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UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA FACULDADE DE LETRAS ANDREIA DA SILVA BARBOSA

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UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA FACULDADE DE LETRAS ANDREIA DA SILVA BARBOSA

MONTEIRO LOBATO E EMÍLIA:

Contribuições lingüísticas e literárias para o ensino de Língua Portuguesa

Rio de Janeiro 2008

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ANDREIA DA SILVA BARBOSA

MONTEIRO LOBATO E EMÍLIA:

Contribuições lingüísticas e literárias para o ensino de Língua Portuguesa

Trabalho monográfico de conclusão de curso apresentado ao Programa de Graduação em Letras, Faculdade de Letras, Universidade Veiga de Almeida, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Licenciado em Letras (Língua Portuguesa e Literaturas).

Orientador: Ms. Fábio André Cardoso Coelho

Rio de Janeiro 2008

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FOLHA DE APROVAÇÃO ANDREIA DA SILVA BARBOSA

MONTEIRO LOBATO E EMÍLIA:

Contribuições lingüísticas e literárias para o ensino de Língua Portuguesa

Habilitação: Letras

Rio de Janeiro, ... de ... de 2...

____________________________________ Prof. Fábio André Cardoso Coelho, Mestre, Universidade Veiga de Almeida

____________________________________ Profa. Marilene Ferreira Cambeiro, Doutora, Universidade Veiga de Almeida

_____________________________________ Prof. Ozanir Roberti Martins, Mestre,

Universidade Veiga de Almeida

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AGRADECIMENTO A Deus, meu Senhor.

Aos Meus Pais, Severino e Helena, que me deram a vida. Ao meu Esposo e sempre amigo, Edson, atencioso e compreensivo pelas várias horas em que necessitei estar ausente para a concretização deste trabalho.

À minha amiga especial, Regina, pela ajuda nos momentos mais difíceis.

Aos meus futuros filhos, que me inspiram e a quem terei o prazer e a satisfação de apresentar a literatura de Monteiro Lobato.

Agradeço à Universidade Veiga de Almeida e a todo o Corpo Docente do Curso de Letras – Línguas Portuguesa e Literaturas – pelo conhecimento transmitido, proporcionando-me condições de realizar este trabalho. Agradeço ao meu Orientador, Prof. Fábio André Cardoso Coelho, pelos conhecimentos passados e a paciência dispensada para a elaboração desta Monografia.

Agradeço, em particular, ao Prof. João Carlos Jeck, pela compreensão e atenção disponibilizadas sempre que requisitado, além de sua competência comprovada na Coordenação do Curso de Letras desta conceituada Instituição.

Agradeço aos Professores da Banca Examinadora pela disponibilidade e gentileza em compor a mesma.

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“Só resta, por assim dizer, trapacear com a língua, trapacear a língua. Essa trapaça salutar, essa esquiva, esse logro magnífico que permite ouvir a língua fora do poder, no esplendor de uma revolução permanente da linguagem, eu a chamo, quanto a mim: literatura” (Roland Barthes).

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RESUMO

O presente trabalho intenciona apresentar uma análise da personagem Emília e sua importância dentro da obra lobatiana através de dois livros considerados os mais relevantes, que são Memórias de Emília e Emília no País da Gramática, em que se desenvolverá um estudo sobre a vida de Monteiro Lobato e sua motivação para dedicar-se à literatura infantil, tornando-se o pioneiro brasileiro neste aspecto, além de mostrar a sua ousadia e veemência na defesa de suas idéias quanto aos problemas nacionais de sua época e será abordado o universo desse autor através da criação literária do Sítio do Picapau Amarelo e suas personagens principais, sobretudo, Emília por ser a sua porta-voz.

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SUMÁRIO

Página

INTRODUÇÃO……… 8

CAPÍTULO 1. MONTEIRO LOBATO E SUA OBRA: PIONEIRISMO E OUSADIA.…10

CAPÍTULO 2. SÍTIO DO PICAPAU AMARELO: CRIAÇÃO E

DESENVOLVIMENTO……….……. 14 CAPÍTULO 3. PERSONAGEM: DEFINIÇÕES CRÍTICA E LITERÁRIA……….…….18

CAPÍTULO 4. CRIAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA PERSONAGEM EMÍLIA.… 20

CAPÍTULO 5. ANÁLISE DA PERSONAGEM “EMÍLIA”: TRANSGRESSORA,

ATREVIDA E GENIAL……….. 22

CAPÍTULO 6. ANÁLISE DA OBRA EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA:

LÍNGUA E LINGUAGEM EM QUESTÃO……….…. 33

CONCLUSÃO………... 59

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS……….. 62

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Universidade Veiga de Almeida – Campus Tijuca

Título da Monografia: MONTEIRO LOBATO E EMÍLIA: Contribuições lingüísticas e literárias para o ensino de Língua Portuguesa

Orientador: Prof. Ms. Fábio André Cardoso Coelho

Banca examinadora – Professores: Dra. Marilene Ferreira Cambeiro e Ms. Ozanir Roberti Martins.

Aluna: Andreia da Silva Barbosa – Matrícula: 031104320 Data da Defesa: 04 de julho de 2008 – 14:00h.

ERRATA:

A) Introdução – p.8 – penúltimo parágrafo: Onde se lê: “abordar”

Leia-se: “abordada”.

B) CAPÍTULO 6. ANÁLISE DA OBRA EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA: LÍNGUA E LINGUAGEM EM QUESTÃO:

p. 34 – segunda citação: A nota de rodapé nº 4 foi suprimida, porém permanecendo, erroneamente, na citação;

p. 38 – segundo parágrafo – linha 6: Onde se lê: “tambérm” Leia-se: “também”. p. 49 – último parágrafo: Onde se lê: “corroborada” Leia-se: “corroborado”. C) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS – p. 64: Onde se lê: “PELEGRINI, LéIa”

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo apresentar uma análise da obra de Monteiro Lobato, através de uma das personagens mais importantes de sua criação, representada pela boneca “Emília”.

Não serão analisados todos os seus livros, mas sim os que são considerados mais pertinentes ao estudo proposto, principalmente, as obras Emília no País da Gramática e

Memórias da Emília sendo o primeiro o mais relevante, por representar o testemunho do

autor, através da “voz” de Emília, externando vários conceitos relacionados à língua, gramática e até à lingüística – esta de maneira precursora –, além de defender que a gramática tem de adaptar-se àqueles que usam a língua, representados, sobretudo, pelas crianças.

Além do citado acima, são expostos conceitos e críticas à sociedade da época em todos os seus setores, sendo os ligados à intelectualidade, às classes mais abastadas e ao Governo os mais relevantes.

Assim, este trabalho monográfico demonstrará as diretrizes citadas pelo autor no sentido de, através da linguagem, propor mudanças radicais e profundas em todos os setores do país.

Para isso, no Capítulo 1, será apresentada uma breve biografia do escritor Monteiro Lobato e abordar sua motivação para escrever, além dos motivos que o levaram a tornar-se o pioneiro da literatura infantil brasileira, mostrando seu estilo único para elaborar as obras.

No Capítulo 2, mostrar-se-á uma introdução ao complexo trabalho da construção de uma obra literária no sentido de tentar-se, desta maneira, explicar a forma como o autor elaborou suas personagens e criou um universo simples e, ao mesmo tempo, riquíssimo em detalhes, críticas e sugestões.

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No Capítulo 3, serão apresentados, de forma introdutória, alguns conceitos e definições do que é uma personagem literária – uma vez compreendida sua construção – para que, assim, se possa, no Capítulo 4, esboçar um contorno da personagem Emília e seu universo, o “Sítio do Picapau Amarelo”, onde estão as outras personagens que compõem toda a obra Lobatiana voltada para o mundo infantil.

Já o Capítulo 5, analisará de maneira mais profunda a personagem Emília, colocada através de citações das obras mencionadas anteriormente, sobretudo Memórias da Emília, em que conceitos e pensamentos são mostrados na tentativa de compreender-se a importância e a potencialidade desta personagem, inclusive, sendo considerada a própria porta-voz do escritor.

O Capítulo 6, para complementar os anteriores, apresentará uma análise do importante título Emília no País da Gramática em que o autor expõe críticas ferrenhas – sempre através de sua “escudeira” Emília – a todo o sistema educacional vigente na época e, conseqüentemente, às normas gramaticais que tanto o fizeram sofrer quando criança.

Na Conclusão, serão mostradas as considerações finais de forma a expor, ou não, a possibilidade de explicar e compreender o universo Lobatiano e todas as suas principais nuances através da análise aprofundada de sua principal personagem – a Emília – tendo por base principal duas obras, ainda que as mesmas sejam muito significativas para a elucidação do mundo literário de Monteiro Lobato.

