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O STJ editou no dia vinte e dois de abril do ano de dois mil e nove, a Súmula 378, julgada pela Terceira Seção. A referida súmula dispõe que: “Reconhecido o

desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes.” (Brasil, 2010a).

Para chegar a essa súmula, o STJ teve várias decisões anteriores que acabaram virando julgamentos precedentes, culminando com a pacificação do assunto. Dentre esses julgamentos estão os Recursos Especiais nº 759.802 – RS (2005/0099310-9) julgado no dia seis de setembro de dois mil e sete e o de nº 1.091.539 – AP (2008/0216186-9), julgado no dia vinte e seis de novembro de dois mil e oito, dos quais passaremos a análise.

O primeiro Recurso Especial teve como recorrente a União e como recorrido a servidora pública. Sua Ementa prescreve:

DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. DESVIO DE FUNÇÃO. DIREITO À PERCEPÇÃO DAS DIFERENÇAS SALARIAIS.

[...]

3. Nas ações em que o servidor busca o pagamento de diferenças devidas a título de desvio funcional, enquanto não negado o direito, prescrevem apenas as parcelas vencidas nos cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação, nos termos da súmula 85/STJ.

4. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que, reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais dele decorrentes [...] (BRASIL, 2010b).

No seu relatório, o Ministro Arnaldo Esteves Lima colou o acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região que já havia ementado:

[...] 4. Comprovado o desvio funcional, pelo qual a servidora titular do cargo de agente administrativo desempenhou atribuições inerentes ao cargo de assistente social, são devidas as diferenças remuneratórias, por todo o período do desvio, sob pena de locupletamento ilícito da Administração Pública [...] (BRASIL, 2010b).

O Tribunal manteve a sentença de primeiro grau que julgou procedente a ação em que a recorrida, servidora pública federal vinculada ao Ministério da Saúde buscava o pagamento das diferenças de vencimentos entre o cargo de Agente Administrativo, da qual ela era titular, e o de Assistente Social, que exerceu em desvio de função de janeiro de 1988 até a sua redistribuição para o Ministério da previdência, em janeiro de 2001 (BRASIL, 2010b).

Segundo o relator, restou provado testemunhal e documentalmente pelo juízo de origem que a servidora realmente exerceu suas atividades em função desviante, sendo que o próprio Tribunal de origem confirmou a decisão e o STJ não pode mudá-la pois “infirmar tais fundamentos demandaria reexame do conjunto probatório dos autos, o que é vedado pela Súmula 7/STJ.” (BRASIL, 2010b). No seu voto, o Ministro relator utilizando de decisões anteriores do STJ e colacionando jurisprudências já afirmava que a Corte havia firmado o entendimento de que quando reconhecido o desvio de função, o servidor tinha direito às diferenças salariais. Notamos que realmente não demoraria muito para que esse entendimento fosse sumulado, o que ocorreu dois anos mais tarde que o Recurso Especial ora analisado. Os outros Ministros que participaram do julgamento, Srs. Napoleão Nunes Maia Filho, Jane Silva, Feliz Fischer e Laurita Vaz, acompanharam o voto do Ministro relator.

No segundo Recurso Especial, de nº 1.091.539 – AP (2008/0216186-9), recorrentes e recorridos foram o Estado do Amapá e a servidora pública, esta última autora da ação inicial.

A servidora era concursada no estado do Amapá no Cargo de Professora Classe A, cuja atribuição era ministrar aulas para as turmas de alunos de 1ª a 4ª séries. Ocorre que em alguns períodos entre os anos de 1996 e 2001, desempenhou funções típicas de Professora Classe B, cuja atribuição é lecionar para turmas de alunos de 5ª a 8ª séries. Buscou então na justiça o pagamento das diferenças salariais que não recebeu do Estado e ao mesmo tempo pediu para que fosse reenquadrada no Cargo de Professor Classe B.

No relatório (BRASIL, 2010c), a Ministra Maria Thereza de Assis Moura mencionou que o Juízo de primeiro grau condenou o Estado do Amapá a pagar à autora as diferenças de vencimentos entre as Classes A e B, com reflexos em férias e respectivo adicional, gratificação natalina e outras verbas devidas por força de lei, porém. O próprio Tribunal Federal após as partes recorrerem, manteve a sentença de primeiro grau em relação às diferenças salariais, porém não reconheceu a progressão de padrões e o enquadramento da servidora em outro cargo.

No voto, a Ministra relatora do STJ analisou a questão do desvio de função e da progressão funcional de maneira muito didática, sendo relevante transcrever o trecho abaixo:

[...] na hipótese de desvio de função, conquanto não tenha o servidor direito a ser promovido ou reenquadrado no cargo ocupado, tem ele direito às diferenças vencimentais devidas em decorrência do desempenho de cargo diverso daquele para o qual foi nomeado. [...]

Desse modo, considerando-se que cada classe funcional é dividida em vários padrões, o servidor ocupante de uma determinada classe tem direito à progressão funcional nos respectivos padrões, que exprimem seu crescimento funcional na carreira e implicam no aumento de seus vencimentos.

