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ANÁLISE DA OBRA EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA: LÍNGUA E LINGUAGEM EM QUESTÃO

O livro Emília no País da Gramática foi publicado em 1934 e tornou-se uma das obras-primas do autor Monteiro Lobato e um dos livros mais encantadores e instigantes até hoje escritos por tratar-se de um verdadeiro “passeio” pela Língua Portuguesa, disciplina escolar que tanto faz sofrer crianças e adultos.

Com seu estilo único e inovador, Lobato classifica a Língua Portuguesa como se fosse um “país” onde estão todos os elementos gramaticais presentes no idioma. Porém, não se trata de contar uma história sobre o português e, sim, mostrá-lo, analisá-lo e, a partir desta análise, propor mudanças que o transformassem em uma disciplina mais acessível e atraente para todos, sobretudo, o seu público-alvo: as crianças.

A idéia de escrever o livro surgiu, entre outros motivos, da experiência pessoal de Lobato ao sofrer, quando criança, uma reprovação, por não ter conseguido decorar os verbos, prática comum nas escolas tradicionais da época, mas que marcou para sempre a vida do autor que passou a preocupar-se em evitar que outras crianças passassem pela mesma situação, propondo, assim, uma obra paradidática a ser usada nas instituições para ensino da Língua Portuguesa.

A dolorosa experiência da reprovação ocorrida aos catorze anos de idade é escrita em detalhes ao fiel amigo Godofredo Rangel que, por ser professor, lidava com crianças:

Da gramática guardo a memória dos maus meses que em menino passei decorando, sem nada entender, os esoterismos do Augusto Freire da Silva2. Ficou-me da ‘bomba’ que levei, e da papagueação, uma revolta surda contra a gramática e gramáticos, e uma certeza: a gramática fará letrudos, não faz escritores. (MATTOS, Maria Augusta Bastos de. In: www.unicamp.br – acesso em 30/10/07).

2 Augusto Freire da Silva era português e foi professor de Lobato. Em 1879, publicou Compêndio da Gramática

Em outra carta, Lobato desabafa toda esta revolta contra a gramática:

Aqui em São Paulo o brontossauro da gramática chama-se Alvaro Guerra3, um homem que anda pela rua derrubando regrinhas como os fumantes derrubam pontas de cigarro. As regras desse homem tremendo, quando vem ao bico da pena dos escritores, matam, como unhas matam pulgas, tudo o que é beleza e novidade de expressão – tudo o que é lindo mas a Gramática não quer (grifo do autor). (Id. In:

www.unicamp.br – acesso em 30/10/07).

Analisando-se os trechos anteriores, é fácil entender o motivo de Monteiro Lobato denominar os gramáticos de “carranças” em sua obra sobre o idioma que ele dominava de forma tão mágica e criativa.

A idéia da viagem ao País da Gramática surge, como esperado, da mente curiosa de Emília ao observar Pedrinho estudando português com Dona Benta. Neste momento, o autor, através do menino, critica a maneira como os professores da época ensinavam as crianças:

Dona Benta, com aquela sua paciencia de santa, estava ensinando gramatica a Pedrinho. No começo Pedrinho resingou.

- Maçada, vovó. Basta que eu tenha de lidar com essa caceteação lá na escola. As férias que venho passar aqui são só para brinquedo (…).

- Mas, meu filho, se você apenas recordar com sua avó o que anda aprendendo na escola, isso valerá muito para você mesmo, quando as aulas se reabrirem. (…)

Pedrinho fez bico, mas afinal cedeu (…).

- Ah, assim, sim! dizia ele. Se meu professor ensinasse como a senhora, a tal gramatica até virava brincadeira. Mas o homem obriga a gente a decorar uma porção de definições que ninguem entende. Ditongos, fonemas, gerundio… (LOBATO, 1952, p. 3). 4

Antes mesmo de publicar a obra Emília no País da Gramática, Monteiro Lobato já demonstrava preocupação com a forma como as crianças aprendiam a Língua Portuguesa nas escolas. Para ele, o ensino do idioma brasileiro deveria atualizar-se e tornar-se mais atraente. Por isso, ao conhecer o educador Anísio Teixeira durante estada de Lobato nos Estados Unidos, tornam-se amigos e passam a corresponder-se com freqüência. Nestas cartas, são

3

Álvaro Guerra, gramático brasileiro. Foi professor de português de Sérgio Buarque de Holanda. (ALBIERI, 2005, p. 84).

discutidas questões sobre educação e, principalmente, as idéias sobre a chamada “Escola Nova” defendidas por Anísio.

