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Diferentes áreas do conhecimento científico concebem o território como conceito essencial em suas análises (FERNANDES, 2005). A descrição e a análise de eventos em saúde precisam considerar o espaço físico e social, palco de complexas relações entre o homem e o meio onde vive, no intuito de compreender os processos que propiciam a manifestação dos acontecimentos e dos agravos que afetam a saúde das pessoas (BRASIL, 2006).

Fundamento essencial da epidemiologia, a distribuição espacial de agravos em saúde e dos seus determinantes permite a elaboração de mapas (MEDRONHO et al., 2009). Desde as civilizações primitivas, mapas têm sido construídos para retratar dados geográficos. Logo, a representação espacial de eventos em saúde possibilita a visualização de regiões prioritárias para as ações preventivas e de controle de doenças relacionadas ao ambiente físico e social onde se manifestam. Um exemplo clássico do mapeamento de agravos em saúde foram as técnicas adotadas por John Snow para explicar a morbimortalidade por cólera em Londres, quando foi observado que casos de cólera se aglomeravam próximos a determinadas fontes de água (SNOW, 1990).

Neste prisma, Turci e outros pesquisadores (2010) identificaram crescimento na última década do número de investigações em saúde utilizando técnicas de geoprocessamento como ferramenta metodológica na produção epidemiológica brasileira. Estudos de descrição e análise do espaço são úteis para a saúde pública e possibilitam mapeamento de doenças, avaliação de riscos, planejamento de intervenções e avaliação das redes de atenção em saúde (BRASIL, 2006). Isso é imprescindível para pacientes com aids, em face das peculiaridades de uma doença incurável, cujas PVHA estão suscetíveis a uma série de agravos de caráter infecto-contagioso, decorrente de sua condição clínica. Avaliar riscos ambientais remete imediatamente a intervenções no espaço onde o homem vive, trabalha, interage.

Conjunto de tecnologias dirigidas para coleta e tratamento de dados espaciais, o geoprocessamento facilita a associação entre bancos de informações em saúde e dados territoriais com fins de uma compreensão mais abrangente da dinâmica do processo saúde- doença em sua complexidade (BARCELLOS et al., 2008). A agregação da vasta gama de informações em HIV/aids com metodologias de outras áreas como a geografia e a estatística propicia um foco mais preciso das intervenções em saúde para esta população que convive com o vírus e apontaria dados úteis para profissionais e gestores de saúde no direcionamento de intervenções públicas. Fede et al. (2011) corroboram novo enfoque da prática em saúde ao afirmar que informações de vigilância de doenças por si não permitem o estabelecimento de intervenções significativas na comunidade, por estarem desvinculadas de um contexto socioeconômico e cultural.

Pesquisa sobre a epidemia de aids demonstra a visualização de pontos georreferenciados, permitindo focalizar o HIV em seu ponto de partida e identificar a infecção como resultado da estrutura sociodemográfica do território em análise (STEPHAN; HENN; DONALISIO, 2010). Por sua vez, conforme conclui, estudo de análise geoespacial da

coinfecção HIV/tuberculose, a utilização de sistemas georreferenciados contribui para a delimitação de áreas prioritárias para a intervenção sanitária (BRUNELLO et al., 2011).

Técnicas de geoprocessamento exigem sistemas de manipulação de dados que correspondam aos objetivos de investigações que adotam tal método. Sistemas de Informações Geográficas possibilitam a captura, armazenamento, manipulação, análise, apresentação e descrição de dados georreferenciados (SANSON; PFEIFFER; MORRIS, 1991). De modo geral, os métodos de estatística geoespacial ampliam as análises em saúde, pois propiciam realizar inferências e testar hipóteses sobre agravos e fenômenos manifestos no espaço. O resultado básico da manipulação de dados por meio do geoprocessamento será a construção de mapas das doenças e/ou dos seus determinantes. O mapeamento de doenças consiste na descrição do processo da sua distribuição espacial, com vistas a avaliar a variação geográfica da sua ocorrência, ao identificar diferenciais de risco e iniquidades em saúde, essenciais para orientar a alocação de recursos e levantar hipóteses etiológicas. Tem como fim produzir um mapa “limpo”, sem o “ruído” gerado pela flutuação aleatória dos pequenos números. Também é possível identificar casos que confluem para um mesmo ponto, e, assim, obter aglomerados de eventos não aleatórios, cuja identificação é alvo de estudos na área de estatística espacial (BRASIL, 2007a).

Investigações apoiadas pelo geoprocessamento podem ser úteis para descrever e explicar o panorama da epidemia do HIV/aids, ao retratar as tendências atuais na disseminação da infecção e os padrões de adoecimento, definidos pelas condições de vida das pessoas com HIV. A título de exemplo, Stephan, Henn e Donalisio (2010) identificaram os processos de feminização da aids e padrões distintos de transmissão, caracterizados por questões de gênero e por aspectos socioeconômicos relacionados. Outro estudo revelou a prevalência da aids em bairros pobres e ressaltou a influência das desigualdades sociais no acesso a bens e serviços (TOMAZELLI; CZERESNIA; BARCELLOS, 2003). Em corroboração aos resultados anteriores, investigação realizada em Atlanta, EUA, revela aglomerados do HIV em regiões pobres. Também evidencia alta prevalência da infecção em áreas com populações de homens que fazem sexo com outros homens e usuários de drogas injetáveis (HIXSON et al., 2011). Ademais, pesquisa baseada em sistemas de informações georreferenciadas identificou na cidade de Nova York padrão geográfico até então desconhecido nas taxas de incidência da aids, com aglomerados espaciais da doença que compartilhavam características demográficas semelhantes e risco de transmissão do HIV (SHEPARD et al., 2011). Segunda outra investigação, utilizando SIG, pessoas que moram

longe de assistência primária em saúde eram significativamente mais predispostas à não aquisição da TARV (COOKE et al., 2010).

Pesquisas de geoprocessamento e análise geoespacial podem revelar padrões de distribuição da aids distintos em cada localidade estudada, de modo particular no Brasil, país de diversidade cultural e grandes disparidades socioeconômicas. Consoante evidenciado, a doença se comporta no país como um mosaico, com subepidemias em cada região brasileira, com perfis epidemiológicos do HIV/aids muitas vezes distintos em cada área, a refletir as diferentes realidades socioeconômicas do cenário brasileiro (PEREIRA et al., 2011). Assim, pode-se inferir a necessidade de investigações cada vez mais aprofundadas, no intuito de direcionar programas de controle do HIV, levando em conta as especificidades locais do adoecimento pela aids e os determinantes sociais de saúde relacionados aos diferentes contextos desse agravo.