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Parte II INVESTIGAÇÃO EMPÍRICA

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Através da análise dos resultados, podemos concluir que os dados recolhidos correspondem, na sua generalidade, à literatura encontrada.

Parece-nos evidente que estes adolescentes experienciaram de forma continuada um tipo de conflito marital extremamente violento, intenso e frequente. Corroborando a ideia de Almeida, André e Almeida (1999) que sublinham a concepção de que a violência entre os pais é, maioritariamente, recorrente e crónica. Este facto conduziu a que os jovens entrevistados não fossem preservados da ocorrência de violência. Deste modo, na grande maioria das situações, estavam presentes no momento da violência, por vezes ouviam de uma outra divisão da casa ou observavam no dia seguinte as consequências da violência (Holden, 2003).

No que respeita à tipologia de violência interparental, o abuso físico prevaleceu sobre as restantes formas de maus-tratos. Os jovens fizeram referência a determinados comportamentos tais como bater, espancar, causar dor, entre outras formas de violência que acarretaram danos físicos intencionalmente. Em menor número foi também referido o abuso psicológico, assentando essencialmente em insultos verbais, ameaças,

estigmatizações e críticas. Num dos casos talvez o relato da violência verbal tenha sido esquecido devido à violência física extrema e completamente bizarra a que a figura materna foi submetida. De acordo com os nossos resultados e com aquilo que é apontado pela literatura (Grych & Fincham, 1993, p.215; Spacarrelli et al., 1995 cit. por Jouriles, et al., 1998) parece claro que a exposição a violência interparental extrema incluindo o uso de armas, bem como ver a figura materna ferida e ser transportada por uma ambulância aumentou a percepção de ameaça relativa aos incidentes familiares violentos.

A violência teve sempre um carácter unidireccional, sendo o pai o agressor e a mãe/madrasta a vítima. Torna-se aqui importante salientar que os jovens não dão indicações de que as mães/madrasta tentassem reagir aquando da vitimização, mantendo-se submissas e passivas às agressões dos maridos. Através da análise dos resultados, ficou clara a ideia de que o estatuto de subordinação da mulher se encontra ainda presente na sociedade ocidental. Sendo o homem mais vigoroso do ponto de vista físico, tal conduz à utilização do uso da força física, onde o mais forte vitimiza o mais fraco e sai vencedor adquirindo assim o controlo sobre o(s) seu(s) subordinado(s).

À semelhança do que refere a literatura (Appel & Holden, 1998; Haj-Yahia & Zoysa, 2008; Hernandez & Grãs, 2005; O’Keef, 1996; Saltzman, Holden, & Holahan, 2005), na maioria dos casos, estes jovens para além da exposição à violência interparental foram também alvo de violência directa. Alguns jovens foram apanhados no meio da violência quando tentavam por termo ao incidente violento ou proteger as suas mães, sendo esta ideia fundamentada por Holden (2003) e Grych e Fincham (1993). Estes autores referem em seus estudos o enorme desejo que estas crianças sentem em por termo à violência e restabelecer o sentimento de segurança, conduzindo a intervenções desesperadas no incidente violento que resultam, muitas vezes, em agressões acidentais ou intencionais contra a criança. No entanto, indo ao encontro do que Appel e Holden (1998) afirmam, os casos mais frequentes foram aqueles em que o pai agrediu tanto a mulher como os seus filhos.

Importa referir aqui a este respeito, que os jovens, nas suas narrativas, tendem a relativizar os maus-tratos sofridos em detrimento da violência exercida sobre a figura materna. À excepção de um jovem que relata de forma secundária a violência entre o pai e a madrasta face à sua própria vitimização. Neste caso concreto, podemos especular uma possível explicação em torna da vítima ser a madrasta e não a progenitora. Outra

possível explicação, que nos parece igualmente plausível, prende-se com o facto de que à medida que a violência do pai sobre o menor aumenta, o impacto da exposição à violência diminui (O’Keefe, 1996) facto que conduziu o jovem a narrar com mais pormenor a sua própria vitimização.

