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Parte II INVESTIGAÇÃO EMPÍRICA

APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS

A partir das unidades de significado das seis entrevistas realizadas foi possível obter oito propriedades, Tipos de Mau-trato; Circunstâncias Envolventes ao Acto Violento; Atribuições de Culpa; Percepção e Reacção ao Conflito; Efeitos da Exposição à Violência; Suporte das Pessoas Significativas; Vivência Actual em Instituição; Sentimentos Actuais em Relação a Ambos os Progenitores. A partir destas últimas agrupamos duas categorias Viver Com Violência e Viver Sem Violência (Anexo IV).

Categoria: Viver Com Violência

Nesta fase inicial foi pedido a cada jovem para se recordar do tempo em que vivia no seio do seu lar. Esta questão aberta permitiu aos jovens entrevistados exporem livremente as suas vivências, dando origem ao relato de histórias chocantes sobre os incidentes familiares violentos aos quais estiveram repetidamente expostos durante a sua infância. Na próxima tabela (Tabela nº1) são apresentadas as frequências das unidades de significado, por sujeito, presentes nas propriedades Tipos de Mau-trato; Circunstâncias Envolventes ao Acto Violento; Atribuições de Culpa; Percepção e Reacção ao Conflito; Efeitos da Exposição à Violência e Suporte das Pessoas Significativas, agrupadas na categoria - Viver Com Violência.

18 Confrontar com Anexo V, Anexo VI, Anexo VII e Anexo VIII.

19 A1- Adolescente número 1 e assim sucessivamente – descrição dos participantes presente no anexo I.

Tabela 2- Frequência das unidades de significado das propriedades por Categoria.

Propriedades Frequências das Unidades de Significado 18

A119 A2 A3 A4 A5 A6

Tipos de mau-trato

Mau trato Físicos 3 1 2 3 3 3

Mau trato Psicológico 1 1 0 2 3 1

Circunstâncias Envolventes do Acto Violento 6 6 4 5 7 6

Atribuições de Culpa 1 1 2 1 2 1

Percepção e Reacção ao Conflito 7 5 7 7 6 5

Efeitos da Exposição à Violência 3 2 3 4 3 3

Tipos de mau-trato

No que respeita à tipologia de mau-trato exercida pelo agressor, em todos os casos a agressão física prevalece, traduzida preferencialmente pelo termo “bater” (A1- “ (…) batia-lhe, apertava-lhe o pescoço contra a parede”; A3- “Vi-o bater-lhe também algumas vezes”; A4- “Batia-lhe (…) atirava-lhe com o comando da televisão. Já chegou a mandá-la pelas escadas abaixo”. A5- “Batia-lhe muito e atirava-lhe com coisas (…) qualquer coisa que aparecesse ele atirava-lhe”). A agressão psicológica assenta essencialmente nas verbalizações insultuosas e no controlo das actividades da parceira (A4- “Chamava-lhe puta, vaca”; A5- Chamava-lhe nomes muito feios (…) puta, vadia. Estava sempre a controlar tudo o que ela fazia (…) controlava-a até com as compras, ele tinha que saber quanto é que ela gastava em quê tinha que saber tudo, tudo, tudo”). As ameaças de morte e tentativas de homicídio por parte do pai contra a mãe foram também formas de violência testemunhadas por estes jovens (A2- “(…) lembro-me que houve um dia que ele pegou numa pistola e disse que a matava”; A6- “ Batia-lhe com a cabeça contra as paredes e depois abriu a cabeça atrás e teve de levar pontos (…) batia-lhe com cintos, com ferros e partiu-lhe as duas pernas. Espetava-lhe facas nos braços e na barriga (…) espetava mesmo porque saía muito sangue”), bem como a expulsão da figura materna de sua própria casa (A4- “Uma altura meteu-a fora de casa e não a deixou dormir em casa. Nessa noite a minha mãe dormiu no chão ao pé da janela do meu quarto”; A5- “O meu pai chegava a casa de madrugada, batia-nos e punha-nos fora de casa”).

