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Neste capítulo discutiremos as informações construídas por meio da análise dos registros das observações de campo e das entrevistas semi- estruturadas em dois momentos. Na primeira parte da discussão priorizamos os elementos relativos ao contexto e à dinâmica de funcionamento da conciliação, em uma leitura descritiva do processo permeado, obviamente pelo olhar dos pesquisadores. Na segunda parte ressaltaremos os elementos contidos no discurso dos operadores do direito sobre a conciliação de conflitos nos Juizados Especiais Criminais em uma leitura interpretativa.

5.1 – O cenário e a dinâmica de funcionamento da conciliação

A discussão desta categoria temática decorre da análise dos registros de campo das observações das audiências de conciliação e é composta pelo que estamos denominando de descrição interpretativa. Conforme explicamos anteriormente, esta categoria temática foi dividida em dois sub-temas. O primeiro denominamos de O espaço e o movimento, e o segundo de Os atores em inter-relação.

5.1.1 – O Espaço e o Movimento

O cenário que se observa nos espaços físicos delimitados para a realização de audiências de conciliação nos Juizados pesquisados é bastante distinto, mesmo em se tratando de uma mesma região administrativa. Encontramos ambientes que proporcionam mobilidade e interação entre os integrantes do processo, com a presença de mesas circulares, rodeadas por cadeiras acolchoadas e com rodinhas - que indicam movimento - acomodadas em salas preservadas do barulho externo, com ar-condicionado e grandes janelas que abrangem toda a parede de fundo das salas, o que as deixa bem iluminadas e ventiladas.

O cenário acima descrito configurou-se como exceção, pois os outros espaços observados foram bastante distintos. Notamos que, na ocasião em que as observações ocorreram, a maioria dos Juizados Especiais Criminais parecia improvisar salas destinadas à audiência preliminar de conciliação, já

que não verificamos a existência de um espaço preservado para uma conversa conciliatória.

Em um dos Juizados, a sala, embora fosse razoavelmente ampla e demarcada por uma divisória, consistia em uma área de circulação com acesso a outras salas, por onde muitos funcionários circulavam e conversavam. Era composta por uma pequena mesa retangular, um computador, três cadeiras móveis, sendo uma para o conciliador - posicionado atrás da mesa -, três cadeiras fixas que ficavam na lateral - encostadas na parede. Uma variação deste cenário consiste na divisão do espaço em pequenos cubículos, tipo cabines, onde várias conciliações ocorrem concomitantemente. O lugar é marcado por grande movimentação e barulho que, em alguns momentos, nos fez lembrar um pronto-socorro hospitalar. Além disso, observamos que em um dos Juizados havia cartazes informando: - Hoje é dia de conciliação, com a foto de duas luvas de boxe, num ringue, uma ao lado da outra, sorrindo. O que nos deu a impressão de que o juizado é um ringue, em que pessoas vêm armadas para lutar, com a promessa da resolução, já que saem conciliadas e sorridentes.

A organização física dessas salas foi, aos poucos, evidenciando o quanto o funcionamento das audiências de conciliação é caracterizado pelo poder. Isso pôde ser verificado não só pela disposição dos móveis nas salas de conciliação, como também por meio das orientações que os coordenadores da conciliação dão aos estagiários que atuam nos Juizados. Estes são orientados a ficarem do outro lado da mesa para “preservar o distanciamento e manter o poder, a autoridade de conciliador”, segundo nos informou um coordenador de

conciliações. Em outro Juizado observado, foi-nos exigido o uso do pelerine, mesmo após o esclarecimento de que não éramos estudantes de direito, e sim de psicologia. O argumento para tal procedimento estava em nos distinguir dos usuários da justiça.

Em geral, as audiências são feitas por um só conciliador - no caso dos Juizados pesquisados a maioria são estagiários de direito - pois, segundo a coordenadora de conciliação de um dos Juizados, isso “centraliza o poder e ajuda a manter a autoridade, fazendo com que todas as partes falem apenas por mediação do conciliador”. O coordenador é sempre solicitado quando o

novas tentativas de conciliação. Ele passa por todas as salas de conciliação observando os conciliadores e fazendo alguns ajustes nos textos das atas e na condução da conciliação.

Conforme esclarecemos no item 3.1 deste relato de pesquisa, quando a conciliação, ou melhor, o acordo não é conseguido na audiência preliminar, o processo é encaminhado para outra fase, denominada de audiência de instrução e julgamento. Esta acontece com a presença do juiz e do promotor e ocorre na sala “oficial” de audiência. Trataremos de descrever tal espaço físico, pois notamos que, mesmo em se tratando de uma audiência cujo procedimento não está incluído nos objetivos da presente pesquisa, havia, por parte dos juizes e promotores, tentativas de conciliação. Explicando melhor, em todas as audiências observadas, os operadores do direito buscavam o acordo entre os sujeitos em conflito antes de prosseguir com os procedimentos de instrução e julgamento.

Diferente do cenário que compõe as salas destinadas à conciliação, cujo retrato foi bastante diversificado, as salas de audiências não apresentam relevantes diferenças físicas entre si. São espaçosas, imponentes, com mesas retangulares, microfones, cadeiras móveis destinadas para os sujeitos em conflito e seus respectivos advogados - quando os têm - armários com bancadas. Em nível mais elevado nota-se um tablado com tapete vermelho, onde se pode observar o juiz, o promotor e o diretor de secretaria. Além disso, há a presença constante de profissionais que fazem a segurança do local.

As salas de audiências têm um aspecto impessoal e marcado por formalidades. Os papéis e os lugares ficam bastante claros, sobretudo, no que se refere às figuras do poder, fazendo uma analogia ao título do livro de Enriquez (2007). Sendo assim, juiz e promotor controlam o tempo de fala, delimitam o conteúdo dessa fala e estabelecem o tom de voz permitido.

As diferenças acerca do espaço físico das salas de audiência propriamente dita e das salas de conciliação são bem marcantes. As primeiras, além do glamour, caracterizam-se pela formalidade, impessoalidade e pela clara delimitação dos lugares de poder, o que nos leva a crer que são muitas as chances de se reproduzir, no Juizado Especial, a prática da justiça comum. Já as segundas, pareceu-nos caracterizadas pelo improviso e, como consideramos que a organização do espaço físico pode refletir o modo de

atuação dos sujeitos, ou ainda o valor atribuído à prática que ali ocorre, podemos pensar que a conciliação de conflitos no sistema de justiça ainda não ocupa um lugar de prestígio.

5.1.2 – Os atores em inter-relação

“(...) O conciliador me recebeu sem perguntas, como se já estivesse acostumado com observadores. Usava calça e camisa social, e um „pelerine‟. Além de mim, havia uma estudante de direito que estava fazendo formação para conciliadora e, por isso, estava observando aquela audiência. Enquanto o conciliador concluía a leitura do processo, a referida estudante comentou que estava fazendo o curso para tornar-se conciliadora e precisava de horas de observação. Disse ainda que ninguém tinha interesse em ser conciliador. „... Quem vai querer ficar ouvindo esse tipo de confusão das pessoas?‟ „... essas picuinhas, essas briguinhas?‟ „... todo mundo quer pegar coisa importante.” “... estou fazendo o curso só para ter experiência‟ (sic). Sua fala era confirmada pelo conciliador em movimento afirmativo com a cabeça” (Registro de campo:

12/11/2008. Introdução do relato da primeira observação realizada para os fins da pesquisa).

No contexto das audiências de conciliação, a presença de expectadores, estudantes de direito, é freqüente e são raros os momentos em que o conciliador, juiz ou promotor estabelece um diálogo com tais alunos. Em alguns Juizados o coordenador da conciliação orienta os observadores e indica a conciliação, ou melhor, o conciliador a ser observado. Já em outros Juizados, para observar, basta entregar a carteira estudantil.

Optamos por descrever na íntegra a parte introdutória do registro de campo da primeira observação, pois a impressão causada pelas palavras daquela estudante se repetiu em outros momentos da pesquisa, sendo em várias observações atualizada pela postura dos conciliadores, juizes e promotores, diante da difícil tarefa de conciliar conflito. Esses atores parecem não acreditar que as pessoas estão ali, no espaço da justiça, para resolver um problema tão pequeno, tão irrelevante, ou ainda, de natureza tão privada. Com freqüência, e à medida que os conciliadores tomavam conhecimento de que a

formação dos pesquisadores era em psicologia, faziam comentários como: “Ah, esses casos são pra vocês mesmo.” “O que vocês fazem com esse tipo de problema?” “É um absurdo as pessoas chegarem a esse ponto”.