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CAPÍTULO 1. MONTEIRO LOBATO E SUA OBRA: PIONEIRISMO E OUSADIA

José Renato Monteiro Lobato, que, quando adulto, passou a assinar-se “José Bento Monteiro Lobato”, como seu pai, nasceu no dia 18 de abril de 1882, em Taubaté, uma cidade de São Paulo. Foi criado pelo avô, o Visconde de Tremembé, após a morte de seus pais.

Apesar de sua vontade em ser pintor, o avô o levou a graduar-se em Direito e, ainda, conseguiu-lhe um emprego como promotor público. Com isso, a carreira de escritor demorou a ser explorada, ocorrendo somente após a morte do Visconde, quando Lobato herdou a fazenda.

Vivendo, ainda, na fazenda, começa a escrever e, em 1918, lança Urupês, um livro contendo doze contos mostrando a situação de abandono e de atraso em relação ao progresso do caboclo brasileiro. Tal situação é bastante explícita no conto que dá nome ao livro cuja personagem chamada “Jeca Tatu” representa o Brasil e, por isso, era uma crítica profunda e ousada ao Governo de então e seus desmandos.

Através de Jeca Tatu, Lobato externa duas características marcantes de sua personalidade: o nacionalismo crítico e a constante preocupação com o Brasil do ponto de vista social, cultural e econômico, chegando a investir recursos próprios na pesquisa do petróleo, por acreditar que o país seria rico se explorasse de forma responsável as suas riquezas minerais.

Por possuir tal espírito empreendedor e acreditar no progresso brasileiro, Monteiro Lobato abandona o cargo de promotor e começa a escrever contos para o jornal “O Estado de São Paulo”. Compra a “Revista do Brasil” e, logo após o lançamento da obra Urupês, abre a primeira editora nacional – “Monteiro Lobato & Cia.” – fazendo com que o Brasil passasse a publicar os seus livros, pois, nesse período, todas as obras nacionais eram impressas em Portugal, revolucionando, assim, o mercado editorial brasileiro.

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Nessa época, Lobato já havia publicado várias obras, todas voltadas para o público adulto, não tendo sido bem-sucedido com as últimas publicações. Por isso, resolve parar de escrever romances. De acordo com o escritor Cassiano Nunes (2000 apud ANTÔNIO, 2005, p. 11): “cansado e decepcionado com os adultos, retornou à literatura, e tinha como alvo o público infantil.”

A motivação em escrever para crianças, além da decepção em fazê-lo para adultos como antes mencionado, originou-se de uma preocupação pessoal como pai, que fora externada em uma carta ao amigo Godofredo Rangel, que era professor primário: “É de tal pobreza e tão besta a nossa literatura infantil, que nada acho para a iniciação de meus filhos” (MATTOS, Maria Augusta Barros de. In: www.unicamp.br – acesso em 30/10/07).

Assim, Lobato lança, em 1920, A Menina do Narizinho Arrebitado, seu primeiro livro infantil, e torna-se o precursor da literatura infanto-juvenil no Brasil, pois, até então, só havia obras importadas traduzidas para a língua portuguesa. Após várias edições, seu estilo aprimora-se, e o livro é relançado anos depois, quando lhe são acrescentados outros episódios, sob o título de Reinações de Narizinho, como é conhecido até hoje.

Como afirma Cassiano Nunes, Monteiro Lobato não era um autor que queria copiar modelos estrangeiros; sua ambição, concretizada através do lançamento de sua primeira obra infantil, era a de criar uma literatura genuinamente brasileira, tendo o lúdico e o crítico lado a lado, sempre acompanhados de muito humor e fantasia. Como o próprio autor afirmou: “Quero puxar fila, jamais segui-la” (ANTÔNIO, 2005, p. 12).

Através de uma carta ao amigo Godofredo Rangel, Lobato reafirma a vontade de seguir escrevendo para crianças, ou seja, de manter-se neste caminho, pois não queria mais escrever para adultos:

(…) Ando com idéias de entrar por esse caminho: livros para crianças. De escrever para marmanjos já me enjoei. Bichos sem graça. Mas para as crianças, um livro é todo um mundo. Lembro-me de como vivi dentro do

Robinson Crusoe do Laemmert. Ainda acabo fazendo livros onde as crianças

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Crusoe e n’Os Filhos do Capitão Grant. (A Barca de Gleyre. In: www.passeiweb.com – acesso em 29/02/08).

Concretiza-se, assim, a sua carreira de escritor infantil, porém sem ter o estereótipo de contador de histórias, pois seus personagens são cuidadosamente elaborados e os enredos tecidos com a paciência maternal, pois mais que a elaboração responsável do texto, seu segredo consiste em dar um toque de humanidade e ternura a tudo que fazia, apresentando um universo totalmente lúdico representado pelo “Sítio do Picapau Amarelo”, além de elaborar obras consideradas paradidáticas através de livros como Geografia de Dona Benta,

Aritmética da Emília, entre outros.

Além disso, era um autor extremamente criativo e reacionário, expondo em todos os personagens e obras os seus pensamentos, verdades e sentimentos. Tais características fizeram dele o maior escritor infantil que o Brasil já teve, tendo sido, inclusive o único por muito tempo, como afirma Ligia Cademartori (1987 apud ANTÔNIO, 2005, p. 12):

A literatura infantil brasileira inicia sob a égide de um de nossos mais destacados intelectuais: Monteiro Lobato. Se isso, por um lado, prestigiou o gênero no seu surgimento, por outro, fez com que, após Lobato, por muito tempo a literatura infantil brasileira vivesse à sombra de seu nome.

Contestador, crítico ferrenho dos problemas nacionais, nacionalista impiedoso, amante da literatura e das crianças, corajoso. Todas estas e muitas outras são as virtudes, e pode-se até dizer que algumas delas sejam “pecados” se analisadas de determinado aspecto, fizeram de Monteiro Lobato o nosso autor infantil mais importante e uma das figuras mais polêmicas de nossa época, tendo deixado uma obra vasta e tão complexa, apesar de extremamente simples, que ainda hoje a estudam, reeditam, enfim, a redescobrem, pois sempre há algo que ainda não foi mostrado na obra deste autor genial.

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Em 4 de julho de 1948, aos 66 anos de idade, vítima de um colapso, morre este autor tão importante. Em sua última carta, destinada ao fiel amigo Godofredo Rangel, Lobato se despede, sempre em tom de humor e com o estilo que sempre lhe fora peculiar e único:

(…) Desci uns pontos. Não é impunemente que chegamos aos 66 anos de idade. O que eu tive foi uma demonstração convincente que estou próximo do fim – foi um aviso – um preparativo.

E de agora em diante o que tenho a fazer é arrumar a quitanda para a “grande viagem”, coisa que para mim perdeu a importância depois que aceitei a sobrevivência. (…) Estou com uma curiosidade imensa de mergulhar no Além.

(…) Adeus, Rangel! Nossa viagem a dois está chegando ao fim. Continuaremos no Além? Tenho planos logo que lá chegar de contratar o Chico Xavier para psicógrafo particular, só meu – e a primeira comunicação vai ser dirigida justamente a você. Quero remover todas as suas dúvidas. Do Lobato. (Barca de Gleyre. In: www.passeiweb.com – acesso em 29/02/08).

Doze dias após ter escrito essa carta, morria durante o sono Monteiro Lobato. Esta fora a última de tantas cartas que escreveu ao, também, escritor Godofredo Rangel, amigo de longa data com quem compartilhava idéias, discutia vários assuntos e expunha seus projetos.

No dia de seu sepultamento, houve protestos de estudantes defendendo a questão do petróleo, e o também amigo e consagrado ator Procópio Ferreira discursou emocionadamente, dizendo: “Agora, os sem-vergonhas poderão agir à vontade: morreu Monteiro Lobato!” (Barca de Gleyre. In: www.passeiweb.com – acesso em 29/02/08).

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CAPÍTULO 2. SÍTIO DO PICAPAU AMARELO: CRIAÇÃO E DESENVOLVIMENTO

O Sítio do Picapau Amarelo surgiu de forma interessante, conforme narra o autor Cassiano Nunes (2000 apud ANTÔNIO, 2005, p. 13):

Um dia o escritor jogava xadrez com o amigo Toledo Malta, o autor de “Madame Pommery”, e este lhe conta a história de um peixinho que, por haver passado algum tempo fora d’água, desaprendera a nadar; de volta ao rio, afogara-se. A história mexeu com a imaginação do criador de Dona Benta e tia Nastácia. Mal saiu o companheiro, foi para a mesa e escreveu “A

História do Peixinho que Morreu Afogado”. Depois, veio-lhe a idéia de

desenvolver o enredo. Ao fazê-lo, vieram à memória cenas de sua meninice na roça. Nascia o Sítio do Picapau Amarelo.