Em uma destas cartas, Lobato demonstra toda a sua admiração em relação ao recente amigo e suas idéias inovadoras.

Você me deu um grande prazer hoje – neste estúpido e arrepiado Domingo de chuvisco insistente. Imagine que ontem o Fernando [de Azevedo] deu-me aquele volume de manifesto ao povo e ao governo sobre educação para que o lesse e sobre ele falasse num artigo. E essa intimação do Fernando arrancou- me á faina a petrolífera em que vivo mergulhado até as orelhas. Resolvi consagrar este domingo á educação.

Comecei a ler o manifesto. Comecei a não entender, a não ver ali o que desejava ver. Larguei-o. Pus-me a pensar – quem sabe está nalgum livro do Anísio o que não aqui – e lembrei-me de um livro sobre a educação progressiva que me mandaste e que se extraviou no caos que é a minha mesa. Pus-me a procurá-lo, achei-o. E cá estou, Anísio, depois de lidas algumas páginas apenas, a dar berros de entusiasmos por essa coisa maravilhosa que é a tua inteligência lapidada pelos Deweys5 e Kilpatricks.6

Eureca! Eureca! Você é o líder, Anísio! Você é que há de moldar o plano educacional brasileiro. Só você tem a inteligência bastante clara e aguda para

ver dentro do cipoal de coisas engolidas e não digeridas pelos nossos

pedagogos reformadores. Acho que antes de reformarem qualquer coisa ou proporem reformas os mais adiantados e ilustres dos líderes educacionais do momento o que devem fazer é reformar-se a si próprios, isto é, aposentarem- se e sairem do caminho.

Eles não entendem a vida, Anísio. Eles não conhecem, senão nomes, aqueles píncaros (Dewey ε Co.) por cima dos quais você andou e donde pôde descortinar a verdade moderna. Só você, que aperfeiçoou a visão e teve o supremo deslumbramento, pode, neste país, falar de educação.

Vou ler o teu livro como nunca li nenhum. Degustado, penetrando, deslumbrando-me em ver expressas nele idéias que me vieram por gestação, intuitivamente. E depois te escreverei. (Carta provavelmente de 1932. Conversa entre amigos: correspondência escolhida entre Monteiro Lobato e Anísio Teixeira apud ALBIERI, 2005, p. 28).

Além de elogiar o amigo, Anísio Teixeira por seus conceitos sobre educação, Lobato aproveita para “alfinetar” os pedagogos da época afirmando que nada entendiam da vida e, por isso, deveriam aposentar-se para dar lugar à pessoas mais competentes e, sobretudo, com idéias que pudessem revolucionar a escola brasileira.

5 John Dewey (1859-1952) foi um famoso pedagogo americano, divulgador dos princípios da chamada “Escola

Nova” (www.centrorefeducacional.com.br – acesso em 21/06/08).

6

William Heard Kilpatrick (1871-1965), discípulo de Dewey, destacou-se pelo seu “método de projetos” que poderiam ser manuais de descoberta, de competição e de comunicação. (www.faculdadeamadeus.com.br – acesso em 21/06/08).

É nesse contexto que Anísio Teixeira se faz muito presente na vida literária de Lobato no que diz respeito às obras paradidáticas, sobretudo, Emília no País da Gramática, pois dá ao autor a base teórica sobre a chamada “Escola Progressiva” ou “Escola Nova” de que ele necessitava para seguir a linha de pensamento que havia iniciado com a publicação de

Reinações de Narizinho.

O conceito doutrinário acerca desta escola renovada e moderna, é explicado pelo próprio Anísio em um de seus livros sobre educação:

1) Uma escola de vida e de experiencia para que sejam possiveis as verdadeiras condições do ato de aprender.

2) Uma escola onde os alunos são ativos e onde os objetos formem a unidade típica do processo de aprendizagem. Só uma atividade querida e projetada pelos alunos pode fazer da vida escolar uma vida que eles sintam que vale a pena viver.

3) Uma escola onde os professores simpatizem com as crianças que só através da atividade progressiva dos alunos podem eles se educar, isto é,

crescer, e que saibam ainda que crescer é ganhar cada vez melhores e mais

adequados meios de realizar a propria personalidade dentro do meio social onde se vive. (TEIXEIRA, 1934, apud ALBIERI, 2005, p. 29). (Grifos do autor).

