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Análise de conteúdo das observações participantes

CAPÍTULO VI APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

6.2.2. Análise de conteúdo das observações participantes

A análise destas observações orienta-se segundo uma perspectiva particular para uma mais geral, ou seja, analisamos cada categoria identificada no quadro de categorização (cf. anexo VI), prosseguindo para considerações mais globais, tendo em conta o papel do director de turma na coordenação de cada reunião, os conteúdos tratados e as interacções desenvolvida entre os presentes.

Organização do trabalho dos professores.

As quatro reuniões iniciam-se do mesmo modo, sem que isso seja acordado entre os presentes, seguindo actuações tacitamente aceites entre todos, por corresponderem a procedimentos fixos quer pela tradição quer pelas normas internas, já interiorizados e acomodados. Neste primeiro momento, ainda que de um modo informal, o director de turma orienta os trabalhos a desenvolver tomando o lugar central na condução dos mesmos. Este protagonismo não é assumido por nenhuma postura autoritária, não sendo exercida qualquer forma de poder sobre os outros professores, mas apenas por ter a seu cargo o documento que apresenta a congregação das avaliações de cada professor, a pauta, objecto simbólico de liderança. Assim, o director de turma lidera simbolicamente a organização dos trabalhos a desenvolver, subordinados aos resultados alcançados pelos alunos nas diferentes disciplinas.

Avaliação individual dos alunos.

Este processo de avaliação dos alunos divide-se aqui em três acções diferentes, o de confirmar o nível atribuído na pauta, ou alterá-lo depois de discussão ou de melhor ponderação, o de referir, em simultâneo, esse nível nas fichas de avaliação que serão entregues aos encarregados de educação e ainda o de identificar ou avaliar os alunos com planos de recuperação e planos de desenvolvimento.

Sobre este processo importa referir, antes de mais, que o mesmo é construído sobre pressupostos considerados inteiramente consensuais, ou seja, discutem-se os resultados obtidos pelos alunos com ou sem esforço, com ou sem empenho, com ou sem mérito o que suscita várias considerações à volta da avaliação e algumas dúvidas e angústias sobre a justiça do nível atribuído, mas em nenhum momento se problematizam os princípios sobre os quais assentam esses juízos. Essas discussões não têm aqui lugar, por não caberem na gestão do tempo esperado para cada reunião, que deve mostrar os seus resultados dentro de um prazo estipulado, ou ainda por terem voz noutros espaços como os departamentos ou grupos disciplinares aquando da definição de critérios de avaliação, uma vez mais isolados uns dos outros. Este isolamento tem aqui consequências bastante relevantes uma vez que o processo de avaliação se fundamenta sobre princípios tácitos que não são nem explícitos, nem conhecidos por todos e muito

menos partilhados. É aqui evidente a colaboração artificial, de que já falámos, que resulta apenas de procedimentos burocráticos, substituindo-se a outras formas de colaboração, que poderiam ser mais produtivas.

A avaliação individual dos alunos evidencia duas rotinas diferentes que nos parecem esclarecedoras de uma actuação ritualizada dos professores, reveladora de alguma fragilidade nos parâmetros de avaliação utilizados ou pelo menos de uma falta de clarificação dos mesmos e dos domínios que realmente se querem valorizar.

Na pauta são lançados os resultados da avaliação de cada aluno traduzidos por níveis, correspondendo cada um deles a determinado nível de sucesso, sobre o qual alunos e encarregados de educação são esclarecidos no início do ano lectivo, enquanto nas fichas de registo que são entregues aos encarregados de educação a avaliação é marcada por parâmetros qualitativos. Não questionamos a avaliação de princípios como a solidariedade, valores como o da verdade ou atitudes como a responsabilidade, mas este processo de avaliação afigura-se fendido na sua coesão, sobretudo se tivermos em conta as afirmações dos professores entrevistados sobre as suas representações da escola tendo salientado, de forma geral, “a formação integral do aluno”, que só é possível considerando-o na sua globalidade enquanto pessoa e aluno. No entanto ao avaliá-lo, deixam entrever uma ténue separação valorizando sobretudo, por um lado, a pessoa, as suas atitudes, os seus valores e os seus princípios, nas fichas de registo, com uma avaliação qualitativa e valorizando, por outro lado, essencialmente o aluno, as suas capacidades cognitivas na assimilação e na acomodação dos conteúdos transmitidos, representada na atribuição dos níveis que constam na pauta e que vão determinar o sucesso ou o insucesso do aluno.

Poder-se - á assim compreender melhor por que razão os professores sofrem conflitos interiores, angústias ou até verdadeiros dilemas nos contextos de avaliação, ainda que seja em silêncio; avaliam-se essencialmente desempenhos e capacidades cognitivas do aluno, valoriza-se o “produto final”para determinar a aptidão do aluno para prosseguir, ou não, para outro nível, relegando para segundo plano a pessoa que está por dentro.

