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Capítulo 3. Integração financeira e regulação bancária na zona do euro no período 1999-2016: andamento, crise e perspectivas

2. Formação 15 da UE: cronologia dos movimentos de liberalização financeira no interior do projeto europeu.

3.2. Análise empírica: andamento da integração financeira.

3.2.1. Indicadores gerais.

É interessante apresentar alguns estudos estatísticos que procuraram mensurar de forma agregada a liberalização de capitais, partindo do período que sucedeu a mudança do padrão monetário de Bretton Woods. Em primeiro lugar, Kaminsky e Schmukler (2003) criaram um indicador para o grau de restrição dos movimentos de capital, e aqui atualizamos o estudo com dados do FMI até 2005. Foram agregadas informações de 28 países de acordo com o seu grau de desenvolvimento (economias emergentes ou avançadas) e atribuíram o índice 1 para os países mais liberalizados e 3 para os menos liberalizados, seguindo critérios como permissões aos bancos para empréstimos no exterior, reservas mínimas de capital, prazo de vencimento, controles de saída de capital e existência de múltiplas taxas de câmbio.

Gráfico 3.1. Restrição da conta de capital (1973-2005).

Fonte: FMI. Adaptado de Kaminsky e Schmukler (2003; p.12) com dados mais recentes.

Na gráfico 3.1, suas observações apontam para uma abertura mais rápida das contas de capital das economias mais avançadas no período pós Bretton Woods, embora inicialmente o grupo agregado de países apresentasse níveis mais elevados do que o grupo emergente. Além do próprio acordo da UE,

0,00 0,50 1,00 1,50 2,00 2,50 3,00 jan /73 ju l/74 jan /76 ju l/77 jan /79 ju l/80 jan /82 ju l/83 jan /85 ju l/86 jan /88 ju l/89 jan /91 ju l/92 jan /94 ju l/95 jan /97 ju l/98 jan /00 ju l/01 jan /03 ju l/04 Emergentes Avançados

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outros blocos se formaram ao longo do século XX57, reduzindo as barreiras comerciais e financeiras.

Gráfico 3.2. Índices das contas correntes em relação ao PIB (1870-1990).

Fonte: Banco Mundial apud Obstfeld e Taylor (2004; p.60).

Em segundo lugar, Obstfeld e Taylor (2004) propõem verificar a mobilidade de capital pela variável “proxy” da abertura de contas correntes, de modo a oferecer uma abordagem de séries temporais baseada em um modelo dinâmico e explícito. Eles analisam o tamanho do saldo da conta corrente como uma fração da renda (CA/Y). O gráfico 3.2 apresenta os valores de conta corrente em proporção ao PIB ao longo do período 1870-1990, trabalhando

57 Em 1992, o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (o NAFTA, “North American Free

Trade Agreement”) reuniu EUA, Canadá e México para consolidar um comércio regional já intenso. Dentre os emergentes, em fevereiro de 1960, a Associação Latino-Americana de Livre Comércio reuniu Brasil, Argentina, Chile, Uruguai, México, Paraguai e Peru e, posteriormente, Colômbia, Equador, Bolívia e Venezuela, sendo renovado em 1980 sob o nome de Associação Latino-Americana de Integração (ALADI) pelo Tratado de Montevidéu com o intuito de retirar restrições comerciais entre os participantes. Em 1967, a Associação Das Nações Do Sudeste Asiático Asean (a ASEAN, “Association of Southeast Asian Nations”) com sede em Jacarta reuniu Brunei, Myanmar (antiga Birmânia), Indonésia, Laos, Malásia, Filipinas, Cingapura, Tailândia e Vietnã visando acelerar o progresso econômico e a auferir estabilidade regional. Em 1969, foi estabelecido o Pacto Andino, mercado comum entre Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela (e mesmo uma tarifa externa comum em 1996, quando se tornou a Comunidade Andina). O Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) foi definido em 1991 como um bloco regional, por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, tendo, mais tarde, Chile e Bolívia membros parceiros, e a Venezuela em 2012 (suspensa em 2016). Apesar de favorecer a movimentação de pessoas e de algumas isenções tarifárias, ainda não é uma união aduaneira.

