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Análise do episódico “Você no meu caminho”

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

4.1. O DESENVOLVIMENTO DE CATARINA

4.1.8 Análise do episódico “Você no meu caminho”

Segundo Haehl, Vardaxis e Ulrich (2000), o cruising é caracterizado por passos de lado que permitem o uso dos braços e das pernas para apoio e controle. Para os autores, este tipo de deslocamento representa uma solução de curto prazo para a locomoção ereta. É descrito, assim, como um comportamento motor que permite à criança apreender o fluxo da informação perceptual na postura ereta e permite que ela tenha oportunidades de força e controle postural.

De fato, Catarina parece ter que se adaptar a novas informações perceptuais (Gibson, 1966) fornecidas – como o equilíbrio exigido quando se está em pé, o campo visual alterado, as barras do brinquedo que permitem que ela se apoie nele enquanto anda, a textura do colchão, etc. - de modo a coordenar suas ações para efetivar o deslocamento. Porém, mais do que isso, o episódio reflete a dificuldade e a complexidade em aprender a se locomover deste modo e neste ambiente da creche, não apenas por suas especificidades físicas, mas também em função da presença de outros bebês que também estão aprendendo a se locomover naquele espaço. Sendo assim, alguns pontos merecem consideração.

Primeiramente, o objeto que Catarina usa de apoio permite diversas possibilidades de locomoção e interação. Por ter o formato de um túnel, apresenta a possibilidade de que uma criança percorra o interior da caixa; ainda, o formato em “U” invertido cria um vão entre uma “parede” de grades e a outra, ou seja, cria uma lacuna para o apoio das mãos (Adolph, Berger & Leo, 2011), o que, em um movimento de percorrer todo o entorno do túnel, ao virar à borda é necessário que a criança estique o braço a uma maior distância e dê alguns passos com menor superfície de apoio para chegar à outra parede. Assim, trata-se de um objeto que favorece que Catarina ande de lado com apoio, porém possui trechos de lacunas de um apoio, o que torna o cruising um pouco mais desafiador (Adolph Berger & Leo, ibid). Já em relação às possibilidades interativas, este “túnel” é grande o suficiente para que outras crianças se apoiem/andem e engatinhem por dentro dele, ao mesmo tempo. Além disso, o fato de ter grades, permite que caso outra criança esteja em pé do lado oposto eles fiquem ao mesmo nível de olhar e abre a possibilidade de novas configurações interativas. De fato, antes de o episódio iniciar, foram observados momentos de interação face-a-face com cruising através da grade entre Catarina e Gabriel. Portanto, aqui a mediação do contexto faz-se presente (Seidl-de-Moura & Ribas, 2000) naquilo que ele oferece (Fonseca, Faria, & Mancini, 2007) para que o andar com apoio de crianças pequenas seja praticado. →

Segundo, na gravação do mês anterior, Catarina era capaz de ficar em pé e erguer os pés do chão com apoio, porém encontrava dificuldades em efetivar os passos de modo a promover deslocamento, aparentemente por dificuldade em equilibrar os pés planos no chão. Porém, agora, ela consegue efetivamente dar passos que promovem deslocamento. Assim, entende-se que ela agora faz algo que não conseguia fazer antes, ou seja, houve transformação em sua capacidade motora. Mas ao mesmo tempo, o episódio ilustra como ela ainda enfrenta algumas dificuldades em se locomover deste novo modo.

Terceiro, há Gabriel “no caminho”, sendo que Aguiar e Pedrosa (2009) sinalizam, em um episódio no contexto de creche, que a outra criança pode ser um obstáculo à movimentação. Além disso, aqui o parceiro social bebê é mais dinâmico do que as características físicas do brinquedo que permite apoio; e ainda, o fato dele ser capaz de se locomover, torna o processo de percepção e ação motora de Catarina mais lento, com mais dificuldades e mais complexo.

Quando Catarina chega ao ponto em que Gabriel está sentado, ela não consegue seguir adiante e parece buscar desenvolver estratégias para lidar com o obstáculo, como empurrar a cabeça do menino, de um lado para o outro. Mas, ela acaba se desequilibrando e caindo por cima dele. Ao cair, ela o envolve com o braço de modo semelhante a um abraço e, ao ficar sentada ao seu lado, ela passa a mão na cabeça dele, demoradamente e com pouca força. Ao ficar em pé novamente, primeiro Catarina passa a mão na cabeça de Gabriel mais suavemente e, logo em seguida, o faz de modo mais rápido e com mais força. Assim, os gestos parecem ambíguos ao observador adulto, em vista de sua significação cultural. É um empurrão, um tapa ou um carinho?

De qualquer modo, a insistência e persistência dessas ações de Catarina voltadas a Gabriel, sendo moduladas por diferentes intensidades e modos, indicam que toda ela e todo o seu corpo está engajado em seguir em frente com seu deslocamento. Isso leva à hipótese de que a locomoção parece ser altamente motivadora para a criança. Neste caso, talvez até mais interessante do que o par que, na situação, passa a ser tratado como um obstáculo a ser sobrepujado – ela tenta seguir em frente ao invés de interromper sua locomoção e reorientar sua atenção, diferente do que foi observado no episódio anterior.

Na sequência, Gabriel põe-se de pé e repete uma sequência de gestos semelhantes (e semelhantemente ambíguos) ao descrito anteriormente – ele toca levemente nas costas de Catarina e, em seguida, puxa o seu cabelo – enquanto parece tentar se equilibrar naquela posição. Agora, Catarina está em seu caminho, conforme ele tentar dar passos no sentido

oposto ao que ela vinha dando anteriormente. Assim, ela passa a ser o obstáculo frente à tentativa do deslocamento do Gabriel, havendo aqui todo um jogo de papéis (Oliveira, Guanaes & Costa, 2004).

Cria-se então um embate entre os dois, de modo que Gabriel cai se apoiando em Catarina; quando isso acontece, ela repetidamente tenta empurrá-lo, enquanto apresenta uma expressão facial de incômodo (olhos mais apertados, sobrancelhas contraídas, boca aberta e vocalizações). Porém, ele também a puxa e ela também acaba caindo. Diante da pequena confusão, a educadora intervém.