• Nenhum resultado encontrado

3 DOS FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA LFG

3.4 A análise da passiva na LFG

Nesta seção, discutiremos como o fenômeno da passiva, restringindo-nos à chamada passiva analítica, é analisado no âmbito teórico da LFG. Apresentaremos ainda a regra lexical de passivização e as estruturas C e F geradas pelo XLE para um exemplo de sentença passiva de nossa gramática a fim de discutir aspectos da análise.

Segundo Carnie (2002), o que temos na LFG é uma relação biunívoca entre as palavras e os nódulos terminais das estruturas sintáticas. Por ter uma base forte no léxico, funções gramaticais básicas da LFG nos permitem fazer construções passivas em um único passo, não havendo nesse formalismo um componente sintático para a voz passiva; ao invés disso, o que há é uma simples mudança lexical associada com morfologia passiva (CARNIE, 2002, p. 447).

Alencar (2015, p.41) faz a seguinte reflexão a respeito da voz passiva na LFG:

A característica fundamental da análise da passiva na LFG é que esse fenômeno sintático é tratado de modo puramente lexical, sem recorrer a nenhuma operação de movimento de constituintes, como o fazem outras abordagens gerativas. As diferenças estruturais entre a ativa e a passiva decorrem da vinculação de argumentos semânticos a funções sintáticas, que, na forma passiva, difere da vinculação argumental na ativa.

Vejamos, então, como a chamada regra da passiva funciona em uma teoria de base lexicalista não-transformacional tal qual a LFG. Sigamos o raciocínio apresentado por Kroeger (2004, p.57), a partir dos exemplos abaixo, para descrever que tipo de regra é requerida pela gramática para derivar sentenças passivas:

8) a) beat < agent, patient > Active SUBJ OBJ

b) be beaten < agent, patient > Passive

(OBL) SUBJ

Para Kroeger (2004, p.57), como refletido no esquema (8a-b), “passivização é primariamente um realinhamento de relações gramaticais que sempre envolve o ato de reduzir o agente de uma forma de sujeito ativo à forma oblíqua passiva e que normalmente envolve o ato de promover o paciente da forma de objeto ativo à forma de sujeito passivo”38.O processo de derivação da passiva parece, assim, bastante simples, o

38

No original: “passivization is primarily a realignment of grammatical relations, always involving the demotion of the agent from active subject to passive oblique, an normally involving the promotion of the

que nos leva intuitivamente a pensar ser possível tratar a passivização “como um processo que deriva verbos passivos”39 (id., ib.) e as orações passivas como sentenças

normais que contêm um tipo especial de verbo.

Esse tipo especial de verbo presente em orações passivas difere de seu correspondente ativo em dois pontos principais: i) por sua forma morfológica; ii) pelas relações gramaticais que são por ele atribuídas, ou seja, por sua subcategorização (KROEGER, 2004, p.58). A despeito do ponto (i), ou seja, da forma do verbo em si, e da presença de um verbo auxiliar (tanto em inglês quanto em português), a estrutura sintática de uma sentença passiva é bastante similar à sua correspondente ativa. No que concerne à estrutura sintagmática e ao padrão na ordem das palavras, verifica-se que não há grandes diferenças em pares de sentenças ativa e passiva. A gramática de uma língua como inglês e português, línguas configuracionais, deve, pois, incluir regras de estrutura sintagmáticas, como em (9), que permitam a geração de sentenças passivas.

9) S → NP VP [SUBJ]

VP → V (NP) (PP)*40 [OBJ] [OBL] (KROEGER, 2004, p.58)

Em termos de processamento, no que diz respeito à visão gerativa tradicional de ser voz passiva uma construção derivada de uma sentença ativa, pressupunha-se que uma sentença passiva seria mais dispendiosa41, uma vez que mais tempo seria requerido para o processamento das transformações. Não obstante, Müller (2016) afirma que se comparadas duas sentenças de tamanhos similares (e.g. sentenças

patient from active object to passive subject”.

39No original: “We will treat the passivization as a process that derives passive verbs”.

40

Segundo Sag et al. (2003, p.563), o asterisco aqui representa a chamada estrela de Kleene (Kleene star), em homenagem ao matemático Stephen Kleene, geralmente usada na representação formal de línguas (tanto naturais como artificiais) a fim de permitir que certos padrões sejam repetidos por um número infinito de vezes (incluindo também zero repetições). A notação formal para isso é um asterisco sobrescrito. Por exemplo, uma expressão regular como ab*

c corresponde aos seguintes conjuntos de caracteres: ac, abc, abbc, abbbc … No exemplo analisado em (9), significa que o VP pode ser formado por nenhum ou, em tese, por infinitos PPs.

41

Isso de acordo com o a Teoria Derivacional da Complexidade (DTC, Derivational Theory of Complexity), segundo a qual: uma sentença que requer mais transformações do que outra sentença dever ser, por isso, mais difícil de ser processada por humanos (MÜLLER, 2016, p.501).

10(a) e 10(b)), uma contendo o particípio passivo e outra um adjetivo, o custo maior de processamento esperado não se verifica.

10) a) The bus driver was nervous after the wreck. b) The bus driver was fired after the wreck.

Também nesse ponto, a LFG representa uma modelo mais realista caso sejam levadas em conta pesquisas no âmbito da psicolinguística, haja vista que há uma coerência maior em uma teoria de base lexicalista, que não recorre a transformações, e teorias que se preocupam com a psicologia da linguagem.

Vejamos, então, como se configura uma análise LFG/XLE de uma sentença passiva como em (11):

11) A fada é procurada por um cavaleiro.

FIGURA 16 - Estrutura C e estrutura F da sentença A fada é procurada por um

cavaleiro geradas no XLE a partir da gramática G-V

Fonte: Elaborado pelo autor através do XLE

O que se nota, comparando-se as estruturas F das FIGURAS 11 e 16, é que o valor de PRED para ambas é o mesmo. Segundo Alencar (2015a, p.40): “Isso reflete o fato de que, em termos lógico-semânticos, uma sentença na voz ativa é equivalente à sua versão passiva. O que difere, nas duas estruturas funcionais, é o mapeamento dos

argumentos semânticos sobre funções gramaticais”. Na prática, a diferença nas respectivas entradas lexicais das formas procurar e procurada dá-se apenas nas funções gramaticais que expressam os argumentos Agente e Tema.

Não obstante, uma ressalva pode ser feita, pois ainda que a grade temática seja a mesma, é interessante observar que a obrigatoriedade dos argumentos é assimétrica. O agente é opcional na sentença passiva, ao passo que seu correspondente na sentença ativa não o é. Essa opcionalidade parece refletir o princípio funcional da passiva de demoção do sujeito.