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4 MATERIAL E MÉTODOS

4.4 ANÁLISE ESTATÍSTICA

A concordância intra- e interexaminador realizadas durante o treinamento e calibração dos examinadores foram calculadas para o nível de superfície classificados com os escores do ICDAS através da análise de Kappa ponderado com abordagem quadrática. Para a avaliação da concordância relacionada à atividade das lesões, foi realizado o cálculo do Kappa de Cohen.

Os valores de c-s, c-d e prevalência foram calculados usando os dados obtidos na avaliação clínica com o ICDAS, considerando quatro pontos de corte: escore 1 (escores 1 a 6 classificados como cariados); escore 2 (escores 0 e 1 classificados como hígidos, escores 2 a 6 como cariados); escore 3 (0 a 2 hígidos, 3 a 6 cariados); e escore 4 (0 a 3 hígidos, 4 a 6 cariados). Esses cálculos foram inicialmente feitos de forma convencional, considerando todas as lesões de cárie presentes. Depois, os mesmos valores foram calculados nos mesmos limiares, considerando como cariados apenas as lesões classificadas como ativas. Para este cálculo, as lesões inativas foram consideradas hígidas, e somente as lesões ativas foram classificadas como cariadas. Os intervalos de confiança a 95% foram calculados para cada parâmetro.

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Além disso, a porcentagem de redução nos valores dos parâmetros depois da inclusão da avaliação da atividade das lesões foi calculada para todos os pontos de corte. Também foi calculado o número de superfícies dentárias, dentes e sujeitos que precisariam ser avaliados para mudar a classificação de uma unidade de cariado para hígido. Essa análise foi baseada no cálculo da medida conhecida como number needed to treat, que tem sido extensivamente usada nos ensaios clínicos para determinar os efeitos dos tratamentos (Cook; Sackett, 1995). No presente estudo, esse parâmetro foi denominado de “número necessário para ser avaliado, ou em inglês, “number needed to be assessed (NNA)”. Maiores valores dessa medida indicam que a avaliação não precisaria ser realizada, pois um grande número de sujeitos deveria ser avaliado para prevenir poucos tratamentos (Piovesan et al., 2012).

Para verificar a associação dos fatores socioeconômicos e biológicos com o status de atividade das lesões de cárie foram considerados 7 desfechos:

- Número de lesões de cárie não-cavitadas ativas; - Número de lesões de cárie não-cavitadas inativas;

- Número total de lesões de cárie não-cavitadas, independente da avaliação da atividade;

- Número de lesões de cárie cavitadas ativas; - Número de lesões de cárie cavitadas inativas;

- Número total de lesões de cárie cavitadas, independente da avaliação da atividade;

- Número total de lesões de cárie.

Os escores 1 e 2 do ICDAS foram considerados como lesões de cárie não- cavitadas, enquanto que os escores 3, 4, 5, e 6 foram considerados como lesões de cárie cavitadas. As seguintes variáveis independentes foram consideradas:

- Variáveis Demográficas: Gênero (masculino e feminino), idade (12-23 meses, 24-35 meses, 36-47 meses e 48-59 meses) e cor da pele (branco e não- branco).

- Variáveis socioeconômicas: renda familiar (<1 salário mínimo, 1–1,9 salários mínimos, 2–2,9 salários mínimos e 3 ou mais salários mínimos), nível de educação paterna e materna (menor ou igual a 8 anos ou mais que 8 anos), ocupação paterna e materna (empregado ou desempregado).

- Variáveis biológicas: placa visível nos dentes anteriores (presente ou ausente), razão de visita prévia ao dentista (preventiva, outras razões ou nunca foi ao dentista), escova os dentes (sim ou não), quem escova os dentes da criança (pais ou própria criança), frequência que a criança escova os dentes (não escova, 1 vez ao dia, duas vezes ao dia ou 3 ou mais vezes ao dia), uso de flúor tópico profissional (não, 1 vez ou 2 vezes) e hábitos dietéticos, incluindo ingestão de alimentos cariogênicos e refrigerantes (não ingere quase nunca ou apenas algumas vezes durante a semana versus ingere todos os dias ou quase todos os dias).

