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CAPITULO II – A PINTURA

2.2. Descrição da obra

2.2.1. A obra em análise

O estudo que aqui se apresenta é sobre uma pintura sem título, de 2012, da autoria do artista contemporâneo português Daniel Vasconcelos Melim. Tem de dimensões aproximadamente 100 ×120 cm e está assinada pelo pintor (Figuras 47 e 54).

Para compreender melhor como o pintor concebe as suas obras e obter uma informação mais detalhada sobre a sua técnica e as opções que faz sobre os materiais que utiliza, realizaram-se algumas entrevistas (presencial e por e-mail), tendo como referências o guia para as entrevistas intitulado “Guide to Good Practice - Artists’ Interviews” (INCCA, 2002), o artigo “Artist Interviews as Tools for Diligent Conservation Practice” (Sheesley, 2007) e a recente publicação de Lydia Beerkenset al. (2012).

A representação foi criada pelo pintor com os dois proprietários da obra, que lhe fizeram a encomenda para o projeto “Fundação Sara & André”. Foi também possível falar com os atuais proprietários da pintura, e também eles dois artistas portugueses contemporâneos, a Sara & André (nome artístico). Ambos forneceram informações importantes sobre a obra e sobre o local de armazenamento.

Figura 47 – Pintura de Daniel Vasconcelos Melim, tinta acrílica sobre membrana. Sem título (2012). Vista frontal. Ana Bailão©

69 O modelo foi pensado pelo pintor e foi uma situação criada em estúdio, onde os modelos Sara & André, estão deitados e assim conseguiram permanecer muitas horas quietos e sem sentirem uma sensação dolorosa e desconfortável (Figura 48). O tempo de execução da obra pelo pintor foi de pelo menos três sessões de trabalho, de cerca de 3 horas cada uma. Numa primeira fase com os modelos e depois mais umas horas sozinho a acabar pormenores que não dependiam dos modelos. Segundo Daniel, interessava-lhe ter um modelo vivo ao contrário das outras pinturas.

“O interesse era ter modelos humanos, em vez de modelos inanimados como usei nos anos anteriores. Desde essa pintura que aos poucos as pessoas têm entrado mais no meu trabalho. Nesta composição há duas figuras que estão a dormir de costas uma para a outra, mas estão ligadas pelo sono, pelo sonho que as liga algures por dentro.”

Figura 48 – O modelo humano criado pelo pintor para a pintura (2012). Sara & André©

Em relação à técnica utilizada, o pintor Daniel Vasconcelos Melim refere na entrevista que:

“(…) na verdade não ligo muito a técnicas, com pouca técnica dá para fazer muita coisa. O importante é o coração com que se faz as coisas, a intenção que está por trás do teu gesto. Mas ajuda, a técnica pode ajudar muito. Na verdade, eu sei algumas técnicas de pintura porque me ensinaram, porque lia livros sobre isso na adolescência e depois estudei Arte na escola. Foi aquilo pelo qual me apaixonei, de entre o que me estava disponível. Acho que se tivesse músicos a rodear-me eu faria música, é muito uma questão de contextos em que se anda, adquirirmos esta técnica e não aquela. (…) a técnica que se tem é muito importante porque nos dá ideias, caminhos possíveis (…)

70 Maria do Mar Fazenda, escreve ainda sobre a exposição “Pintura” em 2011, que o artista utilizou o princípio de um perspetógrafo onde “(…) o olhar do desenho é mediado por

uma membrana transparente ou por uma rede, que se coloca entre o artista e o objeto - para a sua construção visual (…)” (Melim, 2019) (Figura 49 e 50).

Segundo a mesma autora, Daniel Melim utiliza esta técnica renascentista não para desenhar, mas para pintar. As manchas de cor surgem, depois das linhas de contorno a partir das quais o desenho foi construído. Dá-se, assim, uma inversão sequencial da representação: o padrão, o pormenor, o brilho do objeto retratado são os primeiros elementos a integrar e em último lugar é aplicado o fundo, o céu azul. Ao contrário do convencional a pintura é realizada no verso da membrana, por isso, chama-lhes pintura sob membrana (Fazenda, 2011 apud Melim, 2019).

Figura 49 - Grelha de fios de nylon que impede de oscilar a membrana onde se coloca a tinta. Daniel Melim©

Figura 50 - O modelo criado, com tecidos pintados pelo pintor. Daniel Melim©

O seu trabalho é planeado previamente e em relação às pinturas em membrana termoplástica, foram criados e construídos “modelos” que já foram descritos anteriormente. O pintor tem preferência por coisas e personagens antigas, na entrevista refere:

“(…) Tipicamente, as cenas que me interessam incluem referências a coisas e personagens de sabor velho, telúrico, cerimonial ou celebrativo, com uma mistura de claridade tranquila na apresentação das figuras e de dinamismo compositivo. As cenas que escolho para serem “pintadas” saem dessa massa de possibilidades latentes que está

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sempre no meu imaginário, que não é só destas pessoas, é o meu acesso parcial ao imaginário do tempo em que vivo, deste local, desta humanidade, desta animalidade.”