A problemática da exposição à violência interparental não fica totalmente compreendida se ignorarmos o contexto psicossocial onde a violência ocorria. Pelo que gostávamos também de fazer referência a alguns elementos desorganizadores da vida do casal, nomeadamente o abuso de álcool paterno, considerado por estes jovens como o principal factor de risco para a ocorrência de violência. Sendo esta ideia corroborada por alguns autores (Fehringer & Hindin, 2009; Spacarrelli, Sandler, & Roosa, 1994) que sugerem que os problemas alcoólicos parentais aumentam significativamente o risco de perpetração de violência conjugal. No entanto, embora alguns estudos demonstrem a elevada associação entre abuso de álcool e violência marital, tal não permite estabelecer uma relação de causa-efeito (Jewkes, 2002). Pelo que alguns jovens referiam o estado alcoolizado da figura paterna apenas como um agravante dos conflitos, sendo esta atitude mais observada nas raparigas. Parece de facto existir uma tendência nos rapazes em desculpabilizar a conduta violenta pelo facto da figura paterna estar alcoolizada “ele só era assim quando estava bêbado”, pelo que devemos equacionar a possibilidade de um baixo discernimento destes jovens quanto à personalidade do agressor. Contrariamente às raparigas que atribuem as responsabilidades pela violência ao pai, à sua personalidade e/ou carácter em si e não ao álcool.

Por outro lado, as dificuldades económicas associadas a uma má gestão financeira foram também apresentadas por alguns destes jovens como motivo de discórdia entre o casal. Deste facto, alguns autores (Fang & Corso, 2008; Jewkes, 2002; Spacarrelli, Sandler, & Roosa, 1994) em seus estudos comprovaram que as dificuldades económicas apresentam-se como sérios factores de risco para a ocorrência de violência interparental.

Duas das jovens entrevistadas fazem referência aos ciúmes e desconfiança por parte do pai, possivelmente algum delírio do agressor envolvendo a infidelidade da esposa, sendo reforçado pelo consumo de álcool.De facto, a par desta concepção de que os ciúmes estão na base de alguns incidentais interparentais violentos, Ganley e Schechter (1996, cit. por Edleson, 1999) referem no seu estudo que, muitas vezes, os agressores usam as crianças como espias da mãe para saberem todas as suas actividades.

No que respeita ao local onde os incidentes interparentais violentos ocorriam, torna-se crucial referir que estes ocorriam fora do controlo social “acontecia sempre em casa”. É, neste sentido que, Almeida, André e Almeida (1999) afirmam que o ambiente familiar, devido ao seu carácter privado, é um lugar privilegiado para a ocorrência de violência. Proporcionando um resguardo em relação à comunidade exterior. Este facto poderá transparecer um possível receio por parte do agressor da reprovação social pelos seus actos violentos e também por dispor de um maior controlo sobre a(s) vítima(s) (Manita, 2005).

Ao contrário do previsto na literatura, ao nível das atribuições de culpa foi possível verificar uma total ausência de sentimentos de culpa e de auto- responsabilização destes adolescentes pelos incidentes violentos. Talvez o facto do conteúdo dos conflitos parentais não ser sobre os jovens conduziu-os a uma destituição de culpa, no sentido em que não acreditam ter gerado a discórdia entre os pais. Neste sentido, a destituição de culpa protegeu-os de erros atribuição de culpa e de activação fisiológica resultante do conflito interparental (Ybarra & Lange, 2006).

Porém, contrariamente ao que foi encontrado na literatura (Grych & Fincham, 1993), a destituição de culpa destes jovens não diminuiu o medo de serem incluídos no conflito bem como o desejo de intervir nele. Os sujeitos entrevistados foram obrigados a viver, durante a sua infância, num ambiente instável e caótico, estando expostos a experiências aterrorizadoras de violência. Deste modo, a exposição à violência severa conduziu-os a reacções intensas, que desencadearam manifestações de tristeza, raiva e preocupação (Cummings & Davies, 1994, cit. por Coutinho & Sani, 2008), bem como percepções de ameaça e expectativas sobre a escalada do conflito. Esta percepção do conflito como ameaçador desencadeou nestes adolescentes o medo de serem também eles incluídos no episódio violento e o receio de perder a figura de vinculação de afecto e segurança – a mãe. Os sentimentos de ódio surgiam pela imprevisibilidade das condutas de violência, que ocorriam sem razão aparente “ele não tinha razão nenhuma para fazer aquilo”. A raiva surge associada à revolta pela incapacidade de parar o incidente violento, aumentando o stress vivido pela criança/jovem (Grych & Fincham, 1990).