Como todos os desfechos eram variáveis quantitativas discretas, análises de regressão de Poisson foram realizadas para avaliar a associação entre as variáveis independentes e os desfechos. Em todas as análises, foi utilizada a regressão de Poisson com variância robusta para corrigir possíveis sobredispersões (variância maior que a média) da amostra. Foram calculados os valores de rate ratio e os respectivos intervalos de confiança a 95%. O modelo multivariado foi desenvolvido usando uma abordagem hierárquica (Victora et al., 1997). O modelo conceitual usado na análise está demonstrado na figura 1. Para a retenção da variável no modelo final, foi considerado um nível de significância de 5%.

O programa de computador usado para todas as análises foi o Stata/IC 12.0 (StataCorp LP, College Station, EUA).

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5 RESULTADOS

O processo de calibração dos examinadores envolveu 10 crianças de 3 e 4 anos, sendo que estas crianças não participaram do levantamento epidemiológico. A concordância interexaminador variou de 0,86 até 0,92 para os escores do ICDAS, e de 0,68 até 0,86 quando foi considerada a avaliação da atividade das lesões. Com relação à reprodutibilidade intra-examinador, os valores variaram de 0,77 até 0,94 para os escores do ICDAS e de 0,58 até 0,78 para os dados referentes à avaliação da atividade.

Durante a pesquisa foram convidadas 700 crianças para participarem do estudo; dessas, 61 não tiveram a autorização dos pais (taxa de participação de 91,3%). Portanto a amostra final compreendeu 639 crianças.

Os dados gerados por este estudo que relacionam o status de atividade das lesões com os escores do ICDAS são apresentados na tabela 5.1. A maioria das lesões foi classificada como ativa. A proporção de lesões de cárie inativas foi maior nos estágios iniciais da doença (escores 1 a 3). Por outro lado, foi encontrado um menor número de lesões inativas nos escores 4 e 5 do ICDAS. A proporção de lesões de cárie inativas classificadas como escore 6 do ICDAS foi maior do que nos outros níveis cavitados (escores 3 e 5). A maioria das lesões encontradas nas superfícies proximais com ponto de contato foi classificada como ativa.

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Tabela 5.1 - Relação entre a atividade das lesões de cárie (nível de superfície dental) e os escores obtidos de acordo com o ICDAS - n (%)

Atividade das lesões Escores do ICDAS 0 1 2 3 4 5 6 Total Hígidas 43.848 (100,0) - - - - 43.848 (91,3) Inativas - 155 (26,9) 234 (11,0) 50 (15,1) 4 (2,2) 53 (9,0) 49 (15,6) 545 (1,1) Ativas - 421 (73,1) 1.890 (89,0) 281 (84,9) 181 (97,8) 534 (91,0) 311 (86,4) 3.618 (7,6) Total 43.848 (91,3) 576 (1,2) 2.124 (4,4) 331 (0,7) 185 (0,4) 587 (1,2) 360 (0,8) 48.011 (100,0)

Quando a idade da criança foi levada em consideração, verificou-se que crianças mais velhas apresentaram um maior número de lesões de cárie ativas. Considerando todas as superfícies examinadas, as crianças de 4 anos de idade tinham aproximadamente 10% de lesões de cárie ativas e 1,6% das lesões foram classificadas como inativas (Tabela 5.2).