Pode-se, então, perceber que Monteiro Lobato cria a sua obra principal a partir de uma história igual a tantas contadas pela personagem Dona Benta que, coincidente ou intencionalmente, leva o nome adotado pelo autor – “Bento”. Através desta personagem, ele mostra que, ao ouvir-se uma história instigante, várias outras poderão ser criadas, como ocorreu com o próprio autor.

Com isso, demonstra-se que é possível criar uma obra extensa e importante como a do Sítio do Picapau Amarelo a partir de vivências que o escritor teve, porém, acrescendo-se a elas algo mais, pois a forma de descrição do local onde estão todas as personagens não é o mesmo vivido por Monteiro em criança. É, sim, a idealização deste local.

Tal idéia é defendida por Antônio Cândido (1976 apud ANTÔNIO, 2005, p. 20) quando afirma que “um autor não cria as suas personagens originadas de experiências reais porque ele é obrigado a construir uma explicação que não corresponde ao mistério da pessoa viva”. Assim, Monteiro idealiza um lugar parecido com a fazenda onde foi criado, mas nele acrescenta todos os elementos que lhe povoaram a imaginação de menino.

É fácil perceber essa caracterização de “lugar perfeito” criada pelo autor na descrição que ele mesmo faz do Sítio através da fala da personagem Emília no livro Memórias da

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(…) Acho que o único lugar do mundo onde há paz e felicidade é no sítio de Dona Benta. Tudo aqui corre como num sonho. A criançada só cuida de duas coisas: brincar e aprender. As duas velhas só cuidam de nos ensinar o que sabem e de ver que tudo ande a hora e tempo. (…) (LOBATO, 2002, p. 58).

E tal conceito é reforçado quando a personagem Narizinho descreve, na mesma obra acima citada, o lugar onde sempre viveu ao lado das duas senhoras:

- Não há lugar no mundo que valha o sítio da vovó. Quem vê pela primeira vez, com estas árvores velhas, todo espandongado, não dá nada por ele. Mas depois que o conhece, não troca nem pela Califórnia, que é um paraíso. O sítio de vovó é gostoso com um chinelo velho. (Ibid., p. 28).

Nesse lugar tão perfeito e maravilhoso, vivem personagens que formam um grupo coeso e fixo, ainda que sejam visitados por vários outros seres que vêm e vão nas aventuras por eles vividas. Porém, o elenco fixo é composto por Dona Benta, Tia Nastácia, Narizinho – cujo nome verdadeiro é Lucia –, a boneca Emília, o sabugo intelectual Visconde de Sabugosa e Pedrinho. Este último, é o neto de Dona Benta que vai ao Sítio apenas quando está em férias escolares.

Estes personagens, além do Marquês de Rabicó – o porco falante do Sítio – foram descritos de maneira clara e objetiva pelo autor Cassiano Nunes (2000 apud ANTÔNIO, 2005, p. 14):

Na saga Lobatiana, Narizinho representa a feminilidade com discrição e encanto. Pedrinho tem caráter forte e é simpático. Dona Benta une o carinho materno (ser avó é ser mãe duas vezes) à lição de ética e saber. Tia Nastácia tem sentimentos ingênuos e puros. A boneca Emília constitui o protesto contínuo, a rebeldia criadora, como o próprio Lobato seu inventor (…). O Marquês de Rabicó é a sujeição aos instintos orgânicos. O Visconde de Sabugosa tem os lados bom e mau da erudição.

Há, ainda, os personagens “Quindim”, o rinoceronte que representa os gramáticos, conforme é descrito na obra Emília no País da Gramática, e o “Burro Falante”. Ambos, animais possuidores de inteligência e grande eloqüência, pois além de serem dotados da

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capacidade da fala, são seres que conseguem filosofar, contrariando totalmente a idéia que se teria de tais animais.

Dessa forma, Lobato faz uma narrativa em que os seres não são como se apresentam e, também, não se comportam da maneira que se espera que seja de seu feitio. Isso pode ser observado, por exemplo, na descrição do “Burro Falante” feita por Emília no livro Memórias

da Emília, exteriorizando a linha de criação adotada:

O Burro Falante está bem velho, coitado. É do tempo de La Fontaine, aquele homem que passeava no País das Fábulas, tomando nota do que ouvia aos animais para escrever livros. Está tão velho e filosófico que só Dona Benta o compreende bem. Conversa altas filosofias. (LOBATO, 2002, p.58).

Além disso, ao criar o elenco fixo de personagens tendo como ponto de partida o Sítio, Monteiro Lobato conseguiu criar uma narrativa linear, o que, segundo vários críticos, esta foi a principal característica que o levou a obter o sucesso existente até os dias atuais, como se pode verificar na afirmação feita pela autora Regina Zilberman (2005, p. 23):

A sistemática adotada por Lobato mostrou-se, desde o começo, muito útil. Tal como ocorre nas histórias em série (…), o escritor repetia as personagens, de modo que não precisava inventar novos indivíduos a cada vez em que principiava outra narrativa. Era preciso bolar tão-somente aventuras originais para as mesmas pessoas, o que deu certo por uma razão: elas revelam, desde o começo, espírito aventureiro, gostam de aderir a atividades desafiadoras, estão disponíveis para o que der e vier. Portanto, trazem consigo a personalidade dos heróis tradicionais, aqueles que habitam os mitos, as lendas, os contos folclóricos, as epopéias, em outras palavras, todas as narrativas ouvidas desde pequenos e reencontradas não apenas na literatura, mas em outros meios de comunicação, sobretudo os de massa (…).

Tal característica foi criativamente utilizada por Lobato, que soube explorá-la e desenvolvê-la amplamente, principalmente, ao escolher crianças ou seres que as representam – Narizinho, Pedrinho e os bonecos Visconde e Emília – para serem os principais agentes, permitindo pronta identificação com o público alvo, sobretudo, por viverem situações e resolverem questões nacionais ligadas com que estão vivendo na realidade.

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Por outro lado, a independência e a inteligência dos protagonistas fascinam os leitores, pois eles agem de acordo com o livre arbítrio de cada um – inclusive, no que diz respeito a assumir as conseqüências – e o fato dos adultos os tratarem de igual para igual, sem hierarquia ou regras de etiqueta, sem estabelecer-lhes limites de conduta, exceto os da justiça, da ética e da fraternidade.

Sempre presente desde o primeiro livro infantil escrito por Lobato, o Sítio é o ponto central de todas as aventuras, ainda que as personagens estejam livres para dele se ausentarem ou retornarem quando queiram, pois não há limites geográficos, tanto que não se pode localizá-lo. O Sítio de Dona Benta é o lar de todos aqueles que ali desejem estar, afinal, todos ali são bem-vindos, até os vilões que, apesar de nunca saírem bem-sucedidos, também, aparecem.

A única localização possível é que ele está em território brasileiro, ao mesmo tempo, que representa o próprio Brasil. Mesmo assim, pode-se afirmar que o Sítio é um lugar que serviria de modelo administrativo para governantes de qualquer país, porque é governado sabiamente por uma mulher idosa, porém muito ativa, inteligente e competente. Ao seu lado, a fiel Tia Nastácia – representante do povo, que é como uma acompanhante para Dona Benta. Esta, vive da exploração de petróleo encontrado em suas terras, o que externa o nacionalismo crítico de Lobato, como cita a autora Regina Zilberman (2005, p. 30): “(…) o sítio é brasileiro, como se fosse uma representação idealizada de nossa pátria. Em outras palavras, é o Brasil conforme o desejo de Lobato, um Brasil sonhado, mas sempre um Brasil.”

Diante dessa afirmação, pode-se concluir que o Sítio é um paraíso onde não há dono e, sim, pessoas que o amam e o respeitam e, assim, representa o modelo perfeito de democracia:

(…) É nesse sentido que o sítio constitui uma espécie de república ideal, que admite seres dotados de qualidades positivas e expulsa o julgado negativo, como o próprio sistema governamental. (…) Dispõe de dirigentes, como Dona Benta, mas não conta com um aparelho estatal, isto é, uma burocracia que impede o bom funcionamento da sociedade e o convívio democrático entre as pessoas. (ZILBERMAN, 2005, p. 31-32).