Os exemplos acima indicam uma percepção depreciativa que invalida as especificidades das experiências de vida dos sujeitos que buscam a justiça para a resolução de seus conflitos. As lógicas de depreciação e invalidação, observadas com freqüência na dinâmica de funcionamento das audiências de conciliação nos Juizados são, segundo Carreteiro (2003), freqüentes em cenas públicas e resultam em sentimentos de desvalorização e diminuição dos que vivem tais processos.

Esses processos são tratados por Gaulejac (2006) como violências humilhantes, já que o sujeito confronta-se com o sentimento de não ter valor. Para o autor, as humilhações são produtoras de vergonha na medida em que o sujeito fica incapacitado de reagir, ou seja, não pode voltar-se contra o agressor. A vergonha caracteriza-se como um sofrimento social e psíquico bastante doloroso, e surge quando o sujeito é remetido a si mesmo como ridículo, inútil, mau ou abjeto. Nesse cenário, o indivíduo fica especialmente sensível às situações de poder e dominação.

A compreensão de que “o tipo de confusão” que as pessoas levam para ser solucionado no âmbito da justiça refere-se a “briguinhas, picuinhas” sem importância, ou ainda a incapacidade de as pessoas em resolverem os próprios problemas, além de resultar em constrangimento e vergonha, reflete a forma como os conciliadores se movimentam no decorrer do processo de conciliação. Isso foi observado com base em algumas posturas adotadas pela maioria dos conciliadores que, com o intuito de finalizar o processo, mostravam-se autoritários e dirigentes da vida dos que ali estavam.

Podemos citar como exemplo o início de uma audiência onde após solicitar os documentos dos envolvidos no conflito, o conciliador se dirige a um deles e comenta: “Você precisa providenciar outro documento, esse aqui está caindo aos pedaços.” Mais adiante, nessa mesma audiência, diz: “(...) todos vocês estavam errados, ninguém deveria ter feito o que fez”. Sendo assim,

afirma que “(...) todos irão assinar um documento se comprometendo a não importunarem-se”. Os sujeitos em conflito, ao acatarem tais determinações, demonstram suscetibilidade ao poder ali imposto. Tal suscetibilidade pode ser

compreendida a partir do que Gaulejac (2006) denominou de vergonha moral. Essa forma de vergonha é vivida quando o sujeito tem sua imagem atingida após transgredir as normas da sociedade em que está inserido. Nesse sentido, pode vir a ser estigmatizado pela posição social, de transgressor, que passa a ocupar. Sua imagem é, então, invalidada e publicamente degradada, e essa degradação, para o autor acima, remete às relações de poder e dominação. Assim, na medida em que os sujeitos em conflito no âmbito dos Juizados Especiais Criminais têm sua identidade perturbada pela vergonha moral, deixam de ser respeitados em sua fala e ficam sujeitos ao poder exercido pelo representante da justiça.

Observamos, por exemplo, uma situação de injúria em que estiveram presentes um homem, sua atual esposa e a ex-esposa. Ao ler o processo, o conciliador relata que a atual esposa é „xingada‟ e difamada pela ex-esposa do homem que ali estava. O conciliador, sem se apresentar, diz: Estamos aqui

para propor a paz, um acordo de paz. Vamos arquivar esse processo? Diante

da tentativa de fala de uma das pessoas, o conciliador foi firme e disse: “Não quero que nenhum dos três conte sua vida, que fiquem falando e reclamando”. “Estamos aqui para resolver essa situação”. Ao final da audiência o conciliador

comunica: “Vou sair (para redigir a minuta) e não admito que vocês conversem

entre si e se possível nem se olhem. Disso vai depender o acordo e arquivamento do processo”.