Além disso, explica também que escolhe um ponto de vista para o modelo, e define a luz incidente, de preferência forte e de projetor (Figuras 51 e 52):

“(…) Quero que as figuras se apresentem num espaço exterior, daí a escolha dessa luz, e ainda pintar um cenário “azul-photoshop, não realista, e estereotipado por detrás delas”. Na altura em que pintou as imagens em membrana, o pintor vivia em

Lisboa e não tinha espaço no exterior para as realizar. Os materiais e as técnicas estão também documentados num vídeo disponível na página do artista (Melim, 2019).

Figura 51 – Montagem utilizada pelo pintor com foco de luz. Tinta acrílica sobre membrana. Daniel Melim©

Figura 52 – Montagem utilizada pelo pintor com foco de luz. Daniel Melim©

Os materiais

O artista utilizou a tinta acrílica - Tinta Basics da Liquitex (2009 a 2015) porque é uma tinta que seca rapidamente e forma uma película forte. A membrana transparente usada como suporte é da marca RENOLIT – SE, e foi escolhida pelo pintor para substituir o vidro. Como refere na entrevista:

“(…) pintar em vidro ou em película transparente impõe uma disciplina muito forte, porque se tem de manter sempre o mesmo ponto de vista e ter uma organização da paleta muito bem feita, caso contrário, fica incompreensível.”

O objetivo segundo Melim era que a pintura fosse semelhante ao modelo, e ao pintar em vidro está a pintar ao contrário. A pintura é o que se vê do outro lado do vidro, não se vê

72 do lado que ele pinta. Deste modo, permitia-lhe fazer pinturas realistas. Aprendeu esta técnica com o artista plástico Gil Heitor Cortesão, que a utiliza nas suas pinturas a óleo sobre placas de acrílico. Depois de vários anos com esta técnica, Melim passou a pintar com a mesma técnica, mas em membrana transparente, em que não se pode tirar a tinta depois de pintar, pelo que optou por a engradar. Quando as pinturas são engradadas, há ainda um tecido plano (tela de algodão) que é engradado antes da película, para diminuir o atrito entre madeira e a película e impedir que a luz a atravesse. Deste modo, é evitado o efeito de contraluz que compromete a estética destas pinturas, salienta o autor. Depois de engradada a obra fica com o aspeto de uma tela convencional, mas como se fosse uma tela pintada com tinta de esmalte, pois o lado da película não-pintado fica virado para o visitante da exposição e a tinta fica do lado de dentro, em contacto com a tela.

Foram analisados através de observação visual simples (olho nu) e fotográfica, os materiais que constituem a estrutura da pintura em estudo: o suporte e a grade.

O suporte nesta pintura tem características diferentes, pois trata-se de uma membrana de um polímero sintético termoplástico (cuja identificação é feita na Parte II deste estudo). O pintor utiliza também uma tela, que serve de reforço e cuja finalidade já foi referida. A tela, depois de observada à vista desarmada e pela informação fornecida pelo artista, trata- se de uma tela de fibra natural, o algodão. Na observação da tecelagem com um conta- fios confirmou-se ser uma tecelagem em tafetá (15 × 24 por 1 cm2). A tela é de trama aberta e os fios têm torsão em Z. O produto final é uma superfície plana e regular (Figuras 53-56).

Figura 53 - Fio de teia e trama no Tafetá. Maria Leite©

Figura 54 – Pormenor de grade da pintura, membrana e tela (presas com agrafos). (2012). Daniel Melim©

73 Camada Pictórica (camada de preparação, cromática e de proteção)

A camada pictórica não foi analisada na pintura, uma vez que não foi desengradada, para não a sujeitar a tensões e recorreu-se antes à amostra de 2011 cedida pelo pintor, para fazer esta análise em detalhe. Quanto à camada de preparação confirmou-se através da entrevista realizada, que o pintor não aplica camada de preparação. No entanto, as tintas acrílicas têm uma boa aderência ao suporte. A camada cromática é de espessura média e a aplicação é feita com pincel. Não tem camada de proteção.

Grade e moldura

No que diz respeito à grade, é a original. Trata-se de madeira de uma resinosa, o pinho, com tom amarelo claro. A tela e a membrana plástica estão presas à grade por elementos metálicos (agrafos), (Figura 54). A grade quadrangular, tem duas travessas, uma na vertical e outra na horizontal. Verifica-se a presença de fita adesiva (Figura 57). A obra não possui moldura.

Figura 56 – Fotografia de Microscopia Digital de Fio de teia e trama no Tafetá. Maria Leite© Figura 55 - Fotografia de Microscopia Digital

de Fio de teia e trama no Tafetá. Maria Leite©

Figura 57 – Fotografia integral (verso) da pintura. Ana Bailão©

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