Os conceitos descritos estão presentes na obra lobatiana quando da descrição do Sítio do Picapau Amarelo e de seus habitantes. Todos ali “vivem” o aprendizado e crescem com ele, mesmo Dona Benta que, a cada aventura, renova seus conhecimentos e atualiza-se como pessoa.

E esta experiência é passada para as crianças, leitores de Lobato, que entram em contato com uma forma inusitada de fazer literatura infantil, pois não se trata de obras com o objetivo de passar-lhes lições de moral porque, ao vivenciar as aventuras escritas nos livros e participar intensamente do universo lobatiano, as crianças aprendem a refletir, criticar e, conseqüentemente, decidir o que é certo ou errado. Por isso, todos os personagens apresentam-se como realmente são e explicitam, sem receio, o que pensam umas das outras, além de expor francamente os seus sentimentos, tendo, apenas, a ética como diretriz para as suas atitudes.

Assim, as idéias de Anísio ajudaram e muito o escritor Monteiro Lobato a elaborar e ordenar seus conceitos para conceber obras paradidáticas tão interessantes e, sendo crítico e dotado de um senso de humor ímpar, não havia o menor risco de tais livros não alcançarem o sucesso que tiveram entre as crianças e, até adultos, pois como a doutrina da “Escola Nova” sugeria, o centro do aprendizado é o aluno e, na obra lobatiana, o centro de tudo é o seu leitor, ou seja, a criança.

Por ter sempre em mente a criança, o autor mescla, em suas obras, ingredientes irresistíveis ao mundo infantil, como as atitudes irreverentes e ousadas da Emília, a forma saudável e curiosa de Narizinho e Pedrinho descobrirem o conhecimento e o vivenciarem, a maneira esclarecedora e lúdica de Dona Benta para explicar até o mais difícil, além de um lugar perfeito onde as coisas mais simples possuem um encanto próprio e podem, de um momento para outro, tornar-se uma aventura inesquecível, como é o episódio do livro

Reinações de Narizinho em que a protagonista da história descobre no ribeirão que passa

dentro do Sítio um reino – o Reino das Águas Claras. Lá, existe um príncipe, o Príncipe Escamado, que se casa com Narizinho.

Neste exemplo, percebe-se a mescla do real e do maravilhoso na narrativa lobatiana, que tanto agrada aos seus leitores. Não há nenhum espanto quando todos comparecem ao casamento de Narizinho com o Príncipe Escamado no Reino das Águas Claras, o que também ocorre em relação ao passeio para o País da Gramática sugerido por Emília.

Além disso, pode-se notar que o uso da palavra “passeio” foi proposital, pois indica que as crianças ciceroneadas pelo “sabidão” rinoceronte irão descobrir, vivenciar, experimentar situações com prazer e não por obrigação, como ocorria nas escolas.

Em carta endereçada ao amigo Anísio Teixeira, é evidenciada esta mescla do real com o maravilhoso na própria expressão de Lobato das suas idéias e intenções em relação à obra paradidática de maior sucesso do universo literário até os dias atuais:

(…) Estou escrevendo Emília no pais da Gramática. Está saindo estupendo. Inda agora fiz a entrevista de Emília, na qualidade de repórter do Grito do

Pica-Pau Amarelo, um jornal que ela vai fundar no sítio, com o

Venerabilíssimo verbo SER, que ela trata respeitosamente de Vossa Serência! Está tão pernóstica, Anísio, que você não imagina.

Estamos pensando no J. Carlos para ilustrar este livro. Aqui não vejo nenhum desenhista capaz. Ou, se a Emília soubesse desenhar… (Carta de 21/11/1933. NUNES, Cassiano, 1986, apud ALBIERI, 2005, p. 54).

Percebe-se que, mesmo em sua correspondência pessoal, Monteiro mantém o seu peculiar senso de humor e expressa suas idéias em relação à sua obra como se todos os personagens e o próprio Sítio fossem reais. Para ele, não há distinção entre o que é verdadeiro e o que é fantasioso e, conseqüentemente, este sentimento fica explícito em tudo o que escreve.

Pode-se, tambérm, observar que o fato de Emília ser a repórter de um jornal inexistente, batizando-o, ainda, de “O Grito do Pica-Pau Amarelo”, é, em si, um indício do que representa a “língua” para o autor: algo libertário e que deve ser utilizado para comunicar.

