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Em 2004, mais de 2/3 dos 49,6 milhões de domicílios brasileiros estavam em insegurança alimentar. Isto significa que quase 14 milhões de domicílios não tiveram acesso pleno à alimentação na quantidade adequada. A situação é mais grave quando se considera apenas o total de domicílios situados na área rural, onde 42,5% dos seus 7,6 milhões de domicílios estavam em insegurança alimentar (TAB. 1).

TABELA 1 - Distribuição percentual domicílios particulares, por situação censitária, segundo a situação de (in)segurança alimentar existente no

domicílio, Brasil e Região Nordeste, 2004.

Segurança Alimentar (%) Insegurança Alimentar (%) Total de domicílios Brasil Urbano 66,86 33,14 42.065.435 Rural 57,48 42,52 7.577.066 Total 65,43 34,57 49.642.501 Região Nordeste Urbano 48,58 51,42 9.282.954 Rural 41,52 58,48 3.248.098 Total 46,75 53,25 12.531.052

Fonte dos dados básicos: IBGE/PNAD, 2004. Variáveis

selecionadas

No Nordeste, o problema da insegurança alimentar revela-se bem mais grave do que para o conjunto da população brasileira, uma vez que mais da metade (53,3%) dos 12,5 milhões de domicílios foram considerados em condição inadequada no que diz respeito ao acesso à alimentação. Mais preocupante ainda é o panorama registrado na área rural, onde 58,5% dos domicílios encontravam- se em insegurança alimentar (TAB. 1).

Focalizando apenas os domicílios em insegurança alimentar verifica-se que, no Brasil, em 2004, mais da metade deles (53,6% ou 9.201.539 domicílios) estavam em situação de insegurança alimentar com fome, isto é, abrigavam indivíduos, adultos ou menores de 18 anos, para os quais foi relatada redução ou falta de alimento. Na área rural, 59,5% dos 3,2 milhões de domicílios também foram classificados na categoria de insegurança alimentar com fome (TAB. 2). Estes percentuais, no caso do Nordeste, foram de 63,1% e 66,6%, respectivamente e o quadro mais grave corresponde aos domicílios situados na área rural.

TABELA 2 - Distribuição percentual dos domicílios particulares, por situação censitária, segundo a situação de insegurança alimentar existente

no domicílio, Brasil e Região Nordeste, 2004.

Sem fome Com fome Brasil Urbano 47,74 52,26 13.938.971 Rural 40,50 59,50 3.221.606 Total 46,38 53,62 17.160.577 Região Nordeste Urbano 38,35 61,65 4.773.526 Rural 33,40 66,60 1.899.592 Total 36,94 63,06 6.673.118

Fonte dos dados básicos: IBGE/PNAD, 2004. Variáveis

selecionadas

Insegurança alimentar (%) Total de domicílios

A maior proporção de domicílios em insegurança alimentar nas áreas rurais brasileiras é condizente com os resultados do estudo de Veiga & Burlandy (2001), que apontaram que tais domicílios estavam em piores condições nutricionais relativamente àqueles situados nas áreas urbanas. A rigor, os dados apresentados nas TAB. 1 e 2 retratam uma situação de maior vulnerabilidade vivenciada historicamente pela população residente nas áreas rurais, onde a pobreza e a falta de alimentos em quantidade e/ou qualidade adequadas fazem parte do cotidiano das pessoas.

Quando a análise é centrada apenas na Região Nordeste (TAB. 3),observa-se que a grande maioria (91,0%) dos domicílios nordestinos com renda per capita superior a dois salários mínimos estava em situação de segurança alimentar, ao passo que, entre os domicílios com renda per capita de até ¼ do salário mínimo, essa proporção era de apenas 15%. Na medida em que aumenta o nível de renda domiciliar per capita, reduz-se a proporção de domicílios em insegurança alimentar e, conseqüentemente, aumenta o percentual de domicílios que tiveram acesso pleno à alimentação na quantidade adequada. Ademais, domicílios classificados na categoria de insegurança alimentar com fome situavam-se, em maior proporção, nos grupos de renda domiciliar per capita menor (65,4% dos domicílios com renda de até ¼ do salário mínimo, contra 2,5% dos domicílios com renda per capita superior a 2 salários mínimos). Assim, a prevalência de

insegurança alimentar apresentou-se inversamente relacionada à renda per capita domiciliar, o que era esperado, uma vez que esta é, em grande medida, a principal determinante do acesso à alimentação. Resultado similar foi citado por diversos autores que abordaram este tema (Rose et al, 1998; Rose, 1999; Meade

TABELA 3 - Distribuição percentual dos domicílios particulares, segundo situação de (in)segurança alimentar, por variáveis selecionadas, Região

Nordeste, 2004.