Ressalta-se na situação descrita, uma postura de extremo controle ao que pode ser falado, para quem e, nesse caso, se deve ou não ser falado. Além disso, observamos que nessa audiência a comunicação do conciliador foi com os integrantes individualmente e, nesse sentido, fez perguntas objetivas relacionadas ao interesse em arquivar o processo, informando que para isso precisavam se comprometer a não se importunarem. Não houve uma comunicação em forma de diálogo entre os sujeitos em conflito.

Em outro Juizado, na ocasião de um conflito envolvendo duas vizinhas e que na audiência de conciliação frequentemente uma interrompia a fala da outra - o que poderia ser descrito como um “bate boca” - o desconforto da conciliadora ao presenciar aquela cena era visível, já que se mostrava impaciente e fazia sons de estalos com a boca, expirava o ar com força e olhava aborrecida para as pessoas. Então se dirigiu a uma das senhoras e

pediu que não falasse enquanto não fosse solicitada; como não foi atendida, ordenou em tom alto e ríspido: “A senhora, por favor, se comporte”!

As cenas acima descritas se repetem em muitas audiências conciliatórias e não se limitam aos procedimentos adotados apenas pelos conciliadores, já que procedimentos semelhantes foram identificados nas audiências conduzidas por alguns juizes e promotores.

De modo geral, nota-se impaciência por parte dos operadores do direito, pois, ao mesmo tempo em que parecem reconhecer a importância da fala dos sujeitos, demonstram dificuldade para essa escuta. Alguns juizes, ao iniciarem as audiências solicitavam que os sujeitos falassem o mínimo possível: “Fale de modo bem sucinto, muito breve o que aconteceu”. Outros, antes de perguntar

sobre o ocorrido, perguntavam: “é possível um acordo? Se não, não vou perder meu tempo”. Nas situações em que os sujeitos se manifestavam contrários à

conciliação, ouvia-se de alguns juizes e promotores: “estamos perdendo tempo aqui” (...) “temos mais o que fazer” (...) “não podemos perder a tarde inteira com vocês”.

Chamou-nos muito a atenção o fato de que em algumas audiências o autor do fato sequer se pronunciava, apenas ouvia como mostra o trecho de um relato de observação.

“(...) o promotor falava ao jovem como que dando uma lição de moral. Disse que deve ter havido algum mal entendido porque não era assim que ele deveria se referir (à vítima) (...). Porém explicou que para ser uma ação penal teria que ser mais grave que, então, estava determinando o arquivamento do processo, sendo que ficaria de lição para o jovem ter mais cuidado e refletir melhor, e caso acontecesse algo semelhante não deveria agir mais desse modo. Foi interessante que o autor não falou uma palavra sequer. Permaneceu de cabeça baixa, em silêncio, durante toda a fala do promotor. O promotor, por sua vez, parecia um pai que corrigia a criança que havia feito algo errado, falando em alto som, folheando o processo para citar o que havia ocorrido, com os ombros altos e tom de superioridade” (Registro de campo: 10/03/2009).

O relato que acima explicitamos nos remeteu à discussão que Barus- Michel (2004) faz sobre as relações de poder na dinâmica social. A autora explica que “O poder não é uma coisa, é uma relação circular na qual estão igualmente envolvidos, embora em posições diferentes, os que o sofrem e os

que dele tiram proveito” (BARUS-MICHEL, 2004, p.100). Nessa perspectiva, esclarece que se trata de uma relação instável e ambivalente que envolve dominados e dominadores. Os dominados, em estado de expectativa, projetam a imagem de sua satisfação no pólo dominante. Trata-se de um exercício imaginário de deslocamento de representações ligadas a afetos tanto positivos, quanto negativos. Os dominadores por sua vez não se furtam em receber essas representações e se empenham em ampliá-las. Assim, o que era da ordem do imaginário passa a ser concretizado no discurso.

Nota-se no relato destacado que o poder, conforme depreendemos das proposições de Barus-Michel (2004), manifesta-se no arranjo dos signos em que o sujeito em situação de conflito, na posição de dominado, projeta na figura do promotor, o dominador, a necessidade de ser orientado quanto às suas condutas e comportamentos. O promotor, por sua vez, assume que essas orientações condizem com as funções de figuras parentais, de pai, e acaba discursando a partir desse lugar.

