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II. METODOLOGIA

2. Mafalda

2.7. Análise das mudanças observadas

Enunciando os pontos principais, de forma a sintetizar a observação, segue-se um Panorama – Resumo da evolução clínica da Mafalda (Anexo M).

Relacionamento com os Pais

O relacionamento com a mãe desenrola-se num prisma muito superficial, estando esta pouco presente na vida da filha. Poderemos pensar que este relacionamento superficial se prende com o facto de Mafalda ter passado os primeiros anos de vida com os tios paternos, que cuidaram dela desde o primeiro ano de idade até a entrada para o jardim infantil. Esta separação (dos tios) deverá ter sido vivida com muito sofrimento pela Mafalda pois, em simultâneo, teve de lidar com a separação de outras pessoas com quem viveu várias etapas de desenvolvimento cruciais e teve, também, de se adaptar a uma nova residência, dormindo sozinha no seu quarto e não com os progenitores. Embora existisse um período de tempo semanal durante o qual ela e a mãe estão sozinhas (sábado de manhã) este era passado numa grande azáfama nas compras. Mesmo durante este período, a comunicação entre as duas centrava-se em factos momentâneos (ex.: o que comprar), não existindo um espaço para

verbalizar aspectos mais profundos, nomeadamente sentimentos e emoções. Ao longo das sessões Mafalda foi modificando a forma como descrevia e consequentemente, pensava a mãe. Numa primeira fase a mãe era descrita como muito trabalhadora e ocupada com as actividades do café, contudo esta visão da mãe foi substituída por uma vertente mais desidealizada. A mãe tem um problema cardíaco e enerva-se com facilidade, Mafalda sente que esta recorre ao facto de ter um problema cardíaco como vantagem pessoal, sendo isto sentido como algo extremamente desadequado e desagradável.

O pai representa um papel muito importante na vida da filha. No entanto, este estabelece regras que têm dupla função, controlá-la (ex.: acompanhá-la á escola de manhã, desculpando- se que desta forma pratica exercício) e protegê-la. Preocupa-se muito com a filha, não só com os motivos que poderão ter estado na origem do despontar da doença como também na forma como ela vivencia a sua adolescência, o que ela sente.

Ao longo das sessões o pai acedeu a dar-lhe indícios que percebia que ela estava a crescer, pedindo a sua opinião relativamente a pequenos acontecimentos ou escolhas que ele teria de realizar no dia-a-dia (envolvendo-a em pequenas decisões relacionadas com o café). Aceitou, também, que esta se inscrevesse num ginásio embora não compreende-se o verdadeiro motivo e transmitiu-lhe de forma indirecta que era importante para ela estabelecer novas amizades na escola, incentivando-a a não desistir perante as adversidades.

Relacionamento com os Irmãos

O relacionamento com os irmãos oscila entre momentos de companheirismo e partilha, nos quais os irmãos procuram auxiliá-la no que podem (vão correr com ela, ajudam-na em pesquisas na internet, compram-lhe um aparelho de musculação), mas por outro lado não permitem que cresça (episódio em que simulam ser ela na internet). No entanto, Mafalda também demonstrou alguma dificuldade em aceitar que os irmãos são jovens adultos, com uma sexualidade própria e com desejos de independência diferentes dos seus.

Relacionamento com a Amiga e o Primo

O primo foi o grande suporte emocional de Mafalda ao longo das sessões, aprofundaram vivencias e sentimentos, auxiliando-a a expressar-se a vários níveis. A mãe deste teve um papel fulcral na vida de Mafalda: foi a sua conselheira e confidentes, orientando-a nas questões mais femininas.

Nas primeiras sessões transmitiu não ter amigos. No entanto, ao final de seis meses mostrou ter a coragem de ser ela própria e permitir que uma colega de turma partilhasse o seu espaço pessoal, sendo esta a sua primeira grande amiga. Embora tivesse uma relação muito próxima com o primo, esta nova amiga permite-lhe a partilha de sentimentos e vivencias, assim

como a auxilia na Autonomia relativamente aos pais. Associado a uma procura de novas amizades, Mafalda adoptou alguma Autonomia emocional relativamente aos pais, nomeadamente ao estabelecer novas amizades sem o conhecimento ou aprovação dos pais.

Um corpo em mudança e a expressão da sexualidade

Relativamente à forma como se apresentava nas consultas, o vestuário e a postura adoptada sofreram mudanças significativas: na primeira sessão apresentou-se com um vestuário pouco feminino, contrastando com as sessões que sucederam o Verão – roupas extremamente femininas, dando um destaque aos acessórios e ao cabelo. Embora nas primeiras sessões Mafalda verbalizasse uma enorme preocupação em engordar, esta postura foi sofrendo alterações ao longo da Intervenção Psicológica Individual. Ao ser confrontada com um novo corpo em mudança que lhe transmite surpresa e receio em simultâneo, Mafalda procurou informar-se sobre um ginásio onde pudesse realizar actividade física, sendo necessário salientar que numa primeira fase os pais não concordavam com esta sua ideia. Durante o período de tempo em que decorreram as sessões, aprendeu a lidar com o seu corpo e com uma sexualidade emergente. Sentiu-se atraída sexualmente por um amigo do primo, com o qual estabeleceu um laço afectivo, não existindo uma componente mais física no relacionamento por Mafalda não se sentir preparada.

Mudanças significativas

O facto de Mafalda desejar mudar de escola foi um motivo de conflito com os pais pois vincou a sua posição sendo isto sentido como um confronto. Perante as adversidades Mafalda não desistiu e embora saiba que o facto de insistir não iria alterar o decurso dos acontecimentos, adaptou-se à situação e procurou estabelecer amizades na escola que frequenta. Desenvolveu nos últimos meses progressos notáveis a vários níveis: começou a pensar por si mesma, apoiando-se na opinião dos outros mas decidindo sozinha, procurou estar menos tempo isolada e mais tempo na companhia dos outros, descentrou-se do seu corpo e estabeleceu novas relações com pessoas da sua idade. No contacto corpo a corpo, Mafalda está muito mais liberta, o seu olhar vivo transmite felicidade e esperança no futuro.

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