Tabela 5.2 – Distribuição das superfícies hígidas, lesões de cárie inativas e lesões de cárie ativas entre as crianças com diferentes idades - n (%)

Idade (meses) Hígidas Inativas Ativas Total

12 – 23 (129 crianças) 4.784 (97,6) 22 (0,4) 99 (2,0) 4.905 24 – 35 (124 crianças) 9.028 (94,1) 52 (0,5) 514 (5,4) 9.594 36 – 47 (161 crianças) 12.844 (92,3) 159 (1,2) 908 (6,5) 13.911 48 – 59 (225 crianças) 17.192 (87,7) 312 (1,6) 2.097 (10,7) 19.601 Total (639 crianças) 43.848 (91,3) 545 (1,2) 3.618 (7,5) 48.011

Os resultados relacionados aos parâmetros de cárie (c-s, c-d e prevalência) sugerem que quanto menor o ponto de corte do ICDAS usado para os cálculos, maiores são os valores dos parâmetros da doença, independente da incorporação ou não da avaliação da atividade. Também foi observado que a inclusão da avaliação da atividade reduziu os valores de todos os índices. Os valores do c-s considerando todas as lesões em todos os pontos de corte foram aproximadamente 10% maiores que os correspondentes valores obtidos após a avaliação da atividade. Essas diferenças foram maiores nos níveis de lesões não-cavitadas (escores 1 e 2). O número de superfícies dentárias que precisariam ser avaliados para mudar a classificação de uma unidade (NNA) após a inclusão da avaliação da atividade foi de 88 e 123 nos pontos de corte 1 e 2, respectivamente. Para os níveis de lesões cavitadas, esses valores foram maiores (Tabela 5.3).

Com relação aos valores do c-d, a redução observada foi similar aos valores do c-s nos estágios iniciais. Usando os escores 3 e 4 como pontos de corte, aproximadamente 150 e 400 dentes, respectivamente, precisariam ser avaliados para produzir uma única mudança na classificação do status do dente de cariado para hígido. Por outro lado, levando-se em consideração a prevalência das lesões, a

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redução obtida quando foi realizada a avaliação da atividade foi muito pequena. Além disso, 20 sujeitos precisariam ser avaliados para mudar a classificação de uma unidade após a inclusão da avaliação da atividade quando as lesões de cárie não- cavitadas foram incluídas na análise. Quando foram consideradas somente as lesões cavitadas, mais de 100 sujeitos precisariam ser avaliados para mudar o status de um sujeito (Tabela 5.3).

Tabela 5.3 – Comparação entre parâmetros relacionados à experiência de cárie obtidos com o ICDAS usando os escores 1, 2, 3 e 4 como pontos de corte considerando todas as lesões (hígidas versus cariadas) e os mesmos parâmetros nos mesmos pontos de corte, porém considerando a avaliação da atividade das lesões (hígidas e lesões de cárie inativas versus lesões de cárie ativas)

Parâmetros de Cárie Pontos de Corte do ICDAS

1 2 3 4 c-s Todas lesões 6,51 (5,81–7,22) 5,61 (4,98–6,25) 2,29 (1,89–2,69) 1,77 (1,41–2,13) (n = 48.040) % de superfícies cariadas 8,7 7,5 3,0 2,4 Lesões ativas 5,66 (4,99-6,34) 5,00 (4,40-5,60) 2,05 (1,68-2,42) 1,61 (1,27-1,94) % de superfícies cariadas ativas 7,5 6,7 2,7 2,1 NNA 88,3 123,5 309,9 453,2 Redução (%) 13,1 10,8 10,6 9,4 c-d Todas lesões 4,00 (3,67-4,34) 3,55 (3,24-3,87) 1,34 (1,16-1,53) 0,93 (0,78-1,09) (n = 12.570) % de superfícies cariadas 20,4 18,1 6,8 4,7 Lesões ativas 3,47 (3,15-3,79) 3,18 (2,87-3,48) 1,22 (1,05-1,40) 0,87 (0,73-1,02) % de dentes cariados ativas 17,6 16,1 6,2 4,4 NNA 36,6 52,2 163,2 330,8 Redução (%) 13,4 10,6 9,0 6,4

Prevalência Todas lesões 69,5 (65,8-73,0) 65,4 (61,7-69,0) 37,9 (34,2-41,7) 28,8 (25,4-32,4) (n = 639) Lesões ativas 62,8 (59,0-66,4) 60,4 (56,6–64,2) 36,9 (33,3-40,7) 28,5 (25,1-32,1) NNA 14,9 20,0 106,5 319,5 Redução (%) 9,7 7,7 2,5 1,1

Valores nos parênteses são os respectivos intervalos de confiança. c-s e c-d = superfícies e dentes cariados, respectivamente.