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CAPÍTULO 3. PERSONAGEM: DEFINIÇÕES CRÍTICA E LITERÁRIA

A criação de uma personagem pode surgir de uma idéia profundamente desenvolvida ou de uma simples história ouvida em um diálogo com um amigo, como ocorreu com a “criação” do Sítio do Picapau do Amarelo descrita no início do capítulo anterior.

Porém, desenvolver a personalidade de cada personagem de maneira a dar-lhe características tão próprias que ninguém possa desconhecê-la ou confundi-la requer um trabalho mais criterioso, criativo e elaborado.

O motivo desta elaboração é devido ao fato da personagem – inanimada ou não – ser o fio condutor da narrativa e, sem ela, a própria literatura não existiria. Por isso, muitas vezes, confunde-se a personagem e suas nuances como se fosse alguém com vida própria, que realmente existisse fora da narrativa literária:

A confusão entre personagem e pessoa é tão acentuada que chegaram a escrever “biografia” de personagens explorando partes de sua vida ausente do livro. Esquece-se que o problema da personagem é antes de tudo lingüístico, que não existe fora das palavras, que a personagem é “um ser de papel”. Entretanto, recusar toda a relação entre personagem e pessoa seria absurdo: as personagens representam pessoas, segundo modalidades próprias da ficção. (BRAIT, 1987, apud ANTÔNIO, 2005, p. 16).

Com esta afirmação, a autora Beth Brait reforça a idéia de que não há narrativa sem personagem, ao mesmo tempo que sem o contexto da obra, o arquétipo perde a sua “vida”; porém, a interação com o mundo real, por parte dos leitores, é verdadeira, pois estes chegam a elaborar esquemas e discutir os seus destinos.

Aprofundando tal estudo, Massaud Moisés (1984 apud ANTÔNIO, 2005, p. 16), além de outros autores, defende que as personagens podem ser definidas da seguinte forma: personagens planas e personagens redondas.

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As personagens “planas”, entende-se por aquelas que não apresentam profundidade, pois exteriorizam apenas um defeito ou qualidade, enquanto que as “redondas” possuem – de forma complexa – vários defeitos e qualidades.

Assim, Massaud Moisés (1984 apud ANTÔNIO, 2005, p. 17) define, resumidamente, as duas definições arquetípicas:

As personagens planas seriam bidimensionais, dotadas de altura e largura, mas não de profundidade: um só defeito ou uma só qualidade. (…) No que se referem às personagens redondas, ostentariam a dimensão que falta às outras, e, por isso, possuiriam uma série complexa de qualidades ou defeitos. (…) Dir-se-ia que as personagens planas não evoluem (por dentro), mas que se repetem, ao passo que as redondas somente nos dão idéia de sua identidade profunda quando fechado o romance.

Diante desta descrição, pode-se afirmar que a personagem Emília é, indubitavelmente, uma personagem “redonda” por ser possuidora de vários defeitos e qualidades, além de evoluir todo o tempo ao longo da narrativa, somente conhecendo a sua ação final “quando fechado o romance”. Enquanto isto não ocorre, ela pode surpreender, a qualquer momento, com uma de suas idéias mirabolantes ou suas definições filosóficas sobre tudo e todos, deixando atônitos os outros personagens à sua volta, até mesmo Dona Benta.

E tal evolução só foi possível devido ao poder da fala que ela possui. É por esta razão que o próprio Lobato a definiu como uma “torneirinha de asneiras”, não por dizer besteiras todo o tempo e, sim, por dominar linguagem torrencial e absurda, porém profundamente convincente.

É através da fala que Emília impõe sua vontade e convence a todos a fazer o que ela quer, principalmente, o Visconde de Sabugosa que, apesar de erudito e sábio, é totalmente manipulado por ela. Deste modo, Emília evoluiu de uma simples boneca de pano como qualquer outra para tornar-se a personagem mais complexa e fascinante da literatura infanto-juvenil brasileira.

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CAPÍTULO 4. CRIAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA PERSONAGEM EMÍLIA

A personagem Emília, “criada” por Tia Nastácia de retalhos de pano, com quarenta centímetros de altura, recheada com macela – planta de aroma agradável muito usada para encher travesseiros – e olhos de retrós preto, surgiu desde o primeiro romance infantil de Monteiro Lobato, A Menina do Narizinho Arrebitado em que fora chamada de “Excelentíssima Senhora Dona Emília” e, depois, tornou-se a “Marquesa de Rabicó”, porém era apenas a boneca de pano de uma menina chamada Lúcia, cujo apelido é “Narizinho”, que fora criada por duas senhoras em um sítio localizado, supostamente, no interior do Brasil e é visitada de quando em quando por seu primo Pedrinho que mora na cidade e passa ali as férias escolares.

Esta “criação” é citada na obra Memórias da Emília, quando Lobato – através do discurso da própria boneca – expôs de forma detalhada como “nasceu” Emília das mãos de Tia Nastácia, exatamente a personagem com quem ela mais briga e implica:

- (…) nasci, fui enchida de macela que todos entendem e fiquei no mundo feito uma boba, de olhos parados, como qualquer boneca. E feia. Dizem que fui feia que nem uma bruxa. Meus olhos tia Nastácia os fez de linha preta. Meus pés eram abertos para fora, como pés de caixeiro de venda. (…) Depois fui melhorando. Hoje piso para dentro. Também fui melhorando no resto. Tia Nastácia foi me consertando, e Narizinho também. Mas nasci muda como os peixes. Um dia aprendi a falar. (LOBATO, 2002, p.10-11)

Pode-se observar, a partir deste trecho, que, mesmo antes de aprender a falar, ela já havia sido modificada, ainda que fosse apenas na sua forma física. Porém, há uma clara demonstração que, diferente dos outros personagens, Emília se modificaria ao longo das narrativas, o que realmente ocorreu.

Ao aprimorar seu estilo de escrever, Monteiro Lobato desenvolve uma literatura infantil genuinamente brasileira, pois possui elementos e características tipicamente nacionais. Através desse aprimoramento, Emília evolui e ao dominar a fala – após engolir a pílula do Dr.

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Caramujo – consegue ser a personagem principal do Sítio do Picapau Amarelo, encantando, mas também incomodando, e torna-se, então, a “porta-voz” do próprio autor, sendo a fala a sua principal ferramenta, como descreve a escritora Marisa Lajolo (2001, p. 125-126):

Ao contrário das outras personagens lobatianas, cuja personalidade se mantém estável ao longo de todos os títulos da série, Emília, ao exercer sua capacidade de fala de maneira inventiva, crítica e irônica, desfere uma trajetória crescente de independência. Nessa trajetória questiona verdades estabelecidas, propõe novos pontos de vista, desafia padrões e viola normas, sendo lida, em função destes predicados, como porta-voz de Monteiro Lobato, também ele um intelectual crítico e participante de todas as questões importantes da primeira metade do século XX, sobre as quais tomou partido, exprimindo suas posições sem medo nem papas na língua.

Analisando-se o descrito acima, a classificação de Emília como “personagem redonda” está, definitivamente, consolidada, pois mostra que ela evolui a cada obra, ao contrário das demais personagens que permanecem “planas”. Com isso, a personagem, que antes era uma boneca de pano como qualquer outra, progride e aprimora-se mais e mais, ganhando “profundidade” e ampliando a sua participação, tornando-se o centro de todas as narrativas.

Tal evolução e amplitude evidenciam-se em vários trechos de suas “memórias”, porém um dos mais reveladores de sua eloqüência e criatividade é quando ela se auto-define após ser questionada por Visconde: “- Mas, afinal de contas, Emília, que é que você é? Emília levantou para o ar aquele implicante narizinho de retrós e respondeu: - Sou a Independência ou Morte.” (LOBATO, 2002, p. 49)

Diante de tal definição, pode-se apenas acrescentar que a Emília não é uma personagem comum, com a intenção única de entretenimento. Sua função é questionar e fazer com que seus leitores pensem e raciocinem, tornando-os seres pensantes e contestadores, como ela é, o que se poderá verificar de forma mais profunda no capítulo a seguir.

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CAPÍTULO 5. ANÁLISE DA PERSONAGEM “EMÍLIA”: TRANSGRESSORA, ATREVIDA E GENIAL.

No livro Memórias da Emília, publicado em 1936, a boneca Emília expõe todas as suas idéias e pensamentos, e conta ao leitor tudo o que vivera – e até o que não vivera – em seu pouco tempo de vida.