Esta incompreensão da conduta violenta exercida pela figura paterna e a dificuldade em lidar com o fluir de emoções penosas conduziu estes jovens a adoptarem estratégias de coping desadaptativas, resultando em intervenções desesperadas no

sentido de por termo à violência. Importa aqui referir que sendo este tipo de estratégias frequentemente usado em crianças com história de exposição à violência severa e extrema (Grych & Fincham, 1993), tal como nos surge na literatura (Coutinho & Sani, 2008), as estratégias de coping focadas no problema, traduzidas na intervenção directa no conflito dos pais, foram as estratégias de coping mais utilizadas por estes jovens. Parece claro que este tipo de envolvimento inapropriado no incidente violento coloca a criança numa situação de maior stress (Grych & Fincham, 1993). Por outro lado, o fracasso e a desesperança pela impossibilidade de fazer algo para ajudar a mãe/madrasta diminuíram as expectativas de eficácia de coping destes jovens conduzindo a uma desregulação emocional perante a violência interparental (Grych & Fincham, 1990).

Importante aqui salientar o caso específico de um dos jovens que, através das suas narrativas, apresenta uma elevada expectativa de eficácia, considerando-se capaz de parar o evento violento através do uso da força física.Este jovem mostra um instinto protector que o tornou, durante a sua infância, numa criança parentalizada. Devendo assumir aquele que seria um dos papéis dos progenitores, proteger a família de potenciais agressões, assim como zelar pelo bem-estar dos membros da família.

Alguns jovens, em menor número, utilizavam tendencialmente estratégias de coping focadas na emoção, procurando controlar a sua própria resposta emocional traduzida no desejo de estar longe no momento da violência. Este desejo era motivado pelo intenso medo da escalada do conflito e pelo medo de elas próprias serem envolvidas no conflito violento. Num dos casos, o jovem refere não ser capaz de enfrentar o agressor quando a mãe estava a ser vitimizada, talvez porque para além do medo de passar a ser alvo de violência, este jovem também demonstrava preocupação com a integridade física da figura paterna “tinha medo que o meu pai se magoasse”.

Deste ponto, parece-nos claro que as estratégias de coping preferencialmente utilizadas pelos adolescentes entrevistados envolviam escolhas activas, respondendo sempre com oposição à violência (Overlien & Hydén, 2009). Em contrapartida, quando era a criança alvo directo e intencional de violência, as respostas envolviam escolhas passivas numa visão de aceitação da violência pelo respeito da pessoa que detém o controlo sobre todos os membros da família e a quem devem obedecer e respeitar – a figura paterna. Esta ideia, tradicional e socialmente construída, de que o pai é o chefe da família que detém todos os direitos para utilizar as medidas mais convenientes a fim de manter o controlo sobre os restantes elementos da família está claramente patente na

literatura encontrada (Hernandez & Grãs, 2005). Pelo que nos parece clara a aceitação por parte destes jovens da violência sofrida como uma necessidade de educar e punir os seus maus comportamentos, ao contrário da violência sobre a mãe/madrasta, percepcionada como incompreensível e desajustada.

A exposição à violência interparental de forma continuada conduz a uma série de repercussões negativas quer ao nível do bem-estar físico e psicológico, quer ao nível do posterior desenvolvimento emocional e social da criança/jovem (Hernandez & Grãs, 2005). Por outro lado, Davies e Cummings (1994, cit. por Rocha & Sani, 2007) afirmam que a exposição à violência tem efeitos mais negativos na criança quando envolve as figuras parentais, por comparação com conflitos entre outros adultos. Ainda neste ponto, importa referir que tal como sugere a literatura (Appel & Holden, 1998) a exposição à violência interparental não aconteceu na sua forma pura, apresentando uma elevada comorbilidade com o abuso físico. Sendo defendido por Kernic e colaboradores (Kernic et al., 2003) que a co-ocorrência de maus-tratos agrava os efeitos da exposição da criança à violência interparental.

Assim sendo, através dos relatos pormenorizados destes jovens, foram notórios os efeitos negativos que a exposição à violência interparental e, em alguns casos os maus-tratos físicos em simultâneo, acarretou no seu ajustamento. Muito embora não se trate de um estudo longitudinal, o facto dos entrevistados serem jovens adultos que durante a sua infância estiveram de forma continuada expostos à violência interparental, residindo actualmente em instituições, permitiu-nos analisar os seus efeitos a curto e a longo prazo.