Em uma carta endereçada a um menino chamado Gilson, o comportamento do autor de mesclar os mundos real e fantasioso é ainda mais evidenciado, além do tratamento fácil e amistoso dado a todas as crianças fora do mundo literário:

Senhor Gilson:

Recebi suas duas cartas e se não respondi a primeira foi porque a Emília andava a me amolar com seu passeio ao país da Gramática. Afinal, a diabinha fez o tal livro, com quase cem desenhos de Belmonte, e agora estou a rever as provas tipográficas para que saia sem nenhum erro. Emília não quer saber de erros nos livros que ela aparece.

Lá pelo fim deste mês talvez o livro saia – e você, senhor Gilson, vai aprender muita coisa brincando. O rinoceronte está mais sabido que todos os gramáticos do Brasil juntos. Ele é que acompanhou a criançada pela cidade da língua e foi explicando tudo.

(…) Ele [o Visconde] também foi passear na terra da gramática e lá fez uma coisa muito interessante, que você verá quando sair o livro. Não conto para não tirar a graça.

Emília está com uma idéia de escrever as memórias da Marquesa de Rabicó. Mas será que ela tem tanta coisa para contar? A vidinha dela é tão curta. Memórias só os velhos devem escrever, não acha?

O poço de petróleo está com 800 metros. Temos de furar até mil. Se sair petróleo, vai ser uma beleza. O Visconde irá montar uma refinaria para fazer gasolina e Emília vai comprar uma dúzia de automóveis para gastar a gasolina que o Visconde fizer.

Você não imagina como é interessante a vida no sítio de dona Benta. Todos os dias acontecem coisas do arco da velha.

A meninada deste país inteiro anda assanhada para ir passear por lá, mas dona Benta não quer. Costuma dizer: “Se estes meus dois netos, mais essa pestinha da Emília, me dão tanto trabalho imaginem se vem para aqui essa criançada toda do Brasil afora?” Se não fosse isso não haveria lugar no mundo para um menino como você passar umas férias. Eu só queria ver você lutar com o Rabicó. Sabe que ele é um bicho no boxe? Põe o Visconde a nocaute num round7. Mas com o rinoceronte não se mete – por causa daquele chifrão na testa.

Adeus, mestre Gilson. Parabéns por ter lido a História do mundo. É lindo que os meninos aprendem, por isso não perca a Gramática da Emília. Adeus. (Carta de 1934 apud ALBIERI, 2005, p. 51).

É evidente a fusão de relatos da vida real com situações fantasiosas. Neste período, Lobato estava, realmente, envolvido na empresa por ele fundada, ao lado de outros patrocinadores, para a exploração do petróleo e tal fato é descrito na carta mesclado com a possibilidade de seus personagens literários virem a participar desta empreitada: “Se sair petróleo, vai ser uma beleza. O Visconde irá montar uma refinaria (…)”. E, confirmando o comportamento rebelde e transgressor de sua “porta-voz”, “(…) Emília vai comprar uma dúzia de automóveis para gastar a gasolina que o Visconde fizer.”

Exatamente como fazia em seus livros, Monteiro Lobato não separa, no seu cotidiano, o real do maravilhoso, transformando sua vida numa verdadeira fábula, além de apresentar um talento comercial latente ao parabenizar Gilson por ter lido uma de suas obras e já oferecer- lhe outras em seguida, garantindo-se, assim, um leitor fiel.

Com a publicação do livro Emília no País da Gramática, várias escolas o adotam como auxiliar no ensino de Língua Portuguesa para as crianças. Lobato recebe convites para palestras e cartas do Brasil inteiro. De vontade própria, ele doa milhares de exemplares para escolas e bibliotecas localizadas em vários municípios brasileiros.

O sucesso do livro é estrondoso, e a proposta de Monteiro Lobato, influenciada com os conceitos educacionais de Anísio Teixeira, de que o ensino deveria ser algo prazeroso e, não, feito por obrigação passa a ter um forte embasamento teórico, pois sua obra é um tratado de reforma para a simplificação da Língua Portuguesa ensinada no Brasil.

Em carta endereçada ao amigo Oliveira Viana, Lobato descreve a repercussão deste sucesso entre aqueles que realmente interessavam ao autor: as crianças.