(continua)

Sem fome Com fome Total Renda domiciliar percapita

Até ¼ SM 15,0 19,6 65,4 85,0 2.454.775 Mais de ¼ até ½ SM 31,5 25,0 43,5 68,5 3.324.183 Mais de ½ até 1 SM 53,1 21,4 25,6 46,9 3.609.217 Mais de 1 até 2 SM 72,6 16,4 11,0 27,4 1.822.274 Mais de 2 SM 91,0 6,4 2,5 9,0 1.320.603 Cedido/outra condição 38,8 20,7 40,5 61,2 1.335.882 Próprio pagando/alugado 52,1 19,9 28,0 47,9 1.814.192 Próprio quitado 46,9 19,5 33,7 53,1 9.380.978 Não 31,9 20,2 48,0 68,1 3.275.177 Sim 52,0 19,5 28,5 48,0 9.255.875

O domicílio tem geladeira

Não 30,9 18,6 50,6 69,1 3.507.725

Sim 52,9 20,1 27,0 47,1 9.023.327

O domicílio tem fogão

Não 23,0 13,0 63,9 77,0 481.239

Sim 47,7 19,9 32,4 52,3 12.049.813

Combustível utilizado no fogão

Lenha/carvão/outro 30,3 18,4 51,2 69,7 2.224.437 Gás 50,3 19,9 29,8 49,7 10.306.615 Não 61,6 12,4 26,1 38,4 4.181.195 Sim 39,3 23,3 37,3 60,7 8.349.857 Sim 54,3 18,0 27,8 45,7 2.485.226 Não 44,9 20,1 35,0 55,1 10.045.826 Tamanho do domicílio 2 a 3 moradores 53,6 18,4 28,0 46,4 4.772.650 4 a 6 moradores 41,6 22,4 35,9 58,4 5.571.387 7 ou mais moradores 26,6 21,0 52,4 73,4 1.116.417 Unipessoal 63,8 9,6 26,6 36,2 1.070.598 Tipo de família

Casal com filhos 43,1 22,0 34,9 56,9 6.970.261

Mãe com filhos 40,0 20,2 39,8 60,0 2.002.563

Outro tipo de família 57,8 13,6 28,6 42,2 1.920.361

Casal sem filhos 57,6 16,2 26,3 42,4 1.637.867

Fonte dos dados básicos: IBGE/PNAD 2004. Presença no domicílio de

moradores com menos de 18 anos de idade

Presença no domicílio de

moradores com 65 anos de idade ou mais

Variáveis selecionadas

Situação de (in)segurança alimentar (%) Segurança

alimentar

Insegurança alimentar Total geral de domicílios

O domicílio possui água canalizada

TABELA 3 - Distribuição percentual dos domicílios particulares, segundo situação de (in)segurança alimentar, por variáveis selecionadas, Região

Nordeste, 2004.

(fim)

Sem fome Com fome Total

Recebe 27,7 23,8 48,5 72,3 3.867.049 Não recebe 55,2 17,8 26,9 44,8 8.664.003 Recebe 53,2 18,4 28,4 46,8 4.186.441 Não recebe 43,5 20,3 36,2 56,5 8.344.611 Masculino 47,3 19,9 32,8 52,7 9.114.532 Feminino 45,3 19,1 35,6 54,7 3.416.520 Branca 56,9 18,5 24,6 43,1 3.840.297 Parda 42,7 20,2 37,1 57,3 7.665.426 Preta 39,1 20,2 40,7 60,9 1.025.329