Pequenas diferenças entre os valores atuais de NNA e os valores obtidos com o cálculo usando a prevalência são devido ao arredondamento dos números.

Com relação à associação dos fatores socioeconômicos e biológicos com o status de atividade das lesões de cárie, idade da criança e a presença de placa visível nos dentes anteriores foram significativamente associadas com todos os desfechos relacionados às lesões de cárie não-cavitadas. As variáveis gênero e

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renda familiar mostraram associação significante com as lesões de cárie não- cavitadas ativas, com todas as lesões não-cavitadas e com o total de lesões. Além disso, foi observada uma associação significativa entre crianças que tinham visitado o dentista previamente por razões não preventivas e que consumiam refrigerantes com o número total de lesões de cárie (Tabela 5.4).

Tabela 5.4 – Valores de rate ratio (intervalo de confiança a 95%) obtidos pela regressão de Poisson utilizando as lesões de cárie não-cavitadas no cálculo dos desfechos considerando a avaliação da atividade das lesões

Variáveis Lesões não- cavitadas inativas Lesões não- cavitadas ativas Total de lesões

não cavitadas Todas as lesões

Características relacionadas à criança Gênero Masculino 1,00 1,00 1,00 Feminino 0,75 (0,58-0,96) 0,77 (0,62-0,96) 0,77 (0,63 – 0,93) Idade (meses) 48 – 59 1,00 1,00 1,00 1,00 36 – 47 0,71 (0,49 – 1,05) 0,73 (0,54-0,99) 0,73 (0,56-0,95) 0,64 (0,50 – 0,82) 24 – 35 0,35 (0,21 – 0,58) 0,58 (0,42-0,79) 0,53 (0,40-0,51) 0,46 (0,35 – 0,60) 12 – 23 0,17 (0,08-0,36) 0,12 (0,07–0,22) 0,13 (0,08-0,21) 0,12 (0,07-0,21) Características socioeconômicas Renda Familiar < 1 SM 1,00 1,00 1,00 1 a 1,9 SM 1,15 (0,83-1,59) 1,13 (0,85-1,51) 1,08 (0,84 – 1,38) 2 a 2,9 SM 0,65 (0,46-0,91) 0,67 (0,50-0,91) 0,65 (0,49 – 0,85) 3 ou mais SM 0,56 (0,39-0,80) 0,69 (0,52-0,93) 0,53 (0,40 – 0,71) Características biológicas Placa Ausente 1,00 1,00 1,00 1,00 Presente 1,46 (1,03 – 2,08) 1,51 (1,10-2,07) 1,52 (1,15-2,01) 1,69 (1,31 – 2,18) Visita ao dentista Razões preventivas 1,00 Outras razões 1,78 (1,18 – 2,68) Nunca visitou 1,00 (0,72 – 1,38) Hábitos dietéticos Toma refrigerantes 1,17 (1,01 – 1,36)

Só estão apresentados os valores de rate ratio de variáveis com associação estatisticamente significante ao nível de 5%. SM = Salário Mínimo

Quando as lesões de cárie cavitadas foram usadas como desfecho, foi observado que ambas as lesões cavitadas ativas e inativas foram significativamente associadas com a idade da criança, renda familiar, visita anterior ao dentista e à alguns hábitos dietéticos. Escolaridade da mãe e presença de placa também apresentaram associação estatisticamente significativas quando lesões de cárie cavitadas ativas e todas as lesões cavitadas, independente da avaliação da atividade, foram consideradas (Tabela 5.5).