(…) Vale como significação de que há caminhos novos para o ensino das matérias abstratas. Numa escola que visitei a criançada me rodeou com festas e me pediram: “Faça a Emília no país da Aritmética”. Esse pedido espontâneo, esse grito d’alma da criança não está indicando um caminho? O livro como o temos tortura as pobres crianças – e no entanto poderia divertí- las, como a Gramática da Emília o está fazendo. Todos os livros podiam tornar-se uma pândega, uma farra infantil. A química, a física, a biologia, a geografia prestam-se imensamente porque lidam com coisas concretas. O mais dificil era a gramática e é a aritmética. Fiz a primeira e vou tentar a segunda. O resto fica canja.

O Anisio Teixeira acha que é toda uma nova metodologia que se abre. Amém. (carta de 15.08.1934 apud ALBIERI, 2005, p. 93).

Porém, não são apenas as crianças que ficam encantadas com o livro sobre gramática escrito por Lobato. O escritor Jorge Amado (1935 apud ALBIERI, 2005, p. 40) tece elogios à obra lobatiana e ressalta sua capacidade de saber trabalhar a palavra:

(…) De Lobato há um Emília no país da Gramática, que é uma obra-prima, um livro delicioso. Um livro que escrito em outra língua não a portuguesa daria celebridade e fortuna ao autor. (…) Lobato tem outra grande virtude para os pequenos leitores: a linguagem. Ele sabe a palavra que deve usar no livro infantil e isto é difícil.

O segredo do livro Emília no País da Gramática, como afirmou Jorge Amado em sua crítica, é a linguagem e a forma como Lobato a trabalhou. Também a escritora Nelly Novaes Coelho destaca os atributos principais da “linguagem lobatiana”: “(…) fluente, coloquial, objetiva, despojada e sem retórica ou rodeios, o que ‘agarra’ de imediato o pequeno leitor”. (COELHO, 1987, apud ALBIERI, 2005, p. 86).

Esta linguagem especial e inovadora desenvolvida e tão bem conduzida por Lobato em suas narrativas que os escritores Jorge Amado e Nelly Novaes tanto elogiaram deve-se, com certeza, ao fato de o criador do Sítio do Picapau Amarelo não se conformar com a forma que o ensino da Língua Portuguesa era realizado nas escolas e ao uso da mesma pelos intelectuais da época que seguiam as normas do português lusitano.

Além disso, defendia o uso da língua como ferramenta de poder e, por isso, todas as suas formas eram válidas, sobretudo, as utilizadas pelo povo, considerado por Lobato como dono verdadeiro de um idioma e o único a conseguir modificá-lo.

Em uma carta endereçada ao amigo Godofredo Rangel, o escritor critica os gramáticos e seu hábito de classificar a língua como se fossem açougueiros, utilizando-se, para isso, a linguagem própria e bem-humorada, marcas da escrita do autor:

(…) Grande bem me fazes com a denuncia das ingramaticalidades. (…) No intento de apressar a coisa [abandonar o estilo de escrita do português europeu], voltei-me para a gramática (…). Impossível. O engulho voltou-me (…). Dá-me a ideia dum morgue8

onde carniceiros de óculos e avental esfaqueam, picam e repicam as frases, esbrugam as palavras, submetem-nas ao fichário da cacofonia grega. A barrigada da língua é mostrada a nu, como a dos capados nos matadouros (…). E entreguei-me a aprender, em vez de gramatica, língua – lendo os que a têm e ouvindo os que falam expressivamente. (Carta de 30.09.1915 apud ALBIERI, 2005, p. 83-84). (Grifo do autor).

Monteiro Lobato passou a defender e a desenvolver uma escrita simples, expressando a língua do povo e, ao mesmo tempo, escrevendo-a dentro da norma culta, porém sem as formalidades e as “gramaticalidades” por ele chamadas. Além disso, distancia-se totalmente das regras gramaticais para especializar-se e estudar profundamente a linguagem, características marcantes de seu estilo literário.

Esta convicção leva o autor a chamar a língua falada no Brasil de “Brasilina”, ou seja, uma variante resultante da corrupção do latim, com traços do português lusitano e caracterizada pelas marcas lingüísticas de todos os Estados deste país, originando, assim, uma “língua nova”: a língua brasileira.

É no prefácio do livro de Amadeu Amara, intitulado Dialeto Caipira (1920 apud ALBIERI, 2005, p. 88), que Lobato mostra literariamente o “nascimento” desta língua nova denominada “Brasilina”, tratando-a como se fosse um ser humano:

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