sem instrução, menos de 1 ano 37,0 19,2 43,8 63,0 4.002.631

1 a 3 anos 37,3 20,1 42,6 62,7 2.196.263

4 a 7 anos 44,0 22,1 34,0 56,0 2.820.707

8 a 10 anos 50,8 23,0 26,2 49,2 1.158.622

11a 14 anos 68,9 17,6 13,6 31,1 1.835.377

15 anos ou mais 89,9 8,3 1,8 10,1 517.452

Militar e funcionário público 69,9 17,1 13,0 30,1 628.183

Sem carteira 36,3 21,2 42,5 63,7 2.150.269 Trabalhador doméstico 43,3 21,0 35,7 56,7 74.690 Conta própria 41,9 20,3 37,8 58,1 3.710.016 Empregador 79,7 13,3 7,0 20,3 448.032 Não remunerado 46,5 18,1 35,4 53,5 30.560 Outras categorias 38,7 21,6 39,7 61,3 386.050 Não ocupado 22,1 22,1 55,9 77,9 414.199 Inativo 48,7 17,3 34,0 51,3 2.775.161

Empregado com carteira 56,9 21,5 21,6 43,1 1.913.370

Não 37,2 20,7 42,1 62,8 3.303.682

Sim 52,8 20,0 27,2 47,2 6.037.488

Fonte dos dados básicos: IBGE/PNAD 2004.

Situação de (in)segurança alimentar (%) Segurança

alimentar

Insegurança alimentar Total geral de Algum morador recebe benefícios

de programas sociais do Governo Variáveis selecionadas

Posição na ocupação da pessoa de referência no domicílio

A pessoa de referência exerce atividade ocupacional agrícola Algum morador recebe

aposentadoria ou pensão

Sexo da pessoa de referência do domicílio

Raça/cor da pessoa de referência do domicílio

Anos de estudo da pessoa de referência do domicílio

Quanto à condição de ocupação do imóvel no qual o domicílio está situado, observa-se que a segurança alimentar é mais presente naqueles que estão em imóveis alugados ou próprios, mas ainda sendo pagos (52,1%), do que nos domicílios que estão em imóveis próprios (46,9%) ou cedidos por terceiros (38,8%). É importante salientar que, entre os domicílios situados em imóveis cedidos, 61,2% estão em insegurança alimentar, e destes, a maior parte está em insegurança alimentar com fome.

A presença, nos domicílios, de bens considerados como de “primeira necessidade”, tais como fogão (especialmente a gás) e geladeira está negativamente relacionada à insegurança alimentar, efeito similar àquele causado pela presença de água canalizada no domicílio. Entre aqueles que não têm geladeira ou fogão, por exemplo, os percentuais de insegurança alimentar com fome são, respectivamente, 50,6% e 63,9%.

Em relação à composição domiciliar, mais da metade dos domicílios que possuem moradores de 0 a 17 anos estavam em insegurança alimentar (60,7%), e destes, a maior parte na condição mais precária, que é a de insegurança alimentar com fome. Este é um resultado preocupante, uma vez que a carência de alimentos na infância pode trazer conseqüências negativas para o desenvolvimento futuro e para o estado de saúde corrente das crianças e adolescentes (Nord & Hopwood, 2007). A presença de pessoas com 65 anos ou mais tem efeito inverso ao apresentado anteriormente, com 54,3% dos domicílios com idosos estando em segurança alimentar. É importante considerar que, neste caso, a presença de idosos no domicílio pode estar associada a um aumento na renda domiciliar per capita, por meio dos ganhos com aposentadoria e pensões (Motta, 2000).

A insegurança alimentar também apresenta diferencial considerável quando a desagregação é feita segundo o número de moradores no domicílio. Nesse caso, o percentual de domicílios em situação de insegurança alimentar aumenta na medida em que também aumenta o número de moradores. Por exemplo, 63,9% dos domicílios unipessoais estavam em segurança alimentar, ao passo que essa proporção diminui progressivamente para 53,6%, 41,6% e 26,6% dos moradores em domicílios com 2 a 3 pessoas, 4 a 6 pessoas e 7 ou mais pessoas, respectivamente.

Considerando o tipo de famílias que compõem o domicílio, verifica-se que os constituídos por mães com filhos e casais com filhos apresentam maior percentual de insegurança alimentar, em comparação aos formados por casal sem filhos. Na situação de maior precariedade alimentar estão 39,9% dos domicílios formados por mãe com filhos e 34,9% dos constituídos por casal com filhos, ao passo que nos domicílios formados por casal sem filhos, o percentual declina para 26,3%. Os resultados parecem indicar que a presença de crianças no domicílio associa- se ao aumento da insegurança alimentar, independentemente de eles estarem com os pais ou apenas com a mãe. Aliado a isto deve-se ressaltar que, segundo a literatura, os domicílios constituídos apenas por mães com filhos tendem a ser mais vulneráveis economicamente (Olson et al, 1996; Che & Chen, 2001).