Sendo uma personagem atrevida e esperta, as chamadas “memórias” são dela, porém quem as escreve é o seu “secretário”, o sábio e culto Visconde de Sabugosa, conforme explicitado no trecho da citada obra:

(…) Como não gostasse de escrever com a sua mãozinha, queria escrever com a mão do Visconde.

- Visconde – disse ela – venha ser meu secretário. Veja papel, pena e tinta. Vou começar as minhas Memórias.

- Memórias! Pois então uma criatura que viveu tão pouco já tem coisas para contar num livro de memórias? Isso é para gente velha, já perto do fim da vida.

- Faça o que eu mando e não discuta. Veja papel, pena e tinta. (LOBATO, 2002, p. 8)

É fácil perceber que é Emília quem realmente manda e desmanda no Sítio do Picapau Amarelo, sendo ela a detentora dos planos mais mirabolantes e das idéias mais revolucionárias que aparecem no decorrer das narrativas lobatianas. É sempre ela a que salva a situação quando tudo parece perdido e que consegue até definir o que parece, a princípio, indefinível, como no trecho em que Visconde pergunta para ela o que é vida:

- (…) quero que minhas Memórias comecem com a minha filosofia da vida. - Cuidado, Marquesa! Mil sábios já tentaram explicar a vida e se estreparam. - Pois eu não me estreparei. A vida, Senhor Visconde, é um pisca-pisca. (…). A vida das gentes neste mundo, senhor sabugo, é isso. Um rosário de piscadas. Cada pisco é um dia. Pisca e mama; pisca e anda; pisca e cria filhos; pisca e geme os reumatismos; por fim pisca pela última vez e morre. - E depois que morre? – perguntou o Visconde.

- Depois que morre vira hipótese. É ou não é? O Visconde teve de concordar que era. (Ibid., p.11).

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Ao definir a vida de forma tão filosófica, a boneca de pano consegue mostrar que ela, definitivamente, não é uma personagem criada para entreter e apenas participar de aventuras ao lado de seus companheiros do Sítio. Porém, esta função só é possível devido ao poder de fala que ela possui e que o explora sempre com total maestria. A “torneirinha” funciona quando é ou não solicitada, tornando Emília a personagem que encanta e “desconcerta” a todos, como expõe a autora Marisa Lajolo (2001, p. 125):

É graças a esta Emília falante, em cuja fala uma lógica implacável e sem papas na língua se alterna com um surrealismo cheio de nonsense e trocadilhos, que a atuação das outras personagens lobatianas ganha originalidade. Emília sabe falar e, pela fala, convencer os outros de seus pontos de vista, o que faz dela ponto de partida das aventuras mirabolantes narradas nas histórias. Os vinte títulos da série lançam mão dos tradicionais ingredientes do gênero, mas o segredo do sucesso está na modernização e rearticulação deles.

Modernização e rearticulação das quais Emília é a grande agente.

No entanto, a capacidade de falar não é usada somente em definições filosóficas. É, sobretudo, usada para convencer a todos de seguirem suas idéias e planos, ainda que, a princípio, pareçam absurdos, como é, por exemplo, o passeio ao País da Gramática na célebre obra paradidática de Monteiro.

É interessante ressaltar o trecho em que ela descreve o momento que começou a falar, sendo uma alegoria do “ser gente”, sobretudo, mulher. Diante de um culto sabugo de milho, boneco como ela, ou de qualquer pessoa de “carne e osso”, Emília se impõe e o faz de forma categórica, irônica e até cínica, exposto no trecho a seguir:

- (…) Fiquei falante com uma pílula que o célebre Doutor Caramujo me deu. Narizinho conta que a pílula era muito forte de modo que fiquei falando demais. Assim que abri a boca, veio uma torrente de palavras que não tinha fim. Todos tiveram de tapar os ouvidos. E tanto falei que esgotei o reservatório. A fala então ficou no nível.

- Tenha paciência, Emília – disse o Visconde. – Ficou muito acima do nível, porque a verdade é que você ainda hoje fala mais do que qualquer mulherzinha.

- Mas não falo pelos cotovelos, como elas. Só pela boca. E falo bem. Sei dizer coisas engraçadas e até filosóficas. Inda há pouco Dona Benta declarou que eu tenho coisas de filósofo. Sabe o que é filósofo, Visconde?

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- É um bicho sujinho, caspento, que diz coisas elevadas que os outros julgam que entendem e ficam de olho parado, pensando, pensando. (…)

- Ficam pensando o que, Emília?

- Pensando que entenderam. (LOBATO, 2002, p.11).

Por outro lado, há, além da fala eloqüente e crítica, o aspecto transgressor, tanto no comportamento quanto em seu discurso. O autor usou a boneca para expor conceitos e padrões considerados modernos para a época, como é o episódio do casamento de Emília com o Marquês de Rabicó, explorado no livro Reinações de Narizinho.

O casamento arranjado por Narizinho e aceito com interesse por parte de Emília escandalizou a sociedade brasileira da época porque o interesse da noiva de pano não era no noivo, mas no título de nobreza que o mesmo possuía. Ela queria, a todo custo, tornar-se marquesa e aceitou – sem pestanejar – o casamento.

Porém, quando o noivo – que se tratava de um porco – não resistiu à mesa de doces, devorando-a inteira no dia do casamento, Emília ficou indignada diante de tamanho exemplo de mau comportamento e falta de educação, que não hesitou em pedir o divórcio ao recém marido Marquês de Rabicó no mesmo dia de sua realização.

Tal episódio repercutiu com tamanha polêmica no meio social que os livros de Monteiro Lobato chegaram a ser queimados em várias escolas – nas religiosas, principalmente – e proibida sua leitura por parte dos professores e diretores, além de banidos das bibliotecas públicas e escolares. O argumento usado para tal proibição era que o autor disseminava idéias contra o casamento e incentivava o divórcio, tornando-se perigoso para as crianças.

Como explica a autora Marisa Lajolo (2001, p. 127), o casamento por interesse era uma infração considerada leve diante do que seria o desenlace: o divórcio, pois tal procedimento escandalizou a Igreja Católica e o público adulto em geral na época em que o livro fora lançado. Porém, tal polêmica não desanimou Lobato, pois novos títulos foram lançados e a boneca de pano seguiu cada vez mais polêmica e atrevida.

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Tanto que em Emília no País da Gramática ao conversar com Dona Etimologia sobre a longa vida das palavras, a boneca de pano consolida a sua atitude diante do divórcio e, ainda, exterioriza o seu pensamento considerado moderno demais para a época em que foi criada:

- Vocês tambem viverão seculos e seculos por meio dos seus futuros filhinhos e netos e bisnetos, replicou a velha.

- Menos eu! gritou Emilia. Já me casei e me arrependi bastante. Felizmente, não tive filhos – e como não pretendo casar-me de novo, não deixarei ‘descendencia’ neste mundo… (LOBATO, 1952, p. 102).1

Na história Viagem ao Céu, em que a turma do Sítio viaja pela Via Láctea, Emília encontra um anjo e o “adota”, trazendo-o para a Terra por estar com a asa quebrada. Novamente, o autor, através de sua porta-voz, choca os leitores adultos mais conservadores e, principalmente, a Igreja ao ordenar à Tia Nastácia que cortasse as pontas das asas do anjinho para que ele não pudesse fugir e voar de volta para o céu. Marisa Lajolo (2001, p. 127-128), brilhantemente, explica o episódio e sua repercussão:

Um anjinho de asa quebrada e ainda por cima tratado como galinha fujona ou papagaio de poleiro era materialismo demais para certas cabeças, e conta a tradição que alguns colégios católicos brasileiros fizeram grandes fogueiras com obra de Monteiro Lobato, numa triste paródia dos terríveis autos-de-fé da Inquisição.

A explicação para essa irreverência e audácia, talvez, seja o fato de Emília gozar de dois mundos totalmente distintos entre si: o mundo real – pela “fala de gente” – e o da fantasia – sendo boneca. Assim, ela pode ser o que quiser e comportar-se conforme a sua vontade, sem se importar com a opinião de ninguém, pois até Dona Benta encontra dificuldades em segurar a língua afiada desta personagem inquietante.

Tal comportamento fica explícito quando, no episódio citado, o anjo voa de volta para o céu, deixando Emília enfurecida com Tia Nastácia que não fez o que ela mandou: cortar as pontas das asas do anjinho:

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Emília não chorou. Apenas enfureceu-se contra tia Nastácia.

- Aquela burrona! Prometeu que cortava a asinha dele e não cortou. Agora, está aí…

Foi correndo à cozinha tomar satisfações.

- Viu o que a senhora fez? Por causa da sua lerdeza, do seu medo, do tal ‘sacrilégio’, perdemos o nosso anjinho. Voou! Foi-se para sempre…

Nastácia enxugou uma lágrima na ponta do avental.

- Mas eu não tinha coragem de cortar a asinha dele, Emília. Tive medo. Essas criaturinhas do céu são as aves de Deus. Deus podia me castigar…

- Castigar, nada! – berrou Emília – Todas as aves são de Deus e no entanto prendemos canários e sabiás nas gaiolas e comemos pombos assados sem que Deus se importe. Pensa que Ele fica o tempo todo prestando atenção nas aves do quintal do céu? Tem mais que fazer, boba. Além disso, anjo é coisa que há lá por cima aos milhões. Um de menos, um de mais, Deus nem percebe. Perdemos o anjinho por sua culpa só. Burrona! Negra beiçuda! Deus que te marcou, alguma coisa em ti achou. Quando ele preteja uma criatura é por castigo.

Tia Nastácia rompeu em choro alto – tão alto que Dona Benta veio ver o que era. Emília explicou:

- Esta burrona teve medo de cortar a ponta da asa do anjinho. Eu bem que avisei. Eu vivia insistindo. Hoje mesmo insisti. E ela, com esse beição todo: ‘Não tenho coragem… É sacrilégio…’ Sacrilégio é esse nariz chato.

- Emília! – repreendeu Dona Benta. – Respeite os mais velhos! Não abuse! - Bolas! – gritou Emília retirando-se e batendo a porta.

- Como está ficando insolente! – murmurou Dona Benta. (LOBATO, 2002, p.44-45).

Outra polêmica gerada pela literatura moderna de Lobato, tendo por porta-voz a boneca de pano Emília, são os vários diálogos em que ela, ao brigar com Tia Nastácia, a trata por adjetivos considerados preconceituosos, tanto que o autor foi acusado de ser racista. Porém, ele estava, através da fala atrevida da boneca, retratando a sociedade em que estava inserido, afinal, a Abolição da Escravatura havia sido assinada há pouco mais de trinta anos quando Lobato lançou o seu primeiro livro infantil, conforme explica a autora Nelly Novaes Coelho (2000, p. 144):

(…) Tia Nastácia, o símbolo idealizado da raça negra, afetuosa e humilde, que está em nossa gênese de povo (…). (Aos que chamaram Lobato de racista, por criar essa personagem preta e ignorante, não perceberam que

dentro do universo literário não há preconceito racial nenhum, pois Tia

Nastácia é respeitada e querida por todos. E que, tirando-a do universo real onde a conheceu, ele estava sendo apenas realista) (grifos da autora).

Emília reflete os pensamentos de seu autor que pode expô-los sem temor algum, afinal, a personagem é uma boneca de pano de apenas quarenta centímetros e que pertence ao

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seu mundo literário. Por isso, ela é crítica, ousada, perspicaz, filósofa, autoritária, irônica, enfim, apresenta, qualidades e defeitos, ou seja, ambígua como um ser humano:

Como intenção de valorização, vemos o espírito de líder que caracteriza a boneca, sua ascendência “mandona”, mas brejeira, sobre os que convivem com ela ou ainda a obstinação com que ela sabe querer as coisas ou como mantém seus pontos de vista ou suas opiniões. Positiva é também sua incessante mobilidade, o seu fazer coisas, sua curiosidade aberta para tudo ou a franqueza rude com que ela manifesta sua crítica aos “erros” ou “tolices” dos que a rodeiam ou da nossa civilização. (COELHO, 2000, p. 144).

Como citado pela autora, a personagem Emília consegue ser o que quiser e dominar a todos à sua volta, além de dizer o que lhe vem à cabeça sem a menor preocupação de que ofenderá ou magoará, pois a sua “franqueza rude” assim o permite. E, desta forma, ela questiona “verdades”, reafirma hábitos e costumes humanos e confirma, de forma perturbadora, padrões de comportamento, como demonstrado no trecho que explica ao Visconde o que é a “esperteza”, uma das afirmações mais interessantes e intrigantes feita por uma personagem literária, principalmente, pertencente ao universo literário infantil:

- (…) Quero provar ao mundo que faço de tudo – que sei brincar, que sei aritmética, que sei escrever memórias…

- Sabe escrever memórias, Emília? – repetiu o Visconde ironicamente. – Então isso de escrever memórias com a mão e a cabeça dos outros é saber escrever memórias?

- Perfeitamente, Visconde! Isso é que é o importante. Fazer coisas com a mão dos outros, ganhar dinheiro com o trabalho dos outros: isso é que é saber

fazer as coisas. Ganhar dinheiro com o trabalho da gente, ganhar nome e

fama com a cabeça da gente, é não saber fazer as coisas. Olhe, Visconde, eu estou no mundo dos homens há pouco tempo, mas já aprendi a viver. Aprendi o grande segredo da vida dos homens na terra: a esperteza! Ser esperto é tudo. O mundo é dos espertos. Se eu tivesse um filhinho, dava-lhe um só conselho: ‘Seja esperto, meu filho!’

- E como lhe explicar o que é ser esperto? – indagou o Visconde.

- Muito simplesmente – respondeu a boneca. – Citando o meu exemplo e o seu, Visconde. Quem é que fez a ‘Aritmética’? Você. Quem ganhou nome e fama? Eu. Quem é que está escrevendo as Memórias? Você. Quem vai ganhar nome e fama? Eu…

O Visconde achou que aquilo estava certo, mas era um grande desaforo. (LOBATO, 2002, p. 42-43). (Grifos do autor)

Através de Emília, Lobato denuncia a exploração do homem pelo homem sem dar-lhe o devido reconhecimento, prática muito comum entre os seres humanos, mas que é uma

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boneca que a descreve de maneira tão completa e convincente. Ao descrever a “esperteza” com todo este conhecimento, como se humana fosse, ela reafirma e avalia criticamente o comportamento humano sem sê-lo e, ao fazê-lo com a brejeirice que lhe é peculiar, não levanta reações de ódio ou revolta, mas sim, de reflexão.

Usando o seu poder de eloqüência e persuasão, Emília abre sua “torneirinha de asneiras” sem preocupar-se com nada nem ninguém, afinal, está apenas a dizer “asneiras”. No entanto, o que está por trás do que ela diz são críticas ferrenhas e, muitas vezes, radicais ao extremo, zombando de tudo e de todos, confirmando a conceituação de “personagem redonda” descrita no Capítulo 3.

Seu poder de persuasão e sua maneira desbocada e atrevida de dizer tudo o que pensa geram algumas situações de desconforto e, principalmente, ciúmes nos demais personagens que convivem com ela, sobretudo, Narizinho. A autora Marisa Lajolo (2001, p. 126) mostra um trecho retirado da obra lobatiana Dom Quixote das Crianças em que tal situação é evidente:

- Exigente! Você já anda bem famosinha no Brasil inteiro, Emília, de tanto o Lobato contar suas asneiras. Ele é um enjoado muito grande. Parece que gosta mais de você do que de nós – conta tudo de jeito que as crianças acabam gostando mais de você do que de nós. É só Emília pra cá, Emília pra lá, porque a Emília disse, porque a Emília aconteceu. Fedorenta (…)

Analisando-se o trecho descrito, pode-se observar que o próprio autor reconhece a sua preferência e identificação com a personagem de pano, além de apresentar um estilo moderno ao expor-se na fala de Narizinho que o cita como narrador das aventuras e o classifica como um “enjoado muito grande”.

Assim, a escrita de Lobato toma uma dimensão além da narrativa, pois ele se inclui como responsável da fama de Emília e da preferência das crianças por ela, inclusive, citando o próprio nome, além de mostrar que a boneca de pano realmente era amada e conhecida em todo o país como se estivesse fora do contexto literário ratificando a afirmação feita pela

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autora Beth Brait (1987 apud ANTÔNIO, 2005, p. 16) de que “a confusão entre personagem e pessoa é tão acentuada que chegaram a escrever ‘biografia’ de personagens explorando partes de sua vida ausente do livro (…)”, já vista no Capítulo 3.

Além deste recurso literário único e moderníssimo na época, principalmente, ao ser usado em livros para crianças, Emília expõe outras “antecipações” tecnológicas e científicas. Em uma época que as pesquisas eram raras e ineficientes, a personagem de pano mostra toda a contemporaneidade de seu autor em episódios narrados nas obras – citadas pela autora Marisa Lajolo (2001, p. 132) – A Reforma da Natureza (1941) e A Chave do Tamanho (1942), ambas publicadas no auge da Segunda Guerra Mundial.

No primeiro, Emília altera totalmente a ordem natural de tudo à sua volta com mudanças como, por exemplo, colocar torneiras nas tetas da vaca “mocha” – a vaca de estimação do Sítio –, criar laranjas já descascadas e jabuticabas que brotam no chão. Porém, estas reformas tiveram de ser todas canceladas com a chegada de Dona Benta, quando Emília é alertada de todas as conseqüências trágicas que ocorreriam na natureza devido às mudanças realizadas. A boneca, convencida por Dona Benta, volta atrás e desfaz todas as mudanças efetuadas.

Já, no segundo livro, revoltada com a Segunda Guerra Mundial que assolava o mundo e entristecia profundamente Dona Benta e todos os habitantes do Sítio, Emília resolve tomar providências e sai em busca da tal “chave da guerra” para desligá-la e acabar de vez com o conflito. Porém, engana-se e desliga a “chave do tamanho”, alterando completamente a estatura dos seres humanos, acabando, indiretamente, com a guerra.

No entanto, como ocorre com a primeira obra citada, ela é alertada por todos do Sítio a mudar a situação, deixando tudo como era antes da mudança. Indignada e exercendo o jus

esperneandi, ela resolve levar a proposta a plebiscito e perde, tendo de curvar-se à vontade da

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Vendo que não havia remédio, senão conformar-se com a opinião do maior número, Emília fungou, fungou, e com a mais nobre humildade – grande exemplo para todos os ditadores do mundo – disse para o visconde:

- Pois vamos para a Casa das Chaves, Macaco! (LOBATO, 1942, apud LAJOLO, 2001, p. 136).

Diante de tais exemplos, pode-se perceber facilmente a contemporaneidade das aventuras da personagem Emília e, conseqüentemente de seu criador, ao antecipar situações em que aparecem adulteração genética da natureza, pensamento lógico e científico quanto ao senso de relatividade – no caso, o tamanho – e até clonagem, levantando questões de como seria o mundo se tais mudanças realmente ocorressem, além de sugerir o plebiscito em uma época que o país se encontrava sob regime ditatorial e criticar a atitude egoísta dos governantes do mundo ao provocar conflitos mundiais de proporções tão trágicas.

Através destas narrativas, pode-se perceber que Emília é e sempre será a “preferida” não apenas de Lobato, explicitado por uma ciumenta Narizinho, mas de todos os leitores deste autor inovador e moderno. Sua língua afiada e sempre pronta a “despejar” tudo o que deseja a transformam em um modelo de total independência e atrevimento e, algumas vezes, de crueldade, como no episódio do Anjo.

Tanto que na obra Memórias da Emília, aproveitando-se da ausência de Emília, o Visconde de Sabugosa, então, secretário e escritor das ditas “memórias”, expõe o que realmente sente em relação à boneca, escrevendo todos os seus conceitos em relação àquela que ele considera uma “tirana”:

Emília é uma tirana sem coração. Não tem dó de nada. Quando tia Nastácia vai matar um frango, todos correm de perto e tapam os ouvidos. Emília, não. Emília vai assistir. (…). Também é a criatura mais interesseira do mundo. Tudo quanto faz tem uma razão egoística. Só pensa em si (…). Por isso mesmo está ficando a pessoa mais rica da casa. Eu, por exemplo, só possuo um objeto – a minha cartola. Jamais consegui ser proprietário de outra coisa porque se arranjo qualquer coisa Emília encontra jeito de me tomar. (…) Ela, entretanto, possui um colosso de coisas. O quartinho da Emília está cheio (…). Emília é uma criaturinha incompreensível. Faz coisas de louca, e também faz coisas que até espantam a gente, de tão sensatas. Diz asneiras enormes, e também coisas tão sábias que Dona Benta fica a pensar. Tem saídas para tudo. Não se aperta, não se atrapalha. E em matéria de esperteza,

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não existe outra no mundo. Parece que adivinha, ou vê através dos corpos. (…) Na realidade, o que Emília é, é isso: uma independência de pano – independente até no tratar as pessoas pelo nome que quer e não pelo nome que as pessoas têm. Para ela eu sou o Milho; o Almirante é o Bife… Aqui neste sítio quem manda é ela. Por mais que os meninos façam, no fim quem consegue o que quer é a Emília com os seus famosos jeitinhos. (LOBATO, 2002, p.48-49)

Ao ser flagrado por Emília do que escrevera, Visconde tenta reverter a situação, porém para seu espanto, a boneca aceita o que ele colocara e não o manda para ser comido pela vaca “mocha” como sempre o ameaça quando ele se recusa a fazer algo mandado por ela e, ainda, acrescenta:

- O senhor me traiu. Escreveu aqui uma porção de coisas perversas e desagradáveis com o fim de me desmoralizar perante o público. Mas, pensando bem, vejo que sou assim mesmo. Está certo.

Leu mais uma vez o capítulo.

- É isso mesmo. Sou tudo isso e ainda mais alguma coisa. Pode ficar como está. Cada um de nós dois, Visconde, é como tia Nastácia nos fez. Se somos assim ou assados, a culpa não é nossa – é da negra beiçuda. (Ibid., p.50).

Novamente, Emília surpreende ao assumir-se como realmente é, independente de ser ou não cruel. Como descrito, ela se defende culpando a Tia Nastácia que a criou e afirmando que não há porquê mudar, pois a culpa não é dela, demostrando um comportamento tipicamente humano ao justificar o seu erro culpando outra pessoa ou alegando ser como é porque nasceu daquele jeito e não há como modificar-se.

Porém, ao final da mesma obra, o autor tenta redimir a boneca, em um dos trechos mais longos do livro, mostrando que, apesar de suas atitudes, ela não é como realmente se apresenta. Com esta ação, talvez, Lobato quisesse justificar a boneca e, conseqüentemente a si mesmo, em um momento que pode ser considerado um desabafo totalmente metalingüístico:

Dizem todos que não tenho coração. É falso. Tenho, sim, um lindo coração – só que não é de banana. Coisinhas à-toa não o impressionam; mas êle dói quando vê uma injustiça. Dói tanto, que estou convencida de que o maior mal deste mundo é a injustiça. (…) Eu era uma criaturinha feliz enquanto não sabia ler e portanto não lia os jormais. Depois que aprendi a ler e comecei a ler os jornais, comecei a ficar triste. Comecei a ver como é na realidade o mundo. Tanta guerra, tantos crimes, tantas perseguições, tantos desastres, tanta miséria, tanto sofrimento… (Ibid., p.58).

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A personagem lobatiana mais encantadora de todas é assim: atrevida, controversa, perspicaz, inteligente, sincera, crítica, irônica, enfim, uma verdadeira “torneirinha de asneiras” que a faz ser como é e, por isso, fascinar crianças e até adultos, como a descreve a autora Marisa Lajolo (2001, p. 137):

Emília deixa uma pulga atrás das orelhas dos leitores, que, com a falante e espevitada boneca, aprendem a perguntar: e se o mundo fosse diferente? Questão que sobeja para explicar por que essa criatura de pano e macela é das mais sedutoras da literatura brasileira e mora no coração dos leitores de Monteiro Lobato.

Exatamente por ser como é que a boneca de pano Emília surpreende e encanta e, também, “incomoda” com sua franqueza, chegando a criar problemas junto a instituições seculares como a Igreja Católica. E, por ser assim, ela se tornou uma das personagens mais interessantes e instigantes da Literatura Brasileira, tendo, ainda, muitas facetas a serem exploradas e profundamente analisadas.

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CAPÍTULO 6. ANÁLISE DA OBRA EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA: LÍNGUA E LINGUAGEM EM QUESTÃO

O livro Emília no País da Gramática foi publicado em 1934 e tornou-se uma das obras-primas do autor Monteiro Lobato e um dos livros mais encantadores e instigantes até hoje escritos por tratar-se de um verdadeiro “passeio” pela Língua Portuguesa, disciplina escolar que tanto faz sofrer crianças e adultos.

Com seu estilo único e inovador, Lobato classifica a Língua Portuguesa como se fosse um “país” onde estão todos os elementos gramaticais presentes no idioma. Porém, não se trata de contar uma história sobre o português e, sim, mostrá-lo, analisá-lo e, a partir desta análise, propor mudanças que o transformassem em uma disciplina mais acessível e atraente para todos, sobretudo, o seu público-alvo: as crianças.

A idéia de escrever o livro surgiu, entre outros motivos, da experiência pessoal de Lobato ao sofrer, quando criança, uma reprovação, por não ter conseguido decorar os verbos, prática comum nas escolas tradicionais da época, mas que marcou para sempre a vida do autor que passou a preocupar-se em evitar que outras crianças passassem pela mesma situação, propondo, assim, uma obra paradidática a ser usada nas instituições para ensino da Língua Portuguesa.

A dolorosa experiência da reprovação ocorrida aos catorze anos de idade é escrita em detalhes ao fiel amigo Godofredo Rangel que, por ser professor, lidava com crianças:

Da gramática guardo a memória dos maus meses que em menino passei decorando, sem nada entender, os esoterismos do Augusto Freire da Silva2. Ficou-me da ‘bomba’ que levei, e da papagueação, uma revolta surda contra a gramática e gramáticos, e uma certeza: a gramática fará letrudos, não faz escritores. (MATTOS, Maria Augusta Bastos de. In: www.unicamp.br – acesso em 30/10/07).

2 Augusto Freire da Silva era português e foi professor de Lobato. Em 1879, publicou Compêndio da Gramática

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Em outra carta, Lobato desabafa toda esta revolta contra a gramática:

Aqui em São Paulo o brontossauro da gramática chama-se Alvaro Guerra3, um homem que anda pela rua derrubando regrinhas como os fumantes derrubam pontas de cigarro. As regras desse homem tremendo, quando vem ao bico da pena dos escritores, matam, como unhas matam pulgas, tudo o que é beleza e novidade de expressão – tudo o que é lindo mas a Gramática não quer (grifo do autor). (Id. In:

www.unicamp.br – acesso em 30/10/07).

Analisando-se os trechos anteriores, é fácil entender o motivo de Monteiro Lobato denominar os gramáticos de “carranças” em sua obra sobre o idioma que ele dominava de forma tão mágica e criativa.

A idéia da viagem ao País da Gramática surge, como esperado, da mente curiosa de Emília ao observar Pedrinho estudando português com Dona Benta. Neste momento, o autor, através do menino, critica a maneira como os professores da época ensinavam as crianças:

Dona Benta, com aquela sua paciencia de santa, estava ensinando gramatica a Pedrinho. No começo Pedrinho resingou.

- Maçada, vovó. Basta que eu tenha de lidar com essa caceteação lá na escola. As férias que venho passar aqui são só para brinquedo (…).

- Mas, meu filho, se você apenas recordar com sua avó o que anda aprendendo na escola, isso valerá muito para você mesmo, quando as aulas se reabrirem. (…)

Pedrinho fez bico, mas afinal cedeu (…).

- Ah, assim, sim! dizia ele. Se meu professor ensinasse como a senhora, a tal gramatica até virava brincadeira. Mas o homem obriga a gente a decorar uma porção de definições que ninguem entende. Ditongos, fonemas, gerundio… (LOBATO, 1952, p. 3). 4

Antes mesmo de publicar a obra Emília no País da Gramática, Monteiro Lobato já demonstrava preocupação com a forma como as crianças aprendiam a Língua Portuguesa nas escolas. Para ele, o ensino do idioma brasileiro deveria atualizar-se e tornar-se mais atraente. Por isso, ao conhecer o educador Anísio Teixeira durante estada de Lobato nos Estados Unidos, tornam-se amigos e passam a corresponder-se com freqüência. Nestas cartas, são

3

Álvaro Guerra, gramático brasileiro. Foi professor de português de Sérgio Buarque de Holanda. (ALBIERI, 2005, p. 84).

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discutidas questões sobre educação e, principalmente, as idéias sobre a chamada “Escola Nova” defendidas por Anísio.

Em uma destas cartas, Lobato demonstra toda a sua admiração em relação ao recente amigo e suas idéias inovadoras.

Você me deu um grande prazer hoje – neste estúpido e arrepiado Domingo de chuvisco insistente. Imagine que ontem o Fernando [de Azevedo] deu-me aquele volume de manifesto ao povo e ao governo sobre educação para que o lesse e sobre ele falasse num artigo. E essa intimação do Fernando arrancou-me á faina a petrolífera em que vivo arrancou-mergulhado até as orelhas. Resolvi consagrar este domingo á educação.

Comecei a ler o manifesto. Comecei a não entender, a não ver ali o que desejava ver. Larguei-o. Pus-me a pensar – quem sabe está nalgum livro do Anísio o que não aqui – e lembrei-me de um livro sobre a educação progressiva que me mandaste e que se extraviou no caos que é a minha mesa. Pus-me a procurá-lo, achei-o. E cá estou, Anísio, depois de lidas algumas páginas apenas, a dar berros de entusiasmos por essa coisa maravilhosa que é a tua inteligência lapidada pelos Deweys5 e Kilpatricks.6

Eureca! Eureca! Você é o líder, Anísio! Você é que há de moldar o plano educacional brasileiro. Só você tem a inteligência bastante clara e aguda para

ver dentro do cipoal de coisas engolidas e não digeridas pelos nossos

pedagogos reformadores. Acho que antes de reformarem qualquer coisa ou proporem reformas os mais adiantados e ilustres dos líderes educacionais do momento o que devem fazer é reformar-se a si próprios, isto é, aposentarem-se e sairem do caminho.

Eles não entendem a vida, Anísio. Eles não conhecem, senão nomes, aqueles píncaros (Dewey ε Co.) por cima dos quais você andou e donde pôde descortinar a verdade moderna. Só você, que aperfeiçoou a visão e teve o supremo deslumbramento, pode, neste país, falar de educação.

Vou ler o teu livro como nunca li nenhum. Degustado, penetrando, deslumbrando-me em ver expressas nele idéias que me vieram por gestação, intuitivamente. E depois te escreverei. (Carta provavelmente de 1932. Conversa entre amigos: correspondência escolhida entre Monteiro Lobato e Anísio Teixeira apud ALBIERI, 2005, p. 28).

Além de elogiar o amigo, Anísio Teixeira por seus conceitos sobre educação, Lobato aproveita para “alfinetar” os pedagogos da época afirmando que nada entendiam da vida e, por isso, deveriam aposentar-se para dar lugar à pessoas mais competentes e, sobretudo, com idéias que pudessem revolucionar a escola brasileira.

5 John Dewey (1859-1952) foi um famoso pedagogo americano, divulgador dos princípios da chamada “Escola

Nova” (www.centrorefeducacional.com.br – acesso em 21/06/08).

6

William Heard Kilpatrick (1871-1965), discípulo de Dewey, destacou-se pelo seu “método de projetos” que poderiam ser manuais de descoberta, de competição e de comunicação. (www.faculdadeamadeus.com.br – acesso em 21/06/08).

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É nesse contexto que Anísio Teixeira se faz muito presente na vida literária de Lobato no que diz respeito às obras paradidáticas, sobretudo, Emília no País da Gramática, pois dá ao autor a base teórica sobre a chamada “Escola Progressiva” ou “Escola Nova” de que ele necessitava para seguir a linha de pensamento que havia iniciado com a publicação de

Reinações de Narizinho.

O conceito doutrinário acerca desta escola renovada e moderna, é explicado pelo próprio Anísio em um de seus livros sobre educação:

1) Uma escola de vida e de experiencia para que sejam possiveis as verdadeiras condições do ato de aprender.

2) Uma escola onde os alunos são ativos e onde os objetos formem a unidade típica do processo de aprendizagem. Só uma atividade querida e projetada pelos alunos pode fazer da vida escolar uma vida que eles sintam que vale a pena viver.

3) Uma escola onde os professores simpatizem com as crianças que só através da atividade progressiva dos alunos podem eles se educar, isto é,

crescer, e que saibam ainda que crescer é ganhar cada vez melhores e mais

adequados meios de realizar a propria personalidade dentro do meio social onde se vive. (TEIXEIRA, 1934, apud ALBIERI, 2005, p. 29). (Grifos do autor).

Os conceitos descritos estão presentes na obra lobatiana quando da descrição do Sítio do Picapau Amarelo e de seus habitantes. Todos ali “vivem” o aprendizado e crescem com ele, mesmo Dona Benta que, a cada aventura, renova seus conhecimentos e atualiza-se como pessoa.

E esta experiência é passada para as crianças, leitores de Lobato, que entram em contato com uma forma inusitada de fazer literatura infantil, pois não se trata de obras com o objetivo de passar-lhes lições de moral porque, ao vivenciar as aventuras escritas nos livros e participar intensamente do universo lobatiano, as crianças aprendem a refletir, criticar e, conseqüentemente, decidir o que é certo ou errado. Por isso, todos os personagens apresentam-se como realmente são e explicitam, sem receio, o que pensam umas das outras, além de expor francamente os seus sentimentos, tendo, apenas, a ética como diretriz para as suas atitudes.

Referências

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