Nos casos de desvio de função, conquanto não tenha o servidor direito à promoção para outra classe da carreira, mas apenas às diferenças vencimentais decorrentes de exercício desviado, tem ele direito aos valores correspondentes aos padrões que, por força de progressão funcional, gradativamente seria enquadrado caso efetivamente fosse servidor daquela classe, e não aos valores devidos ao padrão inicial. (BRASIL, 2010c).

Por fim, votou a Relatora então dando provimento ao recurso da servidora pública, voto da qual foi acompanhada pelos Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi, Og Fernandes, Jane Silva, Nilson naves, Laurita Vaz e Arnaldo Esteves Lima. Da decisão do Recurso Especial em tela, lavrou-se a seguinte Ementa:

RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. ADMINISTRATIVO E

PROCESSO CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. PROFESSOR. DESVIO DE FUNÇÃO. (...) DIFERENÇAS VENCIMENTAIS DE ACORDO COM O PADRÃO QUE SE ENQUADRARIA O SERVIDOR SE FOSSE OCUPANTE DO CARGO DE PROFESSOR CLASSE B. OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.

[...]

4. Nos casos de desvio de função, conquanto não tenha o servidor direito à promoção para outra classe da carreira, mas apenas às diferenças vencimentais decorrentes do exercício desviado, tem ele direito aos valores correspondentes aos padrões que, por força de progressão funcional, gradativamente se enquadraria caso efetivamente fosse servidor daquela classe, e não ao padrão inicial, sob pena de ofensa ao princípio constitucional da isonomia e de enriquecimento sem causa do Estado [...] (BRASIL, 2010c).

Como visto, o STJ mudou o entendimento que muitos Tribunais vinham adotando e com a redação da súmula 378 se dirimiram as dúvidas que porventura ainda existissem sobre o julgamento do desvio de função. Diante do exposto acima, notamos que o próprio Tribunal de Justiça gaúcho tem seguido o entendimento

adotado pelo STJ e prolatado suas decisões a favor dos servidores que porventura agiram em desvio de função, reconhecendo que lhe são devidas as diferenças remuneratórias existentes.

CONCLUSÃO

Por fim, após a realização desse estudo monográfico pode-se perceber que o desvio de função no serviço público ocorre de várias formas, mas pode ser controlado. Para o bem da Administração Pública brasileira, há vários mecanismos de combate aos abusos cometidos dentro da esfera administrativa sendo que quem sai prejudicado não é apenas o servidor, mas a própria população que espera que o Estado sirva à sociedade de forma transparente e legal.

Todos os servidores ao ingressarem no serviço público possuem garantias e obrigações que lhe são impostas por lei, para exercerem suas atividades de forma eficaz. Não importando a forma de ingresso e o cargo que possuem, todos os funcionários públicos têm suas responsabilidades determinadas para que a máquina estatal possa funcionar de maneira correta e eficaz. Mesmo assim não é raro existir as funções exercidas de forma desviante e que mancham a reputação do serviço prestado pelo Estado.

Por tudo isso, foi muito importante a criação de formas de controle que se mostram eficazes quando utilizadas para dar um basta aos casos de desvios de funções existentes. Disso tudo se pode observar que tanto no seio da administração como externamente através de Tribunais de Contas e pelo Judiciário, as questões levadas a cabo são resolvidas. Nesse último, as decisões recentes tem demonstrado que saem ganhando os servidores públicos que recebem seus direitos que foram abusados de forma retroativa, e até mesmo toda a população do país, que indiretamente é beneficiada com a organização dentro dos órgãos públicos.

O serviço público de qualidade é aquele em que todos os agentes que agem em nome do Estado estejam desempenhando suas funções da maneira correta, sem abusos de poder, interesses pessoais ou serviços relapsos. É por isso que a fiscalização precisa e pode ser feita por todos, tanto na própria esfera administrativa onde ocorre o desvio de função, como por outros órgãos de controle como Tribunais de Contas, Judiciário e pela própria população que pode encaminhar suas reclamações e denúncias aos órgãos competentes.

Além da população ter um serviço público de melhor qualidade, os próprios servidores que estiverem envolvidos em casos de funções desviantes serão beneficiados com o cumprimento legal das atribuições que lhe são devidas, pois poderão exercer seus deveres de forma tranquila e terão os seus direitos respeitados.

É preciso que haja um engajamento geral de todos os cidadãos do país para que possamos ter mais eficiência nos serviços prestados à população, afinal esse é um dos princípios constitucionais da Administração Pública pelo motivo de que quem está sustentando a máquina pública são aqueles que pagam seus impostos e em troca recebem os serviços que são prestados pelo Estado.

Quando todos se conscientizarem da importância que tem o respeito às leis existentes, percebendo que tudo isso trará benefícios de forma geral para toda a Nação e lutarem pelo fim dos abusos e interesses pessoais na Administração, talvez poderemos sonhar com o dia em as ilegalidades existentes dentro do serviço público farão apenas parte da história de nosso país, contadas pelas pesquisas acadêmicas.

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