Esta relação é compreendida por alguns autores, dentre eles destacamos Sudbrack (2003), como homeostática, já que existe um equilíbrio na relação estabelecida, onde o sujeito transfere o poder para a Justiça, aqui representada pela figura do promotor, e este, por sua vez, ocupa este lugar.

A percepção, por parte dos operadores do direito, de que os sujeitos em situação de conflito são pessoas com problemas comportamentais que precisam ser corrigidos, era sempre reforçada com as falas dirigidas aos pesquisadores nos espaços entre uma audiência e outra. Ouvia-se: “(...) eles (os sujeitos em conflito) chegam com problemas comportamentais que

precisam de interferência de um profissional da psicologia ou até da psiquiatria”(...) “Esse caso mesmo, o marido é um sem-vergonha e a mulher vai bater na outra?”.

O modo como os sujeitos em conflito são percebidos pelos operadores do direito – pessoas para as quais falta competência, poder para resolver seus problemas, “suas briguinhas” – revela a prevalência de uma visão reducionista

e linear sobre estes últimos, em contraponto a uma visão pautada na ética da compreensão conforme propõe Morin (2002). Essa ética pauta-se na tolerância, na solidariedade, no respeito pela diversidade humana e na compreensão do homem como um ser em relação. Tais princípios, com os

quais nos colocamos em concordância, infelizmente ainda são pouco praticados nos espaços sociais e, sobretudo, no contexto judiciário, onde as dificuldades das pessoas são interpretadas como conseqüência de suas incapacidades, de suas condutas fracassadas, ou de seus problemas psicológicos. Com base nisso, os sujeitos são rigidamente encaixados nos lugares de vítima e ofensor.

É importante sinalizar que a atribuição desses lugares indica também a forma como os operadores do direito irão se comportar diante de tais sujeitos. Em outras palavras, e com base em nossas observações, podemos inferir que os sujeitos que representam o Estado na difícil empreitada de conciliar conflito, são passíveis de sentimentos hostis e amorosos com relação às pessoas com as quais lidam diariamente. Sendo assim, é bastante compreensivel, talvez não desejado, que adotem posturas partidárias. Queremos dizer que em muitas audiências pôde-se observar a formação de alianças entre operadores do direito e um dos sujeitos em situação conflituosa.

As manifestações do que foi acima citado, apareceram de forma não tão explícita e com estratégias bastante variadas. Notamos, por exemplo, que o tempo concedido para falar não era, em absoluto, igual para todos os envolvidos, ao contrário, pareceu-nos que após a escolha de quem iria relatar os fatos, o outro estaria fadado ao silêncio. O detalhe é que nos procedimentos observados, o relato começa sempre pela pessoa que figura como vítima - embora os lugares de vítima e ofensor no âmbito dos Juizados sejam bastante questionáveis, conforme nos aponta Azevedo (2000).

Observamos uma situação em que após quatro tentativas de fala sem sucesso por parte do ofensor (que também era vítima), já que o conciliador não permitiu, a própria vítima (que também era ofensor) pareceu se incomodar e disse: “Deixa ele falar o que tem pra dizer”! A vítima é atendida e o ofensor

pode, enfim, falar, mas logo é interrompido pelo conciliador e se cala. Em outro Juizado, o impedimento da fala foi tão recorrente que contamos um total de quatorze vezes em que uma das pessoas tentava falar e a juíza não permitia. Por fim, a pessoa se resignou ao silêncio e passou a acatar todas as “orientações” que os operadores do direito passaram a dar.

Outra forma de manifestação das alianças aludidas anteriormente refere-se à entonação de voz usada pelos operadores do direito, que varia do

mais ríspido e irônico, dirigido ao sujeito eleito como ofensor, ao mais tranqüilo, compreensivo, dirigido ao sujeito eleito como vítima. O resultado da aliança é, quase sempre, a desqualificação, a anulação de um dos sujeitos.

A questão da desqualificação dos sujeitos causou-nos muitos incômodos. Nas primeiras observações foi possível perceber, conforme explicitamos anteriormente, movimentos que resultavam na desqualificação dos sujeitos em conflito. À medida que eram impedidos de falar, que levavam „broncas‟, lições, ou que sua fala era tratada com ironia, a expressão facial e

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