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As representações sociais como forma de conhecimento prático

CAPÍTULO II – CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DOCENTE

2.1. As representações sociais como forma de conhecimento prático

Sendo nosso intento debruçarmo-nos sobre as representações que os docentes têm de si, enquanto profissionais, e sobre a sua prática no papel de directores de turma, consideramos relevante procurarmos compreender, antes de mais, o que são as representações, como se constroem e a importância dessas mesmas representações para a acção dos actores e para a compreensão da sua realidade.

Poderemos começar por abordar as representações pela definição do próprio conceito

representar, que significa, por um lado, estar no lugar de assumindo-se assim, como

afirma Jodelet como uma representação mental de algo: objecto, pessoa, acontecimento, ou ideia (1984, p. 362), remetendo, à semelhança do símbolo, para outra coisa; e por outro lado representar significa tornar presente, (cf. Dicionário Houaiss, tomo XV, p. 6960) sendo neste sentido uma reprodução mental de outra coisa: pessoa, objecto, acontecimento material ou físico, ideia. (ibidem). Importa desde já salientar que de um modo ou de outro, a representação constitui um conteúdo mental que restitui simbolicamente algo ausente e que aproxima o que se encontra distante. Jodelet chama a atenção para o facto de a representação não restituir apenas o ausente, mas também mostrar algo do próprio sujeito que faz a representação, ou seja, e indo ao encontro da ideia de tradução/construção do conhecimento defendida por Morin, a representação também contém a interpretação do sujeito. Dito isto, facilmente se compreende por que Jodelet sustenta que a representação não estabelece uma mera reprodução, consistindo antes num processo de construção, pois contém, na comunicação, uma parte de autonomia e de criação individual ou colectiva (idem, p.363). Nesta linha de pensamento Jorge Vala também explica que as representações “são factores produtores de realidade, com repercussões na forma como interpretamos o que nos acontece e acontece à nossa volta”, defendendo que depois de o indivíduo constituir uma representação, procurará criar uma realidade que consolide as previsões e as explicações decorrentes dessas mesmas representações (1993, p. 355).

Neste contexto, Jodelet esclarece ainda que a representação não é um mero reflexo do mundo exterior ou uma simples reprodução passiva de um exterior para um interior, uma vez que estes dois universos não se encontram radicalmente separados. Sustenta por isso que a representação possui sempre algo de social, o que significa então que toda a representação é social, considerando para isso que as categorias que a estruturam e a exprimem são categorias emprestadas a um fundo comum de cultura. (1984, p.365).

A este respeito, Vala (1993,pp. 356-359), sustentando-se em Moscovici, alega que a representação é social na medida em que é partilhada por um grupo de indivíduos diferentes (critério quantitativo), sendo gerada das interacções e dos fenómenos de comunicação de um grupo social, (critério genético) e que contribui para a orientação das comunicações e dos comportamentos dos mesmos (critério de funcionalidade).

Para Jodelet (1984, pp. 365-366) as representações sociais constituem uma teoria composta por diferentes perspectivas, tantas quantas as maneiras de formular a elaboração da construção psicológica e social de uma representação social, que, de modo muito sucinto, aqui damos conta:

 Realce sobre a actividade exclusivamente cognitiva do sujeito. – Essa actividade é socializada por duas dimensões: a dimensão de contexto, pelas situações de interacção social do sujeito e a dimensão de pertença, pelas ideias, valores e modelos do grupo a que o sujeito pertence ou ainda pelas ideologias veiculadas pela sociedade em que vive;

 Ênfase sobre os aspectos significantes da actividade representativa. – O sujeito é considerado produtor de sentido, exprimindo, na sua representação, o sentido que deu à sua experiência no mundo social. A representação é, desta forma, considerada expressão de uma sociedade;

 Destaque na forma de discurso. – A representação apresenta propriedades sociais que derivam da situação comunicativa do sujeito falante e da finalidade do seu discurso;

 Ênfase na prática social do sujeito. - O sujeito, inscrito numa posição social, produz uma representação que reflecte as normas institucionais decorrentes da sua posição, ou as ideologias ligadas ao lugar que ocupa;

 Realce no jogo de relações intergrupais. - A dinâmica e o desenvolvimento das interacções entre os grupos inflecte as representações que os membros têm de si, do seu grupo, dos outros grupos e dos membros dos outros grupos. Este desenvolvimento mobiliza uma actividade representativa destinada a regular, antecipar e justificar as relações sociais que se estabelecem desta forma;

 Ênfase na determinação social do sujeito – Baseia a actividade representativa na reprodução de esquemas de pensamento socialmente estabelecidos, de visões estruturadas por ideologias dominantes.

No que diz respeito à formação das representações sociais, Jodelet (1984, pp. 367-371) explicita dois processos sociocognitivos que denomina de objectivação e de ancoragem, o primeiro refere-se aos elementos que as integram, o seu conteúdo, e o segundo reporta-se à organização desses elementos, ou seja, à sua estrutura.

A objectivação remete para a forma como se organizam os elementos constituintes da representação e para o percurso de materialização das mesmas. Este percurso é, em si, composto por três momentos, sendo o primeiro o de selecção e descontextualização das informações e das ideias acerca de um objecto, o segundo momento corresponde à organização dessa informação em esquema estruturante e o terceiro momento, a naturalização, transfigura o abstracto em concreto, a materialização propriamente dita, através da sua expressão em imagem e em metáfora.

A ancoragem consiste na integração cognitiva do objecto representado no sistema de pensamento preexistente e nas transformações consequentes dessa integração, assemelhando-se, neste sentido, à teoria de desenvolvimento cognitivo de Piaget no que diz respeito aos processos de assimilação e acomodação. Este processo de ancoragem comporta diferentes modalidades (idem, p. 372-378):

1. A ancoragem enquanto atribuição de sentido. – É através do significado do objecto representado que o grupo social a que se refere a representação exprime a sua identidade social e cultural.

2. A ancoragem enquanto instrumentalização do saber. – Esta modalidade permite compreender que os elementos da representação não exprimem apenas as relações sociais, mas que também contribuem para a sua constituição. O sistema de interpretação

os membros de um mesmo grupo. O sistema de referência elaborado vai por sua vez exercer uma influência sobre os fenómenos sociais.

3. Ancoragem e objectivação. – O processo de ancoragem na sua relação com o processo de objectivação articula as três funções que fundamentam a representação: a função cognitiva de integração do novo, a função de interpretação da realidade e a função de orientação dos comportamentos e das relações sociais.

4. A ancoragem enquanto enraizamento no sistema de pensamento preexistente. – Esta modalidade mostra que a representação não se inscreve nunca numa tábua rasa, mas pelo contrário, inscreve-se sempre em algo que já preexiste.

Em síntese, as representações sociais são sem dúvida uma maneira de interpretar e de pensar a nossa realidade quotidiana, uma forma de conhecimento social constituído tanto pelas nossas experiências como pelas informações, saberes, modelos de pensamento que herdámos e que posteriormente transmitimos aos outros, com o fim de compreendermos e de explicarmos os factos e as ideias que povoam o nosso universo, sendo desta forma um conhecimento prático. Representação, discurso e prática formam, assim, um todo indissociável (Jodelet, 1984, p. 360).

2.2. Processos de construção da identidade: socialização primária, socialização

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