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II. METODOLOGIA

1.7. Análise das Mudanças observadas

Enunciando os pontos principais, de forma a sintetizar a observação, segue-se um Panorama – Resumo da evolução clínica da Clara (Anexo F).

Relacionamento com os Pais

A relação de Clara com a progenitora desenrola-se num plano factual, a mãe forneceu-lhe o suporte material básico e necessário, mas não o suporte emocional. Desde muito pequena solicitou a presença da mãe, de forma inconsciente, através da somatização: esteve duas vezes hospitalizada, aos 4 e aos 6 anos, ambas por motivos respiratórios, em períodos em que a separação (emocional) da mãe era eminente (nascimento do irmão e a entrada na escola).

Clara sofre uma grande pressão por não corresponder às expectativas da mãe, sente-se culpada por não poder auxiliar nas lides domésticas e, simultaneamente, não ter melhores resultados escolares. Colocando a sua vida em risco, desobedeceu às indicações dos técnicos, persistindo na realização das tarefas domésticas e deslocando-se à escola para realizar os testes.

Com o falecimento da avó materna e o afastamento gradual da prima, sentiu-se muito desamparada. No dia do 1º aniversário da morte da avó, viveu a situação como se de um abandono se tratasse, censurou o facto da mãe não estar com ela e ignorar os seus sentimentos. Na sequência do vivido neste dia, Clara verbaliza que gostaria de ter alguém com quem desabafar e partilhar vivências.

A semelhança da relação que Clara estabelece com a mãe, a sua relação com o pai pauta-se por uma ligação num prisma factual. Partilhando gostos literários e actividades recreativas (desportos na neve), contudo excepcionalmente conversam ou partilham momentos de maior intimidade/afecto. Durante as sessões, são diversas as verbalizações sobre o sentimento de desamparo, comentando que gostaria que ele dispensasse menos tempo à actividade laboral. Ao longo da Intervenção Psicológica Individual, houve uma maior procura por parte do pai, de estar mais presente na vida da família, inclusivamente desmarcou um curso laboral importante para poder usufruir de umas férias em família.

Apesar de não apresentar quaisquer dificuldades ao nível do sono e não existirem limitações no espaço físico da casa, Clara dormiu no quarto dos pais (num colchão aos pés da cama do casal) durante muitos anos, tendo diminuído gradualmente este comportamento com o desenrolar das sessões, o que é um indicio de que o seu processo de individuação ainda não tinha sido totalmente conseguido. Para que fosse possível a separação do quarto dos pais e a diferenciação da permanência no próprio quarto, era necessária a existência constante de um suporte auditivo para se conter (televisão ligada). Apesar de haver uma tentativa à autonomia, ainda há um grande apego à figura materna, sendo ela que desliga a televisão quando a filha já está a dormir – desta forma transmite que ainda necessita de um objecto transitivo no período diurno, a mãe deixa de ser o objecto directo de contenção mas está envolvida neste movimento de autonomia. Gradualmente substituiu progressivamente este comportamento, sendo que na actualidade dorme apenas com uma pequena luz de presença.

Ao longo das sessões descentrou-se dos problemas familiares, das expectativas dos progenitores e, simultaneamente, desenvolveu capacidades que lhe permitirão uma progressiva autonomização emocional dos progenitores.

Relacionamento com o Irmão

A relação com o irmão era sentida como conflituosa. Clara manifestou alguma dificuldade em aceitar que ele não a valorizasse por estar doente e numa das primeiras sessões demonstrou alguma mágoa por esta indiferença. Inicialmente, por ser incapaz de se colocar no papel do Outro, não conseguia conceber que este também estava a viver um período difícil, visto ela ter um papel de relevo no seio familiar.

No desenrolar das sessões, são descritos episódios nos quais demonstra ciúmes excessivos por o irmão insistir no pedido de também ter refeições personalizadas. Gradualmente, Clara foi realizando pequenos comportamentos de Autonomia relativamente à família, assim como adquiriu a capacidade de dialogar com os outros, explicando os seus pontos de vista de forma sucinta (Autonomia Comportamental e de Valores), sendo uma das principais alterações a diminuição dos conflitos com o irmão.

Relacionamento com Avó Materna e a Prima

Tendo em conta os dados recolhidos da sua história familiar e do que Clara me transmitiu ao longo das sessões, a avó materna era a sua Figura de Relação preferencial, foi com esta avó que permaneceu a maior parte da sua vida, com quem partilhava vivências.

A prima tem um papel de destaque na vida de Clara pois foi na sua companhia que passou os primeiros anos de vida, em casa da avó materna. Durante o desenrolar da sua patologia, foi apenas com a prima que exprimiu o que sentia. O falecimento da avó coincidiu com a ingressão de ambas no 10º ano, tendo ambas optado por escolas diferentes, a esta separação física esteve associada uma separação emocional, fazendo-nos pensar que esta cisão foi incentivado pelo facto de Clara estar muito centrada nas suas vivências, nos seus problemas, possivelmente não dando espaço à prima para se exprimir. A reaproximação de ambas coincidiu com uma fase do Acompanhamento Individual na qual Clara estava mais receptiva ao exterior, à relação. Relativamente aos comportamentos que indicam um aumento de Autonomia Comportamental, verificou-se que durante o Verão foi responsável pela sua alimentação e os horários de entrada/saída de casa eram mais flexíveis (maior responsabilização parental).

Relacionamento com o Namorado e a Relação com o Corpo

Clara teve um namorado, porém a comunicação entre ambos cingia-se ao nível factual. Não existiu envolvimento físico entre os dois, sendo apenas bons amigos. Os pais não tiveram conhecimento da existência deste namoro, Clara não abordou este assunto por recear que os pais não compreendessem o facto dela já ser uma adolescente (e não uma criança) e, consequentemente, ter impulsos de cariz sexual e maturidade para estabelecer uma relação fora do seio familiar. Abordar o facto de ter um corpo sexuado foi algo constrangedor para Clara, que desvalorizou os impulsos sexuais e a possibilidade de poder engravidar.

Nas últimas sessões, verbalizou algum desconforto face à possibilidade de contacto físico com o Outro, bem como manifestou alguma sensibilidade perante a possibilidade de visualização de sangue ou ferimentos. Esta recusa do contacto tem um pólo muito regressivo principalmente pelo facto da isto lhe estar associado uma noção de repulsa. Tal como foi visível na prova Rorschach e no T.A.T., estamos perante uma dificuldade ao nível da diferenciação interno-externo, do Eu e do Outro, sendo isto expresso nos seus relacionamentos.

Relacionamento com as Amigas

Nas primeiras sessões verificou-se uma idealização do grupo de pares (visto terem um contacto meramente escolar). Apenas com o decorrer das sessões se verificou, na verbalização de Clara, o distanciamento das amigas. Com o decorrer da Intervenção Psicológica Individual

verificaram-se algumas melhorias nestes relacionamentos, sendo que actualmente está verdadeiramente envolvida no grupo de pares, sendo que o relacionamento não se circunscreve ao âmbito escolar. Ao longo das sessões foi trabalhada a questão da Autonomia Comportamental visto sentir necessidade de realizar comportamentos semelhantes aos dos outros elementos do grupo, tais como: encontrarem-se ao fim de semana, participar em jantares e saídas nocturnas e dormir na casa das amigas no seguimento de Festas do Pijama. No entanto, apesar de sentir ciúmes das amigas por dormirem juntas após estas festas, mostrou-se reticente em dormir fora de casa. Embora num primeiro momento parecesse que o motivo se prendia com os pais não o permitirem, ao longo das sessões foi notório que o verdadeiro motivo se prendia com o facto de ela recear dormir fora de casa, evidenciando-se as dificuldades ao nível da separação.

Na sequência de ter verbalizado que receava uma diminuição dos resultados escolares por ter faltado às aulas, houve uma procura de encontrar estratégias para se autonomizar (contratar uma explicadora particular) e, simultaneamente se separar “dissimuladamente” dos pais (e de uma forma latente promover de alguma forma uma separação/autonomização face ao casal parental), recorrendo assim ao trabalho de grupo como estratégia de transmissão, partilha e clarificação de conhecimentos. Na última sessão tinha o seu grupo de estudo na escola, sentindo-se orgulhosa com o facto de não depender tanto dos pais.

A relação com as amigas sofreu grandes alterações pois Clara realizou mudanças ao nível da Autonomia Emocional e Comportamental. Por um lado começou a tomar decisões independentes e a agir de acordo com as mesmas, por outro diferenciou-se emocionalmente dos pais e apoiou-se no grupo de pares, identificando-se e construindo “modelos” de comparação enquadrados consigo e com o seu desenvolvimento, assim obteve um termo de comparação relativamente às decisões a tomar.

Mudanças significativas

Foi no campo dos projectos profissionais futuros que Clara deu um autêntico «salto» ao nível da Autonomia de Valores e da Autonomia Emocional. Apesar dos pais terem a aspiração dela ingressar no curso de Medicina, Clara encontrou dentro dela recursos suficientes para pensar na possibilidade de ir contra esse desejo dos pais e confrontar-se com as suas dificuldades no exercício de tal profissão (sensibilidade face ao sangue, aos conteúdos anatómicos). Muito embora se possa destacar pela positiva o facto de Clara se colocar perante o Outro e se identificar com o grupo de pares, isto trouxe-lhe alguns conflitos. Estes foram verbalizados como bastantes desconfortáveis, uma vez que ela se sentia insegura e angustiada por não conseguir, a semelhança das amigas, decidir o seu futuro profissional.

Quando foram iniciadas as sessões, Clara vivia muito auto-centrada e extremamente dependente da família para adoptar posições. Relativamente às interacções familiares, estas eram praticamente inexistentes, sendo as refeições um exemplo disso: feitas isoladamente, como tal houve uma procura para que a família as realizasse em conjunto. No entanto, ao início estas eram vividas sob um enorme tensão pois o pai procurava que Clara se alimentasse, sendo que ela não achava ser necessário. Os pratos de Clara começaram a ser elaborados na cozinha e foi acordado com a família que não poderiam tecer comentários durante a refeição, desta forma a responsabilidade de se alimentar cabia apenas a Clara. Tendo como objectivo alterar a forma como esta se relaciona com o exterior, foram trabalhadas diversas estratégias que a poderiam auxiliar na verbalização dos sentimentos. Ao longo das sessões, por ter de organizar as suas vivências diárias e, simultaneamente, ao ter consciência do que era verbalizado, apercebeu-se de algumas incongruências das condutas dos progenitores (transmitirem verbalmente a necessidade dela melhorar a sua saúde física e simultaneamente pactuarem com o encobrimento da realização dos testes na escola, infringindo a «ordem» dos técnicos), o que teve como consequência a progressiva desidealização dos pais. Simultaneamente, apesar de resolver a maioria dos seus problemas, nomeadamente ao nível académico e afectivo, sem a interferência dos pais, verificou-se que relativamente a outros aspectos – projectos futuros, problemas do dia-a-dia – Clara está ainda a realizar uma aprendizagem gradual para os resolver, futuramente, sozinha.

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