Já a desagregação segundo o recebimento de benefício de programas sociais do Governo Federal merece atenção especial. Os dados apresentados mostram que 72,3% dos domicílios com beneficiários de programas sociais estavam em situação de insegurança alimentar, em contraste com o percentual de 44,8% verificado entre os residentes em domicílios não beneficiados por programas sociais. De um lado, é coerente supor que os domicílios beneficiados por programas governamentais sejam exatamente aqueles mais vulneráveis à situação de insegurança alimentar, e que o quadro registrado poderia estar pior na ausência desses programas. De outro, deve-se salientar que essas duas categorias contemplam o total de domicílios e não apenas aqueles que constituem o público-alvo dos programas sociais do Governo Federal. Já os domicílios que possuíam entre seus membros, aposentados ou pensionistas apresentaram maior percentual de segurança alimentar (53,2%).

A apresentação da informação segundo algumas características da pessoa de referência do domicílio, tais como sexo, raça/cor, anos de estudo, posição na ocupação e área de atividade, também revela diferenciais importantes na condição de insegurança alimentar. Verifica-se que 52,7% dos domicílios cuja pessoa de referência era homem estavam em insegurança alimentar, situação em que também se encontravam 54,7% dos domicílios cuja pessoa de referência era uma mulher. A exemplo do que ocorre com relação à desagregação segundo recebimento de benefício de programa sociais do Governo Federal, também no

caso da segmentação por sexo é necessário cautela na análise do resultado, uma vez que pode ser bastante diferente quando houver a inclusão de controle por condição socioeconômica ou tipo de arranjo domiciliar/ familiar.

Em relação à raça/cor, verifica-se que apenas entre aqueles domicílios cuja pessoa de referência se declarou branco tem-se mais da metade vivendo em situação de segurança alimentar. Nessa condição encontravam-se 39,1% dos domicílios nos quais a pessoa de referência se declarou preta e 42,7% daqueles que a pessoa de referência se autoclassificou como parda. Esses resultados são coerentes com o fato de que, no Brasil, existe uma forte associação entre raça/cor e situação socioeconômica, com os pretos e pardos estando em maior vulnerabilidade do que os brancos. Estudos realizados com dados da população norte-americana apontam para resultado similar, com maior prevalência de insegurança alimentar entre os segmentos populacionais de descendência africana e latinos, do que entre a população branca (Rose et al, 1998; Alaimo et al, 1998).

Observou-se uma relação inversa entre anos de estudo da pessoa de referência e o estado de insegurança alimentar. Ao passo que 89,9% dos domicílios cuja pessoa de referência tinha mais de quinze anos de estudo estavam em segurança alimentar, apenas 1,8% destes foram classificados na situação mais precária, que é a insegurança alimentar com fome. Já entre os domicílios em que a pessoa de referência possui menos de um ano de estudo esse percentual é de 43,8%, em contraste com apenas 37,0% em situação de segurança alimentar.

Os domicílios que possuíam pessoa de referência inserida no mercado de trabalho em atividades tais como, militar ou servidor público, empregadores e empregados com carteira assinada apresentaram os maiores percentuais de segurança alimentar, em comparação com as demais categorias. Em situação de insegurança alimentar estavam mais da metade dos domicílios nos quais a pessoa de referência estava ocupada como trabalhador doméstico (56,7%), conta própria (58,1%), sem carteira assinada (63,7%), não ocupado (77,9%), inativo (51,3%) e os não remunerados (53,5%). Ainda com relação à característica ocupacional da pessoa de referência, quando inserida em atividades do setor agrícola, 52,8% dos domicílios estavam em insegurança alimentar.

Em conjunto, os resultados apresentados na TAB. 3 vão ao encontro da relação esperada, com base na revisão bibliográfica. No entanto, para se ter idéia do peso ou papel exercido por esses fatores sobre variações na condição de insegurança alimentar é necessário que eles sejam cotejados no âmbito de análises estatísticas metodologicamente mais adequadas, o que será feito a seguir.

5.2 A Insegurança Alimentar no Nordeste Urbano