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Tabela 5.5 – Valores de rate ratio (intervalo de confiança a 95%) obtidos pela regressão de Poisson utilizando as lesões de cárie cavitadas no cálculo dos desfechos considerando a avaliação da atividade das lesões

Variáveis Lesões cavitadas inativas Lesões cavitadas ativas Total de lesões cavitadas

Características relacionadas à criança Gênero Masculino 1,00 1,00 Feminino 0,74 (0,52-1,06) 0,74 (0,53-1,04) Idade (meses) 48 – 59 1,00 1,00 1,00 36 – 47 0,79 (0,25-2,50) 0,44 (0,28-0,68) 0,47 (0,31 – 0,71) 24 – 35 0,21 (0,06-0,72) 0,33 (0,21-0,51) 0,31 (0,20 – 0,49) 12 – 23 0,06 (0,01-0,52) 0,10 (0,04-0,25) 0,10 (0,04 – 0,24) Características socioeconômicas Renda Familiar < 1 SM 1,00 1,00 1,00 1 a 1,9 SM 0,51 (0,14 – 1,75) 1,11 (0,73 – 1,67) 1,05 (0,71 – 1,54) 2 a 2,9 SM 0,60 (0,16 – 2,17) 0,72 (0,44 – 1,18) 0,72 (0,44 – 1,16) 3 ou mais SM 0,24 (0,08 - 0,70) 0,42 (0,19 - 0,94) 0,42 (0,20 – 0,85) Escolaridade Materna ≥ 8 anos 1,00 1,00 < 8 anos 1,78 (1,25 – 2,54) 1,75 (1,24 – 2,47) Características biológicas Placa Ausente 1,00 1,00 Presente 2,08 (1,34-3,25) 2,03 (1,32-3,12)

Visita anterior ao dentista

Razões preventivas 1,00 1,00

Outras razões 5,08 (1,72 – 14,99) 2,25 (1,17 – 4,30) 2,41 (1,29 – 4,50) Nunca visitou 1,77 (0,59 – 5,27) 0,89 (0,52 – 1,54) 0,94 (0,55 – 1,60)

Hábitos dietéticos

Toma refrigerantes 1,35 (1,07 – 1,71) 1,36 (1,07 – 1,71) Só estão apresentados os valores de rate ratio de variáveis com associação estatisticamente significante ao nível de 5%. SM = Salário Mínimo

6 DISCUSSÃO

Em levantamentos epidemiológicos, a cárie dentária tem sido tradicionalmente registrada considerando apenas lesões cavitadas (WHO, 1997). Uma justificativa para isso é que o grande número de examinadores envolvidos na coleta dos dados poderia gerar maiores discordâncias relacionado com o diagnóstico das lesões iniciais. Entretanto, a literatura tem mostrado (Assaf et al., 2006; Ekstrand et al., 2007; Braga et al., 2009a; Braga et al., 2010a) que existe uma concordância inter e intra-examinador substancial mesmo quando lesões incipientes são incluídas. Além disso, devido à redução na prevalência e progressão das lesões e ao processo dinâmico da doença cárie (Assaf et al., 2006), a avaliação da atividade das lesões de cárie em pesquisas epidemiológicas poderia ser um importante pré-requisito para a correta avaliação das necessidades de tratamento. Portanto, um dos objetivos deste estudo foi investigar a magnitude da redução nos parâmetros de cárie após a inclusão da avaliação da atividade considerando lesões cavitadas e não-cavitadas em um levantamento epidemiológico com pré-escolares.

Os resultados deste estudo mostraram que a inclusão da avaliação da atividade das lesões não causou um impacto substancial nos parâmetros de cárie, principalmente quando as lesões cavitadas foram consideradas. Mesmo que o impacto nos parâmetros tenha sido maior quando foram consideradas as lesões não-cavitadas, os benefícios de se avaliar a atividade da doença em levantamentos epidemiológicos podem ser mínimos.