Respeitante às formas de exposição à violência, estes jovens foram, na sua grande maioria, expostos directamente aos incidentes violentos durante a sua infância (A4- “vi muitas vezes os meus pais a discutirem entre eles (…) e o meu pai era muito violento com a minha mãe”; A5- (A6) “eu estava quase sempre lá”). Por vezes, quando não estavam no mesmo espaço onde o evento violento estava a ocorrer, ouviam-no de uma outra divisão da casa (A2- “ (…) quando estava na cama fingia que estava a dormir mas eu ouvia tudo” ou observavam as consequências da violência (A3- “Vi marcas no olho da minha madrasta no dia que ela chamou a polícia.”). Quando os incidentes violentos ocorriam na sua ausência, um dos jovens refere ter sentido uma preocupação acrescida pela impossibilidade de proteger a figura materna, bem como os irmãos mais jovens (A1- “Eu preocupava-me muito com a minha irmã e com a minha

mãe (…) quando chegava a casa e ela [a irmã] estava a chorar percebia logo o que tinha acontecido”).

A violência tinha sempre um carácter unidireccional em que o pai era o agressor e a mãe/madrasta a vítima. Em alguns casos a violência era preferencialmente dirigida à figura materna, não havendo real intenção do agressor em fazer das crianças vítimas directas de maus-tratos (A2- “o meu pai a mim nunca me bateu”; A4- “a mim nunca me fez nada era só a minha mãe”). No entanto, por vezes estes jovens foram também envolvidos directamente no episódio violento quando tentavam parar ou proteger as suas mães. Este envolvimento em alguns casos resultava em agressões acidentais (A5- “uma vez ele ia mandar-lhe com um copo e fui eu que levei com ele”) ou intencionais contra os jovens (A1- “lembro-me de ele lhe estar a apertar o pescoço contra a parede e eu agarrei-o e tirei-o de lá, então ele foi buscar uma faca e disse que me matava”). Dos seis entrevistados, quatro reportaram ter sido alvo directo e intencional de violência por parte do pai (A3- “Uma vez cheguei à escola com o olho negro (…) espetou-me um selo no olho. Já me chegou a mandar-me para o hospital duas vezes”; A5- “ (…) a mim já me bateu com um cinto (…) era com tudo que aparecesse (…) ele batia-nos e depois punha-nos a dormir na rua”; A6- “a mim partiu-me 3 ou 4 vassouras nas minhas costas”). Num dos jovens a atitude do pai foi desculpabilizada pela concepção de que estas agressões seriam justificadas pela necessidade de punir o seu mau comportamento (A1- a mim também me batia (…) as vezes ele tinha razão outras vezes não.”). Contudo, em quase todos os entrevistados se denota uma certa tendência para relativizar os maus-tratos sofridos em detrimento da violência exercida sobre a figura materna, à excepção de um jovem que relata de forma secundária a violência entre o pai e a madrasta face à sua própria vitimização (A3- “ele batia-me muito, chegava bêbado e era só porrada (…) estava sempre a tratar-me mal [quando questionado sobre a violência marital] a ela [madrasta] também lhe batia”) (Confrontar com Anexo V- frequência das unidades de significado).

Circunstâncias Envolventes do Acto Violento

O consumo excessivo de álcool é apontado por alguns dos jovens entrevistados como o principal motivo para a ocorrência de violência entre o casal (A1- (A2, A3) “ele [o pai] só era assim quando estava bêbado”). No entanto, duas jovens entendem que o consumo de álcool funcionava como um agravante dos conflitos (A5- “Mesmo depois

sem o álcool não mudava (…) era violento sem álcool também, às vezes não tanto mas era”; A6- “ (…) quando ele estava bêbado era pior”). As dificuldades económicas associadas a uma má gestão financeira foram também apresentadas por dois dos seis jovens como motivo de discórdia entre o casal (A1- “ (…) eles discutiam muito por causa dinheiro (…) ele gastava tudo em vinho e depois não havia dinheiro para casa. Lembro-me que uma vez a minha mãe tirou-lhe dinheiro da carteira para ir buscar o pão de manhã e quando ele deu conta (…) bateu-lhe muito”; A2- “ (…) o meu pai não trabalhava e depois eram só berros (…) não havia dinheiro”). Por outro lado, a desconfiança por parte do pai face às actividades da mãe foi relatada por duas jovens como sendo um factor desorganizador da vida do casal, constituindo um maior risco para a ocorrência de violência (A5- “ (…) ele tinha muitos ciúmes da minha mãe, então discutiam muito por causa dos ciúmes; A6- “As discussões começavam sempre pelos ciúmes (…) o meu pai desconfiava da minha mãe, dizia-lhe que ela tinha outro”).

