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O ser humano é um ser de palavra, de linguagem. É com o uso da linguagem que o homem se realiza e se constrói; é a partir da linguagem que ele estabelece e ocupa seu lugar no mundo. De acordo com Araújo (2004, p. 9),

[...] sem linguagem, não há acesso à realidade. Sem linguagem, não há pensamento. [...] a linguagem é provavelmente a marca mais notória da cultura. As trocas simbólicas permitem a comunicação, geram relações sociais, mantêm ou interrompem essas relações, possibilitam o pensamento abstrato e os conceitos.

Conforme Charaudeau (2010, p. 7):

É a linguagem que permite ao homem pensar e agir. Pois não há ação sem pensamento, nem pensamento sem linguagem. É também a linguagem que permite ao homem viver em sociedade. Sem a linguagem ele não saberia como entrar em contato com os outros, como estabelecer vínculos psicológicos e sociais com esse outro que é, ao mesmo tempo, semelhante e diferente. Da mesma forma, ele não saberia como constituir comunidades de indivíduos em torno de um “desejo de viver juntos”. A linguagem é um poder, talvez o primeiro poder do homem.

Ambos os autores tratam a linguagem como uma forma que permite e condiciona a relação entre sujeitos. É a linguagem que possibilita ao homem viver em sociedade, viver e

conviver com o outro. Desta forma, como tratamos nesta pesquisa de uma prática profissional, que só se efetiva em função de uma relação de trabalho, consideramos que é a linguagem que condiciona esta prática. Assim, nosso ponto de partida é o conceito de discurso – o dizer – objeto de análise desta pesquisa. Como Charaudeau (2010) e Pinto (1999), entendemos o discurso como uma prática social, inserida em um contexto determinado.

De acordo com Orlandi (1999, p. 15):

[...] a palavra discurso, etimologicamente, tem em si a ideia de curso, de percurso, de correr por, de movimento. O discurso é assim palavra em movimento, prática de linguagem: com o estudo do discurso observa-se o homem falando.

Ainda para o mesmo autor (1999, p. 15), é preciso conceber a linguagem

[...] como mediação necessária entre o homem e a realidade natural e social. Essa mediação, que é o discurso, torna possível tanto a permanência e a continuidade quanto o deslocamento e a transformação do homem e da realidade em que ele vive. O trabalho simbólico do discurso está na base da produção da existência humana.

Visto desta forma, enquanto prática social, falar em discurso implica falar em um jogo de relações entre sujeitos e, ainda, falar em trocas simbólicas que acontecem em um contexto específico. Para Lopes (2003, p. 19), “todo uso da linguagem envolve ação humana em relação a alguém em um contexto interacional específico”. Ou ainda, “todo ato discursivo se dirige a alguém e toda prática discursiva é situada no mundo sócio-histórico e cultural em que ocorre, isto é, não ocorre em um vácuo social” (LOPES, 2003, p. 22). O discurso, portanto, é entendido como uma prática linguageira que ocorre num contexto específico e que materializa o pensar humano.

Charaudeau (2010) destaca duas posições teóricas com relação ao objeto da linguagem: uma, considerando a linguagem como um objeto transparente (onde seu significado é explícito, o receptor se assemelha ao emissor) e outra, considerando a linguagem como um objeto não transparente (onde seu significado não se esgota em sua forma explícita, o emissor é diferente do receptor, já que este último pode construir um sentido não previsto pelo emissor). Um ato de linguagem é suscetível a várias leituras, dependendo de seu contexto sócio-histórico. Assim, Charaudeau (2010, p. 17) denomina explícito como sendo aquilo que é manifestado, e implícito como o “lugar de sentidos múltiplos que dependem das circunstâncias de comunicação”.

A finalidade do ato de linguagem (tanto para o sujeito enunciador quanto para o sujeito interpretante) não deve ser buscada apenas em sua configuração verbal, mas no jogo que um dado sujeito vai estabelecer entre esta e seu sentido implícito. Tal jogo depende da relação dos protagonistas

entre si e da relação dos mesmos com as circunstâncias de discurso que os reúnem (CHARAUDEAU, 2010, p. 24).

Trabalharemos nesta pesquisa sob a perspectiva da linguagem como um objeto não transparente, como uma relação em que o receptor nem sempre está disponível ao emissor. Neste caso, de acordo com Charaudeau (2010, p. 17), concebemos o ato de linguagem

[...] como produzido por um emissor determinado, em um dado contexto sócio-histórico. [...] o processo de comunicação não é o resultado de uma única intencionalidade, já que é preciso levar em consideração não somente o que poderiam ser as intenções declaradas do emissor, mas também o que diz o ato de linguagem a respeito da relação particular que une o emissor ao receptor.

Este ato de linguagem, portanto, torna-se suscetível a diversos sentidos, de acordo com as posições ocupadas por emissor e receptor. De acordo com Verón (2004, p. 216),

[...] uma mensagem nunca produz automaticamente um efeito. Todo discurso desenha, ao contrário, um campo de efeitos de sentido e não um e único efeito. A relação entre a produção e a recepção (prefiro chamar esta última de reconhecimento) é complexa: nada de causalidade linear no universo do sentido. Ao mesmo tempo, um discurso dado não produz um efeito qualquer. A questão dos efeitos é, portanto, incontornável.

