídos noutras partes da Constituição - por vezes, os efeitos limitadores resultam da consagração de deveres funda- mentais manifesta e inequivocamente dirigidos ou referidos a certos direitos, havendo por isso de ser contados entre os limites imanentes expressos destes, como acontece, por exemplo, no caso do dever de pagar impostos em relação ao direito de propriedade (veículo automotor, imóveis dentre outros).

Porém, haverá limites imanentes dos direitos fundamentais que só são determináveis por interpretação, pelo fato de estarem apenas implícitos no ordenamento constitucional104.

Estes casos são muitas vezes contados como conflitos entre direi- tos e valores constitucionais ou como colisões de direitos. Importa, todavia, distinguir nesta seara hipóteses que não devem ter o mesmo tratamento jurídi- co.

Se, por exemplo, a pretexto de invocar o direito à liberdade de ex- pressão, um indivíduo injuriar outrem, certamente que não estaremos diante de

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Sobre a espécie assevera VIEIRA DE ANDRADE, op. cit. , p. 275, o se- guinte: “Se é mais ou menos fácil saber qual o bem jurídico ou a esfera da realidade que o preceito visa abranger através de um direito fundamental, já é muitas vezes difícil determinar os contornos da respectiva proteção, sobretudo quando o seu exercício se faça por modos atípicos ou em circunstâncias especiais, que afetam, de uma maneira ou de outra, valores comunitários ou outros direitos também constitucionalmente protegidos”.

um conflito105 entre direitos fundamentais, eis que o próprio preceito constitu- cional não protege essas e outras formas de exercício do direito fundamental. É a própria Constituição que, ao enunciar os direitos, exclui do respectivo pro- grama normativo a proteção de situações que tais.

Admitir a concepção dos limites imanentes poderia implicar a su- jeição de todos os direitos fundamentais a uma reserva de lei, invertendo a hie- rarquia das normas e fazendo-nos regressar ao tempo em que os direitos fun- damentais só existiam no quadro das leis ordinárias.

Portanto, o problema deve ser resolvido por meio de interpretação dos preceitos que preveem cada um dos direitos fundamentais no contexto glo- bal das normas constitucionais.

Atualmente, tendo em vista a crescente existência de conflitos en- tre direitos fundamentais, e destes com valores inerentes a toda a comunidade (segurança pública e nacional, saúde pública etc.), a constituição autoriza, ain- da que de modo não explícito, que tanto o legislativo quanto o judiciário impo- nham restrições aos direitos fundamentais.

Para evitar uma liberdade total do legislador ordinário, o que pode- ria resultar em arbitrariedades e excesso de leis restritivas de direitos, tem a doutrina constitucional desenvolvido alguns critérios racionais para controlar a discricionariedade do agente legiferante, servindo tais diretivas de parâmetro no que concerne à restrição de direitos fundamentais.

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Pelo contrário, havendo conflito, tal significaria a existência de um direito em face de outros direitos ou de outros valores (deveres) e a solução não poderia nunca igno- rar o direito invocado, exceto se se partisse do reconhecimento de uma ordenação hierárquica dos bens constitucionalmente protegidos, sacrificando-se, naturalmente, o menos valioso. Só que um critério de hierarquia é discutível, por não dizer frágil, e por suscitar uma série de questões sem solução aparente.

Os principais vetores de tal técnica são o princípio ou a máxima da proporcionalidade e a questão do núcleo essencial (ou duro) do direito funda- mental, os quais serão objeto de análise adiante.