Importa referir que quando foi colocada a questão “Quais eram as situações de maior risco?” a resposta de todos os entrevistados foi unânime ao atribuir o maior risco nas situações em que a figura paterna estava alcoolizada.

A ocorrência de violência surge sempre fora do controlo social, isto é, surge associada ao domínio privado, apresentando-se o espaço doméstico um contexto de risco para a concretização dos actos violentos (A4- (A1, A3, A5) “ (…) isso acontecia sempre em casa”). Apenas uma jovem refere que os episódios violentos também ocorriam na rua mas apenas durante a noite (A6- “À noite quando vínhamos das festas [a criança e a mãe] no caminho para casa ele estava lá escondido por trás daqueles arbustos para lhe bater (…) e, quando nos passávamos, ele saía de lá e batia-lhe, porque dizia que ela o enganava e tinha outro”. A noite foi apresentada como a altura mais crítica para a ocorrência de episódios violentos (A5- “ele chegava do café as 3horas da manhã bêbado e depois batia-nos e punha-nos na rua (…) nunca estávamos a dormir descansados sempre com medo de quando ele chegasse a casa”; A1- (A4) “ (…) à noite quando vinha bêbado do café era quando as coisas aconteciam”).

A discórdia entre os casais resultava em episódios de violência psicológica e física extrema, tendo desfechos trágicos como a necessidade de intervenção policial (A2- “quando o meu pai apontou a pistola à minha mãe, a minha avó chamou a polícia; A5- “os vizinhos chamavam a polícia”) e/ou a figura materna estar ferida e ser hospitalizada (A4- “ (…) já chegou a mandá-la pelas escadas abaixo e dessa vez ela

teve de ir para o hospital”; A5- “ (…) uma altura mandou-a para o hospital, porque de tanto que lhe bateu ela teve uma fractura na perna e na cabeça e desmaiou”; A6- “ (…) quando cabeça abriu atrás ela teve de ir ao hospital levar pontos (…) a minha mãe foi muitas vezes hospitalizada”).

A dinâmica interacional após o episódio violento oscilava entre uma total ausência de conflito (A1- (A2, A3) “ (…) ao outro dia já não lhe batia (…) já não estava bêbado (…) ele só era assim com o vinho”) e uma continuidade das discórdias (A4-“Depois no dia seguinte nem se lembrava de nada do que tinha feito outras vezes continuava a mesma coisa (…) berrava, discutia”; A5-“Depois mesmo sem o álcool não muda (…) continuou igual”; A6-“ (…) era igual ele era sempre assim”) (Confrontar com Anexo VI- frequência das unidades de significado).

Atribuições de culpa

No que respeita à atribuição de culpa, foi possível constatar uma total ausência de sentimentos de culpa e de auto-responsabilização pela parte destes jovens. O facto do conteúdo dos conflitos parentais não ser sobre os jovens conduziu-os a uma destituição de culpa, no sentido em que não acreditam ter gerado a discórdia entre os pais. Pelo que, quando questionadas sobre “Quem era o responsável?” em cinco dos seis jovens entrevistados denotou-se uma total responsabilização da figura paterna pelos incidentes violentos (A2- (A4, A5) “ (…) o meu pai (…) a minha mãe não tinha culpa nenhuma”; A3- “O meu pai (…) ele batia sem razão nenhuma, estava sob o efeito do álcool”; A6- “O meu pai. A minha mãe nem com os colegas de trabalho falava só para ele não ter ciúmes (…) até fugia das pessoas, evitava sempre e mesmo assim não adiantava”). Num dos jovens a responsabilização pela ocorrência dos actos violentos foi atribuída a elementos externos à família (A1- “A culpa era dos amigos dele (…) quando ele não andava com eles não bebia tanto (…) os amigos é que o levavam para o café e ele gastava lá o dinheiro todo em vinho”. Quando a mãe também apresentava problemas ligados ao álcool estes eram relativizados e apresentados como consequência da violência a que estava sujeita (A5- “ (…) a minha mãe também bebia mas era para esquecer o que se passava”).