O ICDAS inclui as lesões cavitadas e não-cavitadas, e tem sido sugerido o seu uso para pesquisas epidemiológicas (Ismail et al., 2007). Um recente estudo mostrou que o ICDAS é comparável ao critério padrão preconizado pela OMS quando aplicado em crianças; entretanto, a atividade não foi avaliada nesse estudo (Braga et al., 2009b). Na presente pesquisa, nós utilizamos o ICDAS combinado com parâmetros clínicos relacionados ao status das lesões para avaliação da atividade. Até o momento, somente um estudo epidemiológico empregou o ICDAS juntamente com a avaliação da atividade das lesões (Agustsdottir et al., 2010). Naquele estudo foram incluídos somente dentes permanentes, os quais diferem anatomicamente e estruturalmente dos dentes decíduos (Mortimer, 1970; Shellis,

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1984). Portanto, este é o primeiro estudo que usou o ICDAS e avaliou o impacto de incluir a avaliação da atividade nos índices de cárie em dentes decíduos.

O número de lesões não-cavitadas ativas encontradas no presente estudo foi maior que o número de inativas. É concebível que tais lesões possam ser inativadas sem maiores danos à estrutura dentária com estratégias preventivas. Portanto, devido ao grande número de lesões iniciais que são encontradas atualmente, o uso de um critério mais sensível para a detecção de tais lesões pode ser importante (Assaf et al., 2006; Agustsdottir et al., 2010). A detecção das lesões em estágios iniciais e a avaliação da atividade no mesmo exame, como investigado no nosso estudo, poderia contribuir para a avaliação das decisões de tratamento.

A grande proporção de lesões não-cavitadas inativas detectadas neste estudo quando comparadas às cavitadas é compreensível, pois a inativação é relacionada à remoção do biofilme dentário (Nyvad; Fejerskov, 1997), que é mais facilmente realizada quando a integridade da superfície do esmalte é mantida. Similarmente, um estudo anterior observou que a maioria das lesões cavitadas encontradas foram ativas (Ekstrand et al., 2007). Por outro lado, a proporção de lesões inativas classificadas como escore 6 do ICDAS foi similar aos valores registrados para os escores que consideram as lesões não-cavitadas. Este resultado pode ser explicado pois as lesões de cárie podem ser inativadas em qualquer estágio de seu desenvolvimento. Sendo assim, tais lesões em dentes decíduos são normalmente amplas e geralmente acessíveis para a remoção da placa dental tanto pela mastigação como pela limpeza, o que favorece sua inativação (Nyvad; Fejerskov, 1997). Os escores 4 e 5, contrariamente, englobam cavidades pequenas, as quais dificultam a limpeza.

Este estudo mostrou que crianças mais velhas apresentam mais lesões ativas que as crianças mais novas. Este resultado está em discordância com os resultados de um estudo recente com crianças de 3 a 12 anos (Braga et al., 2010b). Entretanto, nós avaliamos crianças com idades entre 1 e 5 anos. Portanto, nesta faixa etária, é provável que a maioria das lesões não tenha tido tempo suficiente para inativar. Se crianças mais velhas tivessem sido incluídas, o número de lesões inativas provavelmente seria maior.

Com relação aos parâmetros de cárie, a inclusão de lesões não-cavitadas, tanto nos estágios iniciais, como nos avançado, aumentou os valores de c-s, c-d e da prevalência da doença. Estudos anteriores tem demonstrado um padrão similar

em amostras representativas da população em dentes permanentes (Agustsdottir et al., 2010) e decíduos (Braga et al., 2009b). Isso pode sugerir que o número de lesões em esmalte seja altamente prevalente considerando os padrões atuais da cárie dentária. Essa observação, no entanto, pode também em parte ser decorrente do aumento da proporção de resultados falso-positivos. Portanto, mais pesquisas são necessárias para determinar a real influência de tais fatores.