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com duas medidas da extensão dos fluxos de capital, as quais medem a dispersão transversal da fração CA/Y para um ponto fixo no tempo:

a) valor absoluto médio; e

b) desvio padrão do saldo líquido das contas correntes, em médias quinquenais.

Assim, o gráfico apresenta as grandes tendências dos fluxos de capital estrangeiro. Ambas as medidas mostram padrões semelhantes ao longo do tempo. É possível verificar a “era de ouro” dos movimentos de capitais entre os anos 1880-1890 e 1910-1920 (englobando a Primeira Guerra Mundial), quando o volume dos fluxos internacionais de capital atingiu uma máxima histórica. O declínio entre 1925-1940 corresponde ao período entre guerras, sendo que na década de 1940 houve nova expansão. Nas décadas de 1950 e de 1960, os indicadores declinaram para um mínimo histórico. Somente ao final dos anos 1970 e 1980 os fluxos novamente aumentaram, embora não em níveis comparáveis aos de um século atrás. Os autores afirmam que os dados de fluxo, como critério de quantidade, servem apenas como fraca evidência de uma mudança na integração do mercado. No entanto, os dados oferecem uma visão interessante de que a globalização, no mercado de capitais, tem sido sujeita a grandes deslocamentos. De certa forma, reflete a baixa mobilidade durante a vigência do padrão de Bretton Woods e a subsequente retomada. O setor financeiro teve expansão notável ao longo da primeira década dos anos 2000. Os Estados-membros da UE lograram crescente oferta de crédito de forma generalizada (tabela 3.1) até o ano de 2007, quando países pequenos como Chipre e Malta apresentaram níveis superiores até mesmo aos dos EUA. Nas maiores economias da zona do euro, como França e Alemanha, maiores níveis de crédito/PIB são acompanhados de pequenos desvios. Uma particularidade da última crise financeira global foi a rápida retomada da expansão do crédito após o corte em 2008-2009, um reflexo da atuação estatal no setor privado. Ao final de 2014, a maioria dos países da zona do euro retornou aos patamares de crédito do ano pré-crise, em 2007, com exceção da Irlanda, bem abaixo, e da Eslováquia, bem acima.

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Tabela 3.1. Crédito doméstico líquido provido pelo setor financeiro (% PIB) (2001-2014).

Fonte: Banco Mundial. Elaboração própria

Um ponto importante nesse contexto é o predomínio, nos mercados financeiros, dos países historicamente protagonistas da UE (tabela 3.2). Dentro da zona do euro, bancos de Alemanha, França, Itália e Espanha detinham, em 2014, cerca de 80% dos ativos financeiros de 972 organizações compiladas. Merece destaque o grande número de organizações da Alemanha (608), somando um volume de ativos da ordem de US$11 trilhões, e em Luxemburgo (38), pelo seu respectivo perfil voltado a serviços financeiros58. Os bancos

58 Considerado um “paraíso fiscal” (jurisdição offshore), Luxemburgo, cujo ex Primeiro Ministro

Jean-Claude Juncker é presidente da Comissão Europeia desde 1º de novembro de 2014, não foi sujeito a qualquer medida punitiva, ao contrário de Chipre, Estado-membro da UE que foi severamente penalizado pelas razões de permitir e/ou facilitar a aplicação de capitais estrangeiros com alíquotas de tributação muito baixas ou nulas, quando do colapso bancário em 2013. Uma das várias empresas que se beneficiou das vantagens fiscais em Luxemburgo foi a britânica GlaxoSmithKline. A sucursal em Luxemburgo emprestou £6,34 bilhões à matriz em 2009 e pagou 0,5% de imposto sobre os juros do empréstimo (ao invés dos 28% estipulados pela jurisdição britânica). “Havens like Luxembourg turn ‘tax competition’ into a global race to the bottom”. The Guardian, 12 de julho de 2014.

2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 MÉDIA DESVIO