Quando os próprios adolescentes foram alvo de violência directa e intencional da figura paterna, em um dos seis casos denota-se uma actual culpabilização do jovem pelo

facto da figura paterna ter sido recentemente condenada a dezoito meses de pena suspensa em resultado das agressões exercidas sobre o menor (A3- “Eu sinto-me culpado pelo que lhe está a acontecer agora, de certa forma foi condenado por minha causa”) (Confrontar com Anexo VI- frequência das unidades de significado).

Percepção e Reacção ao Conflito

A ocorrência de episódios violentos conduziu estes jovens a percepcionarem o conflito interparental como preocupante e ameaçador (A3- “Só queria sair dali (…) ficava assustado, preocupado com o que podia acontecer”). Denota-se uma certa incompreensão por parte de alguns jovens face à atitude violenta do pai (A3- “ (…) pensava muitas vezes porque é que aquilo me estava a acontecer a mim”) e um enorme desejo de encontrar na família um contexto de afecto, partilha, protecção e segurança, capaz de ir ao encontro das suas necessidades (A4- “Só queria que o meu pai parasse de bater na minha mãe e que eles se entendessem”; A5- “Pensava muitas vezes porque é que eu não tenho uma família igual aos outros”).

Esta percepção negativa do conflito resultava na experiência de sentimentos de raiva, ódio e/ou medo unânime e exclusivamente dirigidos à figura paterna (A1- “ (…) sentia muita raiva, andava muito revoltado”; A5- “Sentia muita raiva, ódio do meu pai (…) ainda hoje sinto”; A4- (C6) “Sentia raiva, medo, era tudo”). Os sentimentos de ódio surgem associados à imprevisibilidade das condutas violentas que ocorriam sem razão aparente (A1- “ele chegava lá e começava logo a bater, muitas vezes nem havia discussão antes, vinha bêbado e pronto (…) ele não tinha razão nenhuma para lhe fazer aquilo”; A4- “era por tudo e por nada ele chegava bêbado e começava logo a bater”).

O sentimento de raiva surge como consequência da revolta sentida pela impossibilidade de por termo à violência. Os jovens entrevistados sentiam vontade de parar o evento violento, porém não se sentiam capazes nem sabiam como o fazer (A2- “Pensava muitas vezes em ajudar a minha mãe mas não sabia como”; A3- “Pensava que só queria que aquilo acabasse (…) queria sair de casa para aquilo acabar (…); A4- (C5) “ (…) eu não me sentia capaz de fazer nada (…) não consegui impedir que aquilo acontecesse”).

O medo resulta da incompreensão da conduta violenta da figura paterna associado ao receio de perder a figura de vinculação de afecto e segurança, a mãe (A2- “tinha medo que algo de pior acontecesse com a minha mãe (…) quando ele pegou na pistola tive mesmo muito medo que a matasse”; A5- Tive muito medo de não voltar a ver a minha mãe”; A6- “Tinha muito medo que ele um dia a matasse”), bem como o medo da própria criança e/ou os seus irmãos passassem a ser alvo de violência do pai (A1- “Preocupava-me muito com a minha irmã (…) preocupava-me mais quando eu não estava lá na hora e não podia fazer nada”; A4- “Tinha medo que ele me batesse também”). Em um dos jovens denota-se ainda um sentimento de medo mas desta vez associado à preocupação com a integridade física da figura paterna (A2- “ (…) tinha medo que o meu pai se magoasse (…) ele andava sempre muito bêbado”).