Quando a avaliação da atividade foi incluída, todas as lesões inativas foram consideradas hígidas, e, portanto, os valores de c-s, c-d e da prevalência diminuíram. A inclusão da avaliação da atividade parece lógica, desde que lesões de cárie inativas têm uma menor probabilidade de progredir (Nyvad et al., 2003). Assim, o impacto de incluir a avaliação da atividade das lesões poderia ser uma importante questão para ser investigada.

Em nosso estudo, as mudanças observadas foram maiores quando as lesões não-cavitadas foram incluídas nas análises. Adicionalmente, essas mudanças foram maiores para os valores de c-d e c-s do que para os valores da prevalência. Por exemplo, para a prevalência de cárie nos pontos de corte 3 e 4 do ICDAS, a redução nos valores quando a avaliação da atividade foi realizada foi muito baixa (2% e 1%, respectivamente). Considerando os mesmos pontos de corte, as mudanças nos valores de c-d e c-s foram superiores a 10%. Por outro lado, quando as lesões não- cavitadas foram incluídas, as mudanças nos valores de c-d e c-s foram em torno de 12%, e para os valores de prevalência, o decréscimo foi por volta de 8%. Apesar disso, as mudanças nos valores dos parâmetros considerando lesões cavitadas e não-cavitadas não foram grandes o suficiente para justificar a avaliação da atividade de cárie em pesquisas epidemiológicas.

Estes resultados foram obtidos em uma cidade com baixa prevalência de cárie. Em cidades com uma prevalência mais elevada ou sem abastecimento de água fluoretada o padrão poderia ser diferente e a avaliação da atividade em levantamentos epidemiológicos nessas populações poderia ser relevante. São necessários mais estudos conduzidos em diferentes cidades, para determinar o real impacto da inclusão da variável pesquisada.

No contexto da saúde pública, a avaliação da atividade poderia ser útil, pois lesões de cárie inativas não requerem tratamento para evitar a progressão da doença (Nyvad; Fejerskov, 1997). Sendo assim, nós calculamos o número de superfícies, dentes ou sujeitos que precisariam ser avaliados para mudar a

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classificação de uma unidade em questão. Esta abordagem é inovadora em estudos observacionais. Esta análise é útil, pois ela revela a magnitude do impacto sobre os parâmetros de cárie quando a avaliação da atividade é incluída. Por exemplo, quando nós consideramos as superfícies e dentes, em torno de 88 superfícies e 37 dentes precisariam ser avaliados com a finalidade de mudar a decisão de tratamento de uma superfície ou dente, após a inclusão da avaliação da atividade considerando lesões cavitadas e não-cavitadas na pesquisa. Por outro lado, quando nós englobamos somente as lesões cavitadas, aproximadamente 165 dentes precisariam ser avaliados para mudar o status de um único elemento.

Em relação ao número de sujeitos avaliados neste estudo, aproximadamente 15 crianças necessitariam ser avaliadas para mudar o diagnóstico de uma criança nos pontos de cortes que abrangem as lesões não-cavitadas. Além disso, mais que 100 sujeitos precisariam ser examinados se somente as lesões cavitadas fossem incluídas. Estes cálculos são mais relevantes, pois a inclusão de sujeitos a serem tratados é mais racional que superfícies ou dentes. Por exemplo, se somente crianças com lesões cavitadas fossem selecionadas para o tratamento dentário, a avaliação da atividade não parece ser útil, pois aproximadamente 100 crianças precisariam ser examinadas para evitar o tratamento de uma.

Diante disso, os resultados obtidos sugerem que a inclusão da avaliação da atividade não traz grandes vantagens. Se lesões iniciais são incluídas no estudo, o impacto da atividade é maior; entretanto, os potenciais benefícios de se avaliar a atividade permanecem inexpressivos, pois apenas tratamentos não-operatórios são indicados para tais crianças. Provavelmente, tratar todas as crianças com lesões iniciais como tendo lesões ativas ao invés de avaliar estas crianças em relação à atividade poderia ser mais custo-efetivo em longo prazo.

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