A curto prazo, um dos efeitos mais salientados ao longo das entrevistas prende- se com um fraco desempenho escolar. Corroboramos assim a ideia de Margolin e Gordis (2000) que consideram ser uma das repercussões mais sentidas por estas crianças/jovens, conduzindo-as a um maior atraso escolar (Kernic et al., 2002) e a uma elevada taxa de retenção. Esta análise dos resultados transparece uma ausência de motivação pela aprendizagem por parte destes jovens durante o período em que residiam no ambiente familiar violento, bem como dificuldades de concentração e atenção nas aulas como resultado dos seus pensamentos intrusivos.

Um outro efeito negativo da exposição à violência interparental diz respeito aos problemas de conduta. Na maioria dos casos, tal como vimos na revisão de literatura (Kernic et al., 2003; Moretti et al., 2006), estes jovens referiam inúmeros problemas de

conduta em resultado da exposição continuada a condutas violentas durante a infância. Esta ideia parece clara se atendermos ao facto de que é no interior de cada família que se aprendem valores, transmitem saberes e que se criam os primeiros e principais laços de afecto e de amizade. Partilham-se ideias e criam-se modelos que permanecem no indivíduo ao longo da sua existência. Deste modo, as figuras parentais e as relações de afecto e estímulo a elas associadas são determinantes no comportamento e desenvolvimento da criança/jovem. Assim sendo, e de acordo com a teoria de aprendizagem social, estes jovens assimilaram que a agressão é um meio legítimo para lidar com os conflitos interpessoais, aprendendo a serem agressivos com os seus colegas em virtude da violência que observavam em casa.

Num dos casos a exposição à violência interparental potenciou a aquisição de comportamentos delinquentes e consequentemente a expulsão do estabelecimento de ensino. Sendo já verificado na literatura a maior probabilidade destas crianças em serem suspensas da escola por comportamento disruptivo ou delinquente (Kernic et al., 2002, p.550). No entanto, pela análise dos resultados, não conseguimos estabelecer uma relação de causa-efeito, não sendo passível de verificar se estes efeitos se devem à exposição à violência interparental ou à co-ocorrência de violência física, ao baixo nível socioeconómico, ao abuso de álcool paterno e/ou ao mal-estar emocional materno (Spacarrelli, Sandler, & Roosa, 1994, p. 80).

As dificuldades de relacionamento interpessoal foram também referidas por duas jovens. Sendo corroborado por Araújo e Formosinho (2004) que consideram que a violência surge associada a um desenvolvimento social e interpessoal deficitário, pelo que as crianças revelam maior dificuldade em perceber situações sociais complexas e em demonstrar empatia e sensibilidade.

Parece-nos claro que estes jovens, durante a sua infância, tendiam a adoptar padrões de conduta semelhantes aos dos pais, caracterizados pela agressividade, isolamento social, falta de competências sociais e falta de empatia para com os pares (Cantón & Cortés, 1999, cit. por Araújo e Formosinho, 2004).

De acordo com Araújo e Formosinho (2004) estes efeitos não se circunscrevem ao momento em que ocorrem, mas alargam a sua potencial influência a fases posteriores da trajectória da vida. Pelo que os efeitos a longo prazo também se fizeram sentir em dois dos seis jovens entrevistados. Num dos jovens os problemas de conduta ainda persistem, sendo relatados alguns comportamentos disruptivos, manifestados pela

delinquência juvenil. Corroborando assim a ideia de Margolin & Gordis (2000) que referem que as experiências de exposição a condutas violentas na infância podem conduzir ao desenvolvimento de comportamentos agressivos no jovem/adulto. Sendo os furtos e roubos práticas bastante usuais nesta população (Strecht, 2006).

Não obstante, também as consequências psicológicas/emocionais da experiência de violência podem ter efeitos mais profundos e duradouros no desenvolvimento. De acordo com aquilo que teoria da vinculação sugere, as expectativas de cada criança relativamente à disponibilidade e responsabilidade dos adultos são representações desenvolvidas durante a infância através da interacção com as figuras de vinculação, influenciando a construção de novas relações, os processos de exploração e a resposta às exigências do meio. Assim, muitas vezes os modelos internos de relacionamento interpessoal elaborados por estes jovens reflectem a insegurança vivida na relação com os pais. Partindo deste pressuposto, parece clara a ideia de que as reacções emocionais de insegurança e de falta de confiança manifestadas por uma das jovens como resposta à violência testemunhada durante a sua infância encerram em si dificuldades de relacionamento interpessoal. Manifestando uma visão hostil e negativa das interacções sociais traduzida na dificuldade em confiar e relacionar-se com as outras pessoas “sou muito fechada para o mundo”.

