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O processo de transformação Locomoção/interação de Daiane

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

4.3. O DESENVOLVIMENTO DE DAIANE

4.3.9 O processo de transformação Locomoção/interação de Daiane

Diferentemente de Priscila, o processo de Daiane se faz menos evidente em termos de transformação da destreza motora/relação com o par. Aqui, a locomoção com o par traz a dinâmica de movimentos de aproximação e afastamento do par na construção de papeis e significados dentro deste contexto.

Em dezembro, Daiane já engatinhava com agilidade e ficava em pé com apoio. As cenas de ficar em pé foram identificadas em três situações: apoiando-se na pesquisadora e permanecendo próxima a ela por tempo considerável, dirigindo-se sozinha ao portãozinho de saída da sala – onde adultos (educadoras/pais) entravam e saíam, ou ficando em pé apoiando- se em uma caixa cheia de brinquedos rodeada por outros bebês. Neste caso, ao ficar em pé, Daiane também começou a andar e empurrar a caixa em sentido contrário, afastando-se das crianças.

Deste modo, no conjunto dos dados, o andar com apoio (em vista da maior destreza motora de Daiane em relação aos outros bebês) parece se inserir em uma lógica de deslocamento que busca se aproximar do adulto ou se afastar do par.

Por outro lado, Daiane engatinha a maior parte do tempo, tanto como um modo de explorar o ambiente, como também uma forma de se aproximar de outras pessoas, inclusive outros bebês. Esta última condição é o que ocorre no episódio “vindo em minha direção”.

Neste episódio, esta aproximação, em que ambos compartilham de “efervescência emocional” (sorriso intenso, vocalização e agitação corporal), parece desencadear o deslocamento de Victor que se coloca a engatinhar – com maior dificuldade e lentidão do que Daiane. Assim, a proximidade do outro bebê e o contágio emocional parecem atuar aqui como importantes elementos para a locomoção. Por outro lado, em outro momento do episódio, o enigmático engatinhar recíproco de Victor e Daiane em direção ao outro, suscitam questões de interações agonísiticas e papeis/contrapapeis.

Em março, Daiane já retorna andando e correndo com bastante agilidade e autonomia. O deslocamento ocorre em um constante perambular pela sala – principalmente na falta de atividades direcionadas pelo adulto –como também um rápido andar se aproximando de outras crianças que estão paradas e distantes, ou afastando-se delas, principalmente quando em posse de um objeto. Nesses movimentos, o modo como as crianças se regulam suscitam questões relacionadas a significação das mordidas de Daiane

É importante referir que aqui as crianças estão mais velhas (13 meses de idade, antes com 10 meses) e já tem um período maior de convivência e familiaridade com a creche, o que permite que uma rede de significados relacional e situacional já esteja mais configurada.

No episódio “foge, empurra e morde”, as aproximações de Daiane – neste caso através do andar - geram movimentos de fuga/afastamento (levantar e sair andando, empurrar) por parte de Lívia e Emily, como que uma antecipação de algo que ela possa fazer quando estiver perto (e de fato, Daiane morde Emily e depois Victor). Aqui surgem questões de dialogismo e

do corpo em movimento como elemento de significação, inclusive em interação de crianças pequenas.

Já no episódio “pega a bolinha e vai”, mediante uma situação anterior de disputa de um brinquedo, Daiane toma posse de uma bolinha jogada pela educadora e parece se utilizar de sua maior agilidade no andar como um posicionamento de superioridade perante Jonas e Marcos na negociação/compartilhamento do objeto. Ainda, a dinâmica locomotora aqui é diferente, uma vez que é Daiane quem se aproxima e se afasta de outras crianças que permanecem paradas, destacando a questão do desnível motor. Porém, na interação com Marcos, o encontro de olhares à distância parece ser um importante regulador da aproximação e uma vez próximos, da interação face-a-face recíproca. Ainda, quando Marcos passa a olhar para o próprio corpo, Daiane mantém o olhar fixado em algum outro lugar até que se levanta e se afasta. A perda de um foco único entre as crianças, faz com que a interação seja interrompida, a locomoção sendo veículo (no caso de Daiane) de novas buscas. Assim, além da importância da (in)competência motora, Daiane passa a explorar habilidades como andar mais rápido, agachar-se e levantar-se mais rapidamente, ou mesmo manter-se firmemente agachada segurando o objeto.

Por fim, em abril, não são observadas grandes mudanças motoras e relacionais em Daiane. Porém, há um número menor de interações agonísticas (embora elas ainda ocorram). Em parte, talvez pelo fato de haver mais situações de atividades dirigidas pela educadora. O episódio selecionado não é representativo deste panorama, uma vez que Daiane costumava permanecer sentada e parada por bastante tempo (por 10 minutos ou mais) e dirigir suas ações principalmente ao adulto nessas situações.

No episódio “vivenciando emoções, imitando movimentos”, toda a movimentação de Daiane, frente à busca pela educadora que não a pega no colo, é entendida como emoção exteriorizada (Viana, 2008). Mas seu deslocamento e agitação corporal, dentro de uma perspectiva interacionista Užgiris (1991), não são apenas atos individuais. Eles repercutem nos atos de Ivan, que imita Daiane, correndo para a parede e batendo nela com as mãos. Ao fazer isso, ele está vivenciando sensações corporais, apreendendo cultura e formas de comunicação social e está se engajando interativamente com o par. Além disso, neste episódio, esta aproximação, propiciada pelo deslocamento motor, propiciará interações posteriores.

Assim, o conjunto dos dados traz a noção da locomoção como instrumento da corporeidade do bebê como forma de estar no mundo, se expressar, assumir

papeis/contrapapeis, regular/ser regulado pelo outro em um movimento dialógico com o par. Ainda, traz à tona a questão do movimento do outro sendo (re)significado ao longo do tempo, propiciando aproximação ou afastamento e desdobramentos interativos ou não.