Assim, o receptor pode atribuir um sentido diferente do que o previsto pelo emissor; um único discurso pode produzir efeitos diversos, de acordo com a circunstâncias do discurso. Quando falamos em circunstâncias do discurso, precisamos considerar dois aspectos: a relação que emissor e receptor mantêm diante do propósito linguageiro; e a relação que estes mesmos dois sujeitos mantêm entre si. Ou ainda, de acordo com Charaudeau (2010, p. 32) “os saberes supostos a respeito do mundo: as práticas sociais partilhadas; os saberes supostos sobre os pontos de vistas recíprocos dos protagonistas”, ou seja, “numa posição de sujeito interpretante, filtramos, no conjunto dos saberes possíveis [...], um subconjunto de saberes em função do que supomos ser o saber do enunciador” (CHARAUDEAU, 2010, p. 30).

Quando analisamos os discursos, do ponto de vista de sua produção, precisamos considerar a intenção do sujeito comunicante. Neste aspecto, este sujeito fará uso de contratos e estratégias. O contrato pressupõe que os sujeitos que pertencem a um mesmo grupo de práticas sociais estão suscetíveis de estabelecer um acordo sobre as representações linguageiras dessas práticas. Neste sentido, o sujeito comunicante sempre supõe que o sujeito interpretante possui uma competência linguageira de reconhecimento semelhante à sua. “O ato de linguagem torna-se uma proposição que o EU faz ao TU e da qual ele espera uma contrapartida de conivência” (CHARAUDEAU, 2010, p. 56).

No caso desta pesquisa, os profissionais selecionados já conheciam a pesquisadora, pois em algum momento da trajetória profissional já haviam trabalhado juntos. Essa é uma questão que pode interferir nos resultados, já que existe uma relação, mesmo que apenas profissional, com os pesquisados. Mas acreditamos que esse fato possibilitou o andamento das entrevistas e da escrita dos diários, já que ambos (pesquisadora e pesquisados) estabeleceram um acordo sobre as representações linguageiras. Assim, o sujeito comunicante (pesquisador) supôs que o sujeito interpretante (pesquisadora) possuía uma competência linguageira de reconhecimento semelhante à sua, foi estabelecido um contrato entre ambos. A linguagem utilizada foi informal, sem necessidade de explicações sobre os termos mais técnicos que foram utilizados em seus discursos, pois a pesquisadora já conhecia o mesmo. Isso facilitou e acelerou a pesquisa, sem necessidade de interrupções para explicar o que estava sendo dito.

Já a estratégia sustenta a hipótese de que o sujeito comunicante planeja e materializa seu discurso objetivando produzir determinados efeitos – que podem ser de persuasão ou de sedução – sobre o sujeito interpretante, “para levá-lo a se identificar – de modo consciente ou não – com o sujeito destinatário ideal” construído pelo sujeito comunicante (CHARAUDEAU, 2010, p. 56). Antes de persuadir ou seduzir, o sujeito comunicante deve certificar-se que o sujeito interpretante possui as informações e conhecimentos necessários para obter os efeitos de discurso desejados.

A partir daí, vemos que falar ou, em outras palavras, comunicar é um ato que surge envolvido em uma dupla aposta ou que parte de uma expectativa concebida por aquele que assume tal ato: (i) o “sujeito falante” espera que os contratos que está propondo ao outro, ao sujeito-interpretante, serão por ele bem percebidos e (ii) espera também que as estratégias que empregou na comunicação em pauta irão produzir o efeito desejado (CHARAUDEAU, 2010, p. 57).

Para Charaudeau (2010, p. 67), “representamos o ato de comunicação como um dispositivo cujo centro é ocupado pelo sujeito falante (o locutor, ao falar ou escrever), em relação com um outro parceiro (o interlocutor)”.

“Comunicar” é proceder a uma encenação. Assim como, na encenação teatral, o diretor de teatro utiliza o espaço cênico, os cenários, a luz, a sonorização, os comediantes, o texto, para produzir efeitos de sentido visando um público imaginado por ele, o locutor – seja ao falar ou ao escrever – utiliza componentes do dispositivo da comunicação em função dos efeitos que pretende produzir em seu interlocutor (CHARAUDEAU, 2010, p. 68 – grifos do autor).

Nesta pesquisa, os profissionais selecionados sabiam que estavam participando de um estudo. Assim, mesmo conhecendo a pesquisadora e estabelecendo com ela uma relação

informal, muitos podem ter respondido as questões pensando no campo publicitário, ou seja, já pensando no ambiente em que a pesquisa circulará (entre profissionais e estudantes). Por isso, as estratégias discursivas empregadas podem ter sido pensadas a partir do público final, que receberá a pesquisa, e não na pesquisadora.

Neste sentido, a Análise de Discurso nos possibilita visualizar o discurso como o resultado de uma relação, entre dois ou mais sujeitos, em que o emissor, ao elaborar sua fala, faz determinadas escolhas:

Comunicar, informar, tudo é escolha. Não somente escolha de conteúdos a transmitir, não somente escolha das formas adequadas para estar de acordo com as normas do bem falar e ter clareza, mas escolha de efeitos de sentido para influenciar o outro, isto é, no fim das contas, escolha de estratégias discursivas (CHARADEAU, 2009, p. 39).

Ao propormos uma discussão sobre o papel do profissional de atendimento no processo publicitário, a pesquisa deve buscar em seus discursos, e através de sua análise, determinados efeitos que eles geram; ou seja, a análise consiste em identificar, a partir das falas dos profissionais, determinadas marcas discursivas que permitam estabelecer relações com a proposta da pesquisa, a partir dos conceitos de tempo, comunicação, cultura organizacional e identidade.