No que respeita às diferenças de género, tal como nos surge na literatura (Davies et al., 1999; Davies & Lindsay, 2004; Kerig, 1998a) os rapazes adoptaram mais facilmente condutas violentas quando comparados com as raparigas. E, estas por sua vez evidenciaram mais problemas de internalização (Kerig, 1998a) pautados por um maior isolamento e dificuldades ao nível do relacionamento interpessoal.

Partilhamos também a ideia de diversos autores no que respeita aos efeitos da violência interparental na parentalidade. Assim sendo, a violência interparental não só tem um impacto directo sobre a criança como também influencia negativamente as práticas parentais (Cunha & Sani, 2010). No nosso estudo, devemos salientar as práticas parentais permissivas com défices ao nível do estabelecimento de regras e imposição de limites. Estas práticas poderão ser utilizadas como forma de compensar a parentalidade autoritária da figura paterna (Baker & Cunningham, 2005). Por outro lado, a mulher pode considerar-se desajustada ou vir a acreditar que poderá perder o respeito pelos seus filhos. A sua capacidade para ser uma mãe activa e segura pode ser oprimida por contingências do abuso (Cunha & Sani, 2010). Este facto conduz à percepção da mãe,

por parte dos filhos, como alguém que não detém autoridade sobre estes. No caso específico de um dos jovens, a mãe colocava limites, aos quais o jovem não obedecia. Este facto poderá levar-nos a especular a possibilidade do jovem ver a mãe como alguém fraco por ser uma vítima e estar também ela sujeita à autoridade do pai, por isso ela própria teria de obedecer ao marido e não de mandar.

No que respeita ao suporte das pessoas significativas tendo presente os dados revelados pelas entrevistas, o isolamento destes adolescentes, já anteriormente referido, resulta da dificuldade de partilha das experiências vivenciadas durante a infância. Este jovens não queriam quebrar o segredo da família pela vergonha de serem vistos como alguém com problemas, ficando vulneráveis ao julgamento dos outros que podiam marginalizá-los. Idealizaram um modelo de família e a deles passou completamente ao lado do que foi idealizado “porque é que eu não tenho uma família como as outras”. Em alguns casos, esta dificuldade foi sendo quebrada pela partilha de experiências semelhantes no interior da instituição, mas numa das adolescentes entrevistadas esta dificuldade persistiu tendo um forte impacto na sua interacção social.

Ao nível da percepção das necessidades de ajuda, devemos salientar a necessidade que estas crianças tinham em restabelecer o sentimento de segurança, muitas vezes apenas conseguido através de apoio externo, nomeadamente a comunidade envolvente (os vizinhos). A intervenção policial era, muitas vezes, percepcionada como insuficiente para fazer parar os incidentes familiares violentos.

No que respeita à retirada destes jovens do seio familiar, parece-nos claro que o mote que motivou a institucionalização destes jovens prendeu-se com a extensão da violência aos menores e, em alguns casos também pela negligência e incapacidade de responder às suas necessidades. Apresentando-se assim a institucionalização como alternativa face a falhas nos contextos sociais, principalmente no microssistema familiar que caracterizam a criança (Oliveira-Formosinho, Sousa, & Araújo, 2004).

Inicialmente a institucionalização apresentou-se, em quase todos os casos, uma dificuldade acrescida. Estes jovens encontravam-se no epicentro de um processo extremamente complexo que assenta na própria institucionalização. Sendo corroborado por Bronfenbrenner e Crouter (1983, cit. por Oliveira-Formosinho, Sousa e Araújo, 2004) que consideram que a institucionalização poderá em si encerrar dificuldades de adaptação a novos contextos e papéis, em que a criança é confrontada com a necessidade de se ajustar à instituição de acolhimento, a uma nova escola e a novos

cuidadores e pares. No entanto, ainda segundo estes autores o sucesso no ajustamento a estas novas estruturas aponta a institucionalização como factor protector e promotor de

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