5. ANÁLISE ECONÔMICA DOS DIREITOS SOCIAIS
5.6 ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO À MORADIA
Uma moradia é um bem privado, sendo, portanto, excludente e rival.
O direito à moradia foi incorporado posteriormente à promulgação da CF
através da Emenda Constitucional nº 26. É o quinto direito a constar no caput
do art. 6º.
A Constituição brasileira elenca a 'moradia' como direito social (art.
6º), mas também indica que esta está incluída entre as 'necessidades
vitais básicas' do trabalhador e de sua família (art. 7º, IV). Aponta,
ainda, a moradia como política pública e estabelece a competência
comum da União, dos Estados e dos Municípios para promover
programas de construção de moradias e a melhoria das condições
habitacionais e de saneamento básico (art. 23, IX).
(...)
Como direito fundamental, o direito á moradia possui tanto natureza
negativa quanto positiva. Em relação à natureza negativa, ou seja,
direito de defesa, o direito à moradia impede o indivíduo de ser
arbitrariamente privado de possuir uma moradia digna. Merece
destaque, nesse aspecto, a proibição da penhora do chamado bem
de família (Lei n. 8.009/99).
A natureza positiva do direito à moradia apresenta-se, por sua vez,
em prestações fáticas e normativas que se traduzem em medidas de
proteção de caráter organizatório e procedimental.133
Aprofundando a questão sobre a natureza positiva do direito à moradia,
há que se pontuar sobre a sua eventual caracterização como direito subjetivo:
Em que medida o direito à moradia se traduz em direito subjetivo à
construção, pelo Poder Público, de uma moradia digna (ainda que
não na condição de propriedade), ou, em caráter alternativo, em
direito (exigível) de fornecimento de recursos para tanto ou para, por
exemplo, obras que assegurem à moradia sua condição de
habitabilidade, sem prejuízo de todo um leque de aspectos a serem
explorados na seara do direito à moradia na perspectiva de sua
função de Direito à prestações, é seguramente algo longe de estar
bem sedimentado na doutrina e na jurisprudência.134
A moradia é, assim, um direito, expressamente elencado na constituição,
com status de direito fundamental, que sequer pode ser objeto de emenda
tendente à sua abolição. O que não significa, absolutamente, que o próprio
Estado que o elencou - bem como qualquer particular - esteja obrigado a
incumbir-se. Há cisão na doutrina e jurisprudência. É um direito. Pode ser
direito subjetivo, pode ser norma programática, mas pode ser que a atividade
do Estado seja a de facultar a sua realização pelo próprio interessado. Já foi
feita considerações sobre o termo "direito" na ciência jurídica quando do exame
dos direitos sociais globalmente considerados, pelo que remetemos àquelas
observações.
De qualquer forma, enquanto a divergência doutrinária e jurisprudencial
não se assenta, há atuação direta do Poder Público ensejando esse direito
que, para 2% da população, trata-se de assunto prioritário135.
Tal ação se mostra exequível diante do deficit habitacional brasileiro.
Embora um tanto variável no decorrer do tempo, em 2012 foi estimado em 5,24
milhões a quantidade de novas habitações necessárias para que todas as
famílias vivessem em locais considerados adequados
136
. Porém, notavelmente,
134 SARLET; MARINONI; MITIDIERO. 2012, 591 p.
135 Conforme pesquisa Datafolha disponível em:
<http://portal.cfm.org.br/images/PDF/pesquisadatafolhacfm2015.pdf> 10 p. Acesso em 17
outubro 2015
o Censo de 2010 verificou que o número de habitações vazias supera em cerca
de 200 mil a quantidade do déficit habitacional brasileiro - não contando as
moradias de ocupação ocasional nem aquelas cujos moradores estavam
temporariamente ausentes.
137
A mais significativa atuação do poder público se dá através do
fornecimento de moradias, com diferentes faixas de descontos e condições
facilitadas de financiamento. No entanto, ainda que o beneficiário muitas vezes
não faça jus a um grande desconto (ou mesmo a desconto nenhum) e, assim,
arque com a maior parte do pagamento, essa relação não deve ser tomada
como uma simples relação de mercado com a empreiteira.
Ocorre que a intermediação do Poder Público converte o arranjo para
um sistema econômico de planejamento central. Embora muitas vezes a
adoção desse modelo se faça de forma que o pagamento se dê indiretamente
através da cobrança de impostos e posterior distribuição dos serviços estatais,
aqui temos uma situação em que o contratante paga diretamente seu
financiamento, o que não afasta o arbítrio estatal em todo o trâmite,
respondendo as questões econômicas fundamentais.