No que concerne à forma como estes jovens reagiam aos episódios violentos esta oscilava entre atitudes de passividade e interferências desesperadas no sentido de por termo ao conflito. Porém, através dos seus relatos foi possível verificar que, na sua grande maioria, estes jovens utilizavam estratégias focadas no problema, traduzidas no envolvimento directo no conflito, puxando a agressor e/ou colocando-se na sua frente para impedir que os actos violentos continuassem (A5- “Eu punha-me à frente para ele não bater à minha mãe”; A6- “Punha-me a frente dele, puxava-o para ele não lhe bater mais”); puxando a figura materna para afastá-la do agressor (A4- ”Eu puxava a minha mãe para afastá-la dele (…). Às vezes tinha vontade de o agredir mas é meu pai tenho respeito por ele”). Este envolvimento tinha como principal propósito proteger a figura materna, tentar por termo ao incidente violento, procurando parar os actos violentos exercidos pela figura paterna e, procurar ajuda e/ou intervenção policial (A1-“ (…) eu não deixava que ele batesse na minha mãe (…) quando era mais pequeno até com umas botas de biqueira de aço lhe atirei e depois fugi (…). Eu atirava-me a ele (…) uma vez ele estava-lhe a bater e eu agarrei-o e tirei-o de lá (…); A3- “ (…) uma vez ele estava a bater-lhe no sofá e eu fui lá e tirei-o (…) estava muito bêbado então consegui tirá-lo”; A2- “No dia que ele pegou na pistola e apontou-a à minha mãe, eu fui sozinho pedir ajuda à minha avó, corri 2km sem parar (…) tinha seis anos nessa altura (…) depois a minha avó chamou a polícia e foi para lá (…) eu fiquei na casa da minha avó não sei o que aconteceu depois”).

Contudo, em alguns casos, especialmente nas adolescentes entrevistadas, estas revelaram sentir-se impotentes por não serem capazes de lidar com o evento violento, os

esforços em proteger a mãe, bem como em parar a violência exercida pelo pai resultavam em sentimentos de fracasso. O medo e a preocupação com a escalada do conflito eram ainda maiores pela confrontação com a dura realidade traduzida na impossibilidade destas jovens, na época ainda crianças, conseguirem parar os incidentes violentos (A4- “ (…) sentia-me muito mal por não poder fazer nada”; A5- “ (…) eu não me achava capaz, tentava sempre pará-lo mas não conseguia”; A6- “(…) mas não conseguia pará-lo). Apenas um jovem evidenciou uma elevada expectativa de eficácia, considerando-se capaz de parar o evento violento através do uso da força física (A1- “eu quando estava lá não deixava ele bater-lhe (…) a minha mãe ainda o desafiava (…) a dizer “deixa-o vir deixa-o vir” mas eu só lhe dizia para estar calada e tirava-o de lá”).

Por outro lado, alguns jovens, em menor número, utilizavam tendencialmente estratégias de coping focadas na emoção, procurando controlar a sua própria resposta emocional traduzida no desejo de estar longe no momento da violência (A2- “Eu ficava calado (…) se estivesse na cama fazia de conta que já estava a dormir (…) quando estava lá a ver pedi-a para ele parar”; A3- “Eu fugia de casa (…) só queria não estar ali”).

Deste ponto, uma realidade observada foi a de que na exposição à violência interparental as estratégias de coping maioritariamente utilizadas por estes jovens envolviam escolhas activas, respondendo sempre com oposição à violência. Em contrapartida, na violência exercida directamente sobre o entrevistado, as respostas envolviam escolhas passivas numa visão de aceitação da violência pelo respeito da pessoa que detém o controlo sobre todos os membros da família e a quem devem obedecer e respeitar – a figura paterna (A1- “(…) eu escondia-me e esperava que ele fosse para a cama (…) outras vezes fugia de casa (…) ”; A3- “ (…) quando ele me batia a mim não fazia nada (…) ele não tinha muita força porque estava muito bêbado mas é meu pai, tenho respeito por ele não lhe ia bater”) (Confrontar com Anexo VII- frequência das unidades de significado).

Efeitos da Exposição à Violência

Parece-nos claro que testemunhar violência familiar, de forma continuada, gera vulnerabilidade emocional e cognitiva nas crianças. No que respeita aos efeitos directos da exposição à violência interparental estes foram sentidos a vários níveis. Os jovens

fazem referência a diversas áreas das suas vidas que foram significativamente afectadas pela sua exposição à violência. No entanto, parece-nos que os efeitos mais nefastos foram sentidos ao nível cognitivo. Em cinco dos seis jovens entrevistados, foi relatado um baixo rendimento/aproveitamento escolar associado a uma total ausência de interesse pelas actividades escolares (A1- (A2) tirava más notas não queria saber da escola”; A4- “ (…) não me interessava pelo estudos; A5- “O meu rendimento na escola era péssimo, não tinha cabeça para nada”; A6- “não conseguia estudar nem tinha o material para a escola”). Importa referir que apenas um dos jovens não sentiu qualquer alteração a este nível (A3- “ (…) sempre tive boas notas”).

Um ponto muito importante prende-se com os problemas de comportamento. Estes jovens referem inúmeros problemas de conduta em resultado da exposição a condutas violentas, sendo salientado, essencialmente, o envolvimento em agressões físicas na escola (A3- (A5) “Na escola era mal comportado, era muito agressivo com os meus colegas (…) qualquer coisa andava logo à pancada”; A2-“ (…) eu não ia às aulas, a minha mãe achava que eu estava nas aulas mas eu não ia”); A4- “Quando estava em casa faltava muito às aulas, não tinha educação nenhuma, refilava para as pessoas”). Em um dos casos, parece-nos que a experiência do testemunho de violência familiar potenciou, mais do que a aquisição de comportamentos violentos, a aquisição de comportamentos delinquentes (A1- “ (…) cheguei mesmo a ser expulso da escola (…) eu tinha um problema comigo (…) eu roubava (…) da última vez roubei um telemóvel a uma colega da minha turma e uma gajo que estava atrás viu e foi dizer ao professor (…) depois de outra vez também andei lá à porrada (…) e da última vez atirei um pacote do compal mas sem querer ele bateu num carro e estragou-se (…) então aí fui expulso)”.

Por outro lado, alguns jovens evidenciavam insegurança emocional, algo que dificulta a capacidade de confiar nas pessoas, determinando dificuldades de relacionamento com os outros (A4- “ (…) tinha muito medo de fazer amizades, não sabia como chegar às pessoas”. Numa das jovens estas dificuldades não se verificaram apenas a curto prazo, sendo identificadas como dificuldades que persistem actualmente A6- “ (…) não sou nem nunca fui muito de falar com as pessoas (…) sou muito fechada para o mundo”.

Através das suas narrativas pessoais foi possível verificar que os jovens reconhecem que, de facto, o seu equilíbrio emocional foi afectado, manifestando-se

mediante sentimentos de raiva, medo e preocupação com a imprevisibilidade da violência (A1- “sentia muita raiva (...) andava muito revoltado (…) depois ia para a cama e ficava sempre a pensar no que tinha acontecido”; A3- “Só queria sair dali (…) ficava assustado e muito preocupado com o que podia acontecer”; A5- “não dormia (…) ia para a cama sempre a pensar quando é que o meu pai ia chegar e nos ia bater e tirar de lá (…) ”.

Ainda neste ponto, importa referir os actos de omissão parental patentes no discurso de alguns destes jovens. Os entrevistados referem práticas parentais permissivas com défices ao nível do estabelecimento de regras e imposição de limites (A4- “Andava na rua sozinha à noite fosse a que horas fosse”), bem como a percepção da mãe como alguém que não detém autoridade sobre os menores (A2- “ (…) a minha mãe mandava-me estar em casa as 11horas e eu chegava as 2horas da manhã. Não a respeitava”). Em contrapartida uma das adolescentes relata estratégias autoritárias e desajustadas de controlo parental, que obrigavam-na a faltar às aulas para trabalhar (A6- “Eu faltava muitas vezes às aulas para trabalhar com eles na vinha”) (Confrontar com Anexo VII- frequência das unidades de significado).

Suporte das Pessoas Significativas

Ao nível do suporte emocional, estes jovens, na sua grande maioria, revelam ter sentido uma grande dificuldade em partilhar as vivências que experienciaram durante a sua infância. Esta dificuldade resultava da vergonha de ser visto pelos outros como

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