Exemplo disso são os momentos das referências particulares, onde o director de turma assume efectivamente a liderança da reunião socorrendo-se do poder que lhe vem da sua relação mais próxima com o aluno e com a sua família tendo acesso ao foro confidencial da vida privada do aluno, o que distingue o director de turma, na ordem do

saber, dos outros professores do conselho de turma. Assistimos aqui a uma verdadeira condução do director de turma, mais directiva ou menos directiva, determinando, apelando ou solicitando conforme considere mais ajustado ao grupo de professores do seu conselho de turma e conforme se ajuste melhor aos seus objectivos, mas onde indubitavelmente se valoriza a pessoa do aluno, a componente humana e o percurso do aluno ao longo da sua escolaridade; só em casos particularmente sensíveis é que se chama ou se apela à pessoa.

É também aqui que se evidencia a incapacidade dos professores, em geral, e em particular dos directores de turma em responder a determinadas situações complexas, para as quais não foram nem alertados nem preparados na sua formação inicial. Questões como as dificuldades de integração, dificuldades emocionais, dificuldades cognitivas, comunicativas e muitas outras podem tornar-se grandes constrangimentos para o professor. Na sua formação de partida, o professor tem por referência um aluno disposto a ouvir, interessado e empenhado na sala de aula e sem qualquer tipo de problemas; enfim um aluno longe dos contextos reais da escola; por isso perante um problema mais forte do que a capacidade de o resolver obtém como reacção apenas o silêncio, a resignação e o conformismo (cf. R.2).

Avaliação do projecto curricular de turma.

O que importa realçar sobre esta questão é que a elaboração, o desenvolvimento e a reformulação do projecto curricular são tarefas levadas a cabo pelo director de turma, o que está em conformidade com as palavras dos entrevistados, que o consideram “um logro”, “uma obrigação” , “ uma chatice burocrática que tem de ser feita”, pois “as pessoas estão com pouca vontade para este tipo de trabalho, […] ele fica no papel”. As reuniões de avaliação não serão também o melhor momento para se pensar um projecto destes, com o cuidado que requer, sobretudo se guardado para o momento final das mesmas. A colaboração é também aqui artificial, ou mesmo inexistente.

Avaliação global do comportamento e do aproveitamento da turma.

Os alunos deixam neste momento de ser considerados individualmente, para serem avaliados enquanto grupo turma, obedecendo uma vez mais a um procedimento administrativo que não se afigura significativo nem para o processo de aprendizagem dos alunos, a não ser pela forma negativa de rotulagem das turmas que apresentam um

aproveitamento inferior ao desejado e um comportamento considerado indisciplinado, nem para o trabalho dos professores. Essa informação fica apenas registada em acta, desprovida de qualquer estratégia de resolução nos casos em que assim faria sentido, o que lhe retira qualquer validade educativa.

Elaboração e aprovação da acta da reunião.

Sob esta última categoria dá-se o termo da reunião, um formalismo guardado para os seus últimos segundos, quando os professores já se dirigem para a próxima reunião. Esta atitude desinteressada pelo testemunho do que foi dito e do que foi feito por todos nas reuniões significa antes de mais que esse documento não é tido em consideração na vida da escola, nem para a reflexão nem para a tomada de decisões, quer por se deixarem registadas as linhas mais óbvias da ordem de trabalho, sem comprometer ninguém quer por se desvalorizar o trabalho realizado nessas mesmas reuniões. Fica em acta o que corresponde à ordem de trabalhos e alguma informação que aí tenha de constar como a justificação de determinada percentagem de insucesso.

Em suma, tal como pudemos verificar, anteriormente, aquando da análise da reunião A, as interacções dos professores obedecem também aqui a rotinas ou a procedimentos meramente administrativos condicionados pela ordem de trabalhos sugerida aquando da reunião A, destinada a todos os directores de turma; a dinâmica de uma regula e condiciona a dinâmica destas outras. Trabalha-se também aqui sem efectiva colaboração, os professores presentes agem de acordo com o que é costume fazer-se há longos anos, sem qualquer discussão de princípios e de valores e onde se confunde autonomia com obediência silenciosa a todos os normativos que sustentam as práticas.

Práticas ritualizadas e discursos recriminadores, de uns e de outros, que desumanizam ou despersonalizam os seus protagonistas afastando-os cada vez mais da escola. Essa distanciação resulta no entender de Bauman (2001,citado por Sacristán, 2003, p. 230) da inadequação da escola em encarar e solucionar os problemas com que se depara, tentando, em vão, novas formas de encaixar o aluno dentro da ordem escolar, quando deveria antes alterar o paradigma que a sustenta e reestruturá-la.

A escola exige hoje um outro pensamento sobre a cultura, sobre os saberes, sobre os seus argumentos pedagógicos e sobre os pressupostos filosóficos que a sustentam, em diálogo franco e aberto entre este presente e a tradição do passado.

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