Com relação à empreiteira, de início, verificamos que sua escolha se dá
pelo governo (em geral em contratos que envolvem milhões de reais), bem
como o modelo das construções, localização, quantidade de edificações e
demais itens relevantes.
No que se refere ao favorecido, é o governo que o escolherá, e
determinará até mesmo o preço a ser pago.
Em nome dos pobres, o governo desenhou um programa em que o
cidadão efetua o pagamento de uma forma típica do capitalismo, ou seja,
diretamente, e recebe a contrapartida num serviço prestado com o jaez da
economia socialista. Há como que um pagamento ao Estado por aqueles que
forem selecionados como destinatários dos imóveis fornecidos.
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/131125_notatecnicadirur05
.pdf> Acesso em 31 julho 2015
Possivelmente adotando outra metodologia, o governo de Minas Gerais encontrou um
déficit de 5,792 milhões de habitações. In:
<http://www.fjp.mg.gov.br/index.php/docman/cei/deficit-habitacional/363-deficit-nota-tecnica-dh-2012/file> Acesso em 31 julho 15
137 Conforme:
<http://www.brasil.gov.br/governo/2010/12/numero-de-casas-vazias-supera-deficit-habitacional-do-pais-indica-censo-2010> Acesso em 31 julho 15
Todavia, a intermediação efetuada por burocratas, agentes da instituição
responsável pelo bem comum, parece provocar um efeito desgostoso em dose
bem maior do que o verificado no livre mercado, onde impera a lógica simples
da busca do lucro. Empreendimentos entregues inconclusos, embargados
poucos meses após a ocupação de moradores devido a rachaduras, goteiras e
toda sorte de problemas se verificam em níveis fartos
138
causando prejuízos na
população mais vulnerável - justamente o público do programa e inobstante o
pagamento das prestações - devido ao inadimplemento por parte do Poder
Público.
É a contundente lógica da quarta forma de se gastar os recursos se
impondo.
A somar-se aos programas de financiamento subsidiado tem-se também
a expansão dos empréstimos imobiliários promovida principalmente pelos
bancos públicos na esteira do crédito abundante proposto pela nova matriz
econômica. Esses fatos provocaram forte demanda no mercado imobiliário, o
que resultou no aumento imoderado do preço dos imóveis.
Ademais, a configuração da atuação do Poder Público com relação ao
direito à moradia altera toda a mecânica de incentivos da população,
sobrepujando, inclusive, a pretensa normatividade das leis (latu sensu). Sem
dúvida um efeito indesejável ao Estado de Direito.
Vemos com relação a isso, tanto no setor urbano quanto no rural,
reiterados episódios de alienação irregular de imóveis distribuídos através de
programas estatais. Considerando que essas plataformas não se dão sob
condições de mercado, mas mediante subsídios, quando não gratuitas, tem-se
que a alienação corrompe a intenção governamental ao transferir os benefícios
a terceiros mais abastados. Para reprimir essa prática há novo dispêndio de
recursos públicos com fiscais, juízes, advogados entre outros, novamente
obrigando o Estado a optar transferir esses novos custos à população ou a
precarizar ainda mais o serviço público.
138 Para constar, um relatório do Tribunal de Contas da União verificou 416 obras em 5
estados do prestigiado Programa Minha Casa Minha Vida do governo federal e constatou
"vícios construtivos que dificultam ou mesmo o inviabilizam o uso pleno da moradia pelo
beneficiário" em absolutamente TODAS AS OBRAS. Ainda, segundo o relatório: "Em
casos mais graves, colocam em risco a segurança ou a saúde do morador". In:
<http://portal3.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/imprensa/noticias/noticias_arquivos/041%
20274-2012-1%20consolida%C3%A7%C3%A3o%20qualidade%20Fiscobras2013.pdf>
Acesso em 04 agosto 2015
Considerando ainda que somente a burocracia provocada pelo estado
(fora impostos, portanto) pode elevar o preço de um imóvel em cerca de
12%
139
, desse modo, afastando a possibilidade de aquisição desses bens pelos
mais pobres, há base para se ponderar sobre a efetividade da intromissão
estatal no que se refere ao ensejo à moradia.
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