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8.1.2.2 Análise do fémur após a ATA

Como descrito no Capítulo 3, a cirurgia ortopédia é na maioria das vezes realizada para aliviar a dor do paciente, reparar a articulação gravemente danificada ou para restituir a funcionalidade articular da anca após a ocorrência de uma fratura. Atualmente, está disponível no mercado uma grande panóplia de implantes, uma vez que o sucesso de uma artroplastia total da anca depende da escolha do implante.

O estudo numérico apresentado de seguida teve como principal objetivo analisar a remodelação do tecido ósseo que circunda a haste do implante, dando continuidade ao estudo realizado anteriormente. Assim, o objetivo é verificar se o modelo numérico é capaz de reproduzir a evolução clínica observada nas radiografias (realizadas após acirurgia).

Inicialmente, através da radiografia apresentada na Figura 8.3 (a), juntamente com a radiografia presente na Figura 8.9 (a) foi possível definir o plano de corte da cabeça femoral.

De seguida, foi delineado o contorno do implante e identificado o implante comercial utilizado (Figura 8.9 (c)). No modelo geométrico usado no estudo anterior, foi então removida a cabeça femoral e inserido um implante de titânio com 170 mm de comprimento. O modelo geométrico bidimensional final encontra-se apresentado na Figura 8.9 (b). Na Figura 8.9 (b) são ainda esquematicamente representados os principais grupos trabeculares de compressão e

(a) (b) (c)

(d) (e) (f)

Figura 8.9 - (a) Radiografia anterioposterior do fémur direito do paciente. (b) Representação do

modelo geométrico e dos principais grupos trabeculares. (c) Implante comercial. (d) Representação esquemática dos principais grupos trabeculares. Discretização do domínio do problema: (d) malha nodal; (e) malha de elementos. (f) Condições de fronteira naturais e essenciais.

tração observados nas radiografias fornecidas. O osso femoral apresenta novamente uma camada de tecido ósseo cortical natural com uma espessura máxima de 1mm. Posteriormente, o domínio do problema considerado foi discretizado numa malha de elementos triangulares irregular, com 4607 nós e 8646 elementos, como observado na Figura 8.9 (d) e (e), respetivamente.

Neste estudo são considerados novamente os três casos de carga sugeridos por Beaupré et al., tal como no estudo anterior. Assim, para todos os casos de carga, foram aplicadas parabolicamente as forças no grande trocânter ( ), e as forças aplicadas na cabeça do fémur foram no presente estudo aplicadas uniformemente na cabeça do implante ( ). Além disso, como condição de fronteira essencial foi imposta novamente a restrição de todos os graus de liberdade na base inferior do modelo. As condições de fonteira naturais e essenciais mencionadas estão representadas esquematicamente na Figura 8.9 (f). A magnitude das cargas, a direção e o respetivo número de ciclos por dia, para os três casos de carga considerados, encontram-se apresentadas na Tabela 8.1.

Tabela 8.1– Casos de carga considerados ([151]).

Caso de carga F1 α1 F2 α2 Ciclos de carga

CC1 2317 24º 703 28º 6000

CC2 1158 -15º 351 -8º 2000

CC3 1548 56º 468 35º 2000

Relativamente às propriedades dos materiais, o modelo ósseo foi definido como isotrópico com uma distribuição da densidade aparente uniforme, = 2,1 / , e um coeficiente de Poisson, = 0.3. As propriedades mecânicas do tecido ósseo dependem da densidade aparente atual e são obtidas usando a lei fenomenológica de Belinha, descrita na secção 2.5.2 do Capítulo 2. O implante de titânio apresenta as seguintes propriedades mecânicas: E =110 GPa e =0.32. Neste estudo não foi considerada uma interface cimentada entre o implante e o tecido ósseo. De seguida, são então apresentados e comparados os resultados obtidos considerando os parâmetros de remodelação óssea = 0 e = 0.03. O algoritmo de remodelação óssea foi novamente combinado com os três métodos numéricos: MEF, RPIM e NNRPIM. A arquitetura trabecular final é apresentada através de isomapas de tons de cinza, assumindo-se novamente

= 1,2 / como valor de densidade média de controlo do algoritmo de remodelação. Inicialmente, cada um dos casos de carga foi independentemente analisado, de modo a perceber a influência de cada um na estrutura trabecular. Na Figura A.13, Figura A.14, Figura A.15, presentes no Anexo 2 é apresentado os isomapas representativos da arquitetura trabecular final, os mapas de dispersão de cor da tensão efetiva de von Mises e das tensões principais ( e ), para cada um dos casos de carga independentemente analisados. De seguida, os três casos de carga foram então aplicados simultaneamente com o objetivo de se obter uma solução mais próxima da radiografia. Os resultados são apresentados na Figura 8.10.

MEF (a) = 1,2 / (b) Min=0 MPa Max=140MPa (c) Min=-30 MPa Max=150 MPa (d) Min=-130 MPa Max=50 MPa Max Min RPIM (a) = 1,2 / (b) Min=0 MPa Max=450 MPa (c) Min=-150 MPa Max=375 MPa (d) Min=-530 MPa Max=90 MPa Max Min NNRPIM (a) = 1,2 / (b) Min=0 MPa Max=440 MPa (c) Min=-125 MPa Max=290 MPa (d) Min=-475 MPa Max=75 MPa Max Min

Figura 8.10 – Para a CC: (a) Arquitetura trabecular final obtida (b) Mapa da tensão de von Mises ( ), (c) Mapa da tensão principal 1 ( ), (d) Mapa da tensão principal 2 ( ).

Observando os resultados obtidos, verifica-se em todos os métodos numéricos a formação das estruturas trabeculares concordantes com as equematizadas na Figura 8.9 (b), contudo as trabéculas de compressão apresentam-se menos densas sendo apenas encontradas nas soluções obtidas através dos métodos sem malha. Nos resultados obtidos para os casos de carga independentemente analisados observa-se que as trabéculas de tração presentes no grande trocânter são formadas, apresentando a mesma direção da carga aplicada. Nos mapas da tensão principal 1 ( ) é possível observar o efeito da carga de tração aplicada no grande trocânter, enquanto que nos mapas da tensão principal 2 ( ) as zonas de compressão não são tão evidentes em comparação com o estudo anterior, uma vez que neste estudo a carga de compressão está aplicada no implante e não diretamente no osso femoral.

De uma forma geral, verifica-se uma grande variação do comportamento da remodelação óssea quando comparada com o estudo anterior. Isto acontece principalmente devido ao fenómeno de stress shielding. Este fenómeno ocorre quando a cabeça femoral é removida para a inserção de um implante. Desta forma, a carga aplicada (e consequentemente a tensão) no osso será reduzida, uma vez que o material constituinte do implante é mais rígido que o osso. Para facilitar a visualização das mudanças da densidade óssea ao longo do modelo numérico, este foi dividido nas sete zonas de Gruen. As zonas de Gruen são úteis para fornecer um sistema de referência com base na anatomia do fémur. Normalmente, este sistema de divisão é usado para visualizar as áreas da radiografia de interesse para assim avaliar o resultado de uma intervenção cirúrgica.

Assim, o modelo numérico foi então dividido como observado na Figura 8.11. Esta análise foi apenas realizada para os resultados obtidos usando a combinação das cargas.

Verifica-se que a zona 1, conhecida por ser uma zona de grande reabsorção, apresenta a formação de um pequeno grupo de trabéculas provenientes da carga de tração aplicada no grande trocânter, em ambos os métodos numéricos. Contudo, na zona 7 através do MEF verifica- se que esta é uma zona de reabsorção óssea, no entanto observa-se nos isomapas da distribuição da densidade obtidos usando os métodos sem malha, RPIM e NNRPIM, que esta perda óssea é mais suave. Isto deve-se ao aparecimento do grupo trabecular de compressão, que se prolonga até à zona 6. Além disso, verifica-se nos isomapas obtidos para ambos os métodos numéricos que as zonas 2 e 5 são zonas de reabsorção média. Nas zonas 3 e 4 é observado uma hipertrofia óssea distal. Isto acontece devido à maior reabsorção ser verificada na zona proximal-medial do fémur, o que leva a uma redistribuição da carga distalmente [225]. Esta redistribuição da carga é observada nos mapas de dispersão de cor da tensão efetiva de von Mises da Figura 8.10 (b), uma vez que a maior concentração de tensão se observa na zona inferior da diáfise, em que no lado esquerdo se encontram maiores tensões de compressão e do lado direito maiores tensões de tração.

Zonas de Gruen MEF RPIM NNRPIM

Figura 8.11 – Avaliação das Zonas de Gruen. Arquitetura trabecular final ( = , / ) obtida usando o MEF, RPIM e NNRPIM.

A concordância entre os modelos e os dados clínicos foi particularmente próxima nas regiões proximal-mediais, mas foi mais fraca na região hipertrófica ao redor da haste distal, uma vez que nas radiografias disponibilizadas não é possível a visualização desta região.

Com o objetivo de se verificar explicitamente a semelhança dos resultados obtidos por cada método numérico, foi realizada a interseção espacial entre cada par de soluções (Figura 8.12). A analogia entre todas as metodologias é observada, uma vez que todas as interseções apresentam as estruturas trabeculares típicas esperadas, observando-se que o par de soluções com maior semelhança é o dos métodos sem malha. É também possível realizar uma comparação qualitativa entre as soluções obtidas usando o MEF e as soluções de uma análise de remodelação óssea 3D, disponível na literatura observando-se que os resultados obtidos são relativamente próximos [7].

MEF vs RPIM MEF vs NNRPIM RPIM vs NNRPIM

Apesar das aproximações efetuadas, a distribuição trabecular obtida quando comparada com a radiografia da Figura 8.9 (a), é semelhante, comprovando-se assim, a eficiência do algoritmo de remodelação adotado neste estudo. Para cada abordagem numérica, os resultados obtidos são coerentes, no entanto, verificou-se que o MEF não foi capaz de apresentar as estruturas trabeculares menos densas de compressão. Os métodos sem malha, RPIM e NNRPIM, obtiveram resultados muito semelhantes e produziram mapas de tensões mais suaves e precisos quando comparados com o MEF.