6. Discussão
6.4 Análise de polimorfismos no gene ccoaomt
A amplificação de segmentos do gene ccoaomt em três espécies de Eucalyptus teve
como objetivo inicial o estudo da diversidade nucleotídica e haplotípica em um segmento
deste gene. Foram observados SNPs tanto em regiões codificadoras como em não
codificadoras deste segmento gênico.
A comparação entre os segmentos do gene ccoaomt se baseou na análise de uma
mesma região, com igual número de bases e em confronto a uma seqüência de referência. De
acordo com a seqüência de referência, para as três espécies em estudo, um total de 12
diferentes SNPs e uma inserção com 5 nucleotídeos foram os polimorfismos encontrados no
fragmento do gene ccoaomt amplificado neste estudo. A deleção de apenas uma base em dois
indivíduos de E. urophylla também foi encontrada.
Dentre os SNPs encontrados para os indivíduos de E. grandis, aquele na posição 238
implicaria na alteração do aminoácido, de uma valina para uma fenilalanina, ambos não
polares, resultando em uma mutação sinônima. Esta alteração, por se encontrar na região de
exon, pode ter uma grande importância na formação da estrutura final da proteína onde apenas
um aminoácido modificado pode acarretar alterações drásticas na sua função. Esta hipótese
deve ainda ser testada em estudos de expressão gênica e análises cristalográficas em mutantes
naturais ou transgênicos, além da verificação da possibilidade de alteração de especificidade
do substrato, caso o polimorfismo esteja relacionado ao sítio catalítico da enzima.
Em E. globulus, diferentemente de E. grandis, polimorfismos foram encontrados
apenas nas regiões de introns. É bem descrito na literatura que a maior proporção de
polimorfismo de seqüência é encontrada na região de introns, pela fraca ou ausente pressão de
seleção (CHING et al., 2002). Assim como em E. globulus, E. grandis e E. urophylla também
apresentaram polimorfismos em introns. De igual maneira à E. grandis, E. urophylla também
Na posição 431, em E. urophylla, ocorreu uma mutação sinônima alterando o
aminoácido valina por uma leucina. Esta alteração pode, de alguma forma, modificar a
estrutura final da proteína mesmo conservando a característica apolar do aminoácido original.
Já na posição 238, um polimorfismo em relação à seqüência utilizada como referência foi
observada em E. urophylla. O polimorfismo estava fixado para todos os indivíduos, não
caracterizando assim um polimorfismo intra-específico. Entretanto, a alteração com relação à
seqüência de referência, alterou o aminoácido valina por uma fenilalanina, modificando o
aminoácido mas conservando a sua característica apolar, da mesma forma como encontrado
em E. grandis. Contudo, vale lembrar que nesta situação a alteração do aminoácido, mesmo
mantendo as características apolares, pode trazer modificações significativas para a estrutura
da proteína. O espaço físico necessário para o aminoácido inicial deverá ser alterado para
comportar a presença de um anel aromático, presente na estrutura da fenilalanina, o que pode
fisicamente trazer alterações significativas, assim como modificar a especificidade da enzima
resultante, já que a alteração pode influenciar diretamente no sítio catalítico da enzima. Este
resultado merece investigações mais detalhadas do efeito deste polimorfismo na atividade da
enzima CCoAOMT em E. urophylla com relação às outras duas espécies.
Outro polimorfismo na região de exon foi detectado em E. urophylla na posição 229, o
qual alteraria o aminoácido cisteína por uma arginina, resultando em uma mutação não
sinônima. Este tipo de alteração é grave, por alterar o aminoácido e a sua característica
original, inicialmente polar para um aminoácido básico. Este polimorfismo e sua conseqüente
alteração na estrutura primária da enzima CCoAOMT em E. urophylla abrem o caminho para
interessantes experimentos de bioquímica que podem gerar informações importantes sobre
uma potencial relação entre fenótipos de propriedades químicas da madeira e estes
polimorfismos. Vale ressaltar que E. urophylla é a única espécie que não ocorre no continente
espécie e monomórficos dentro de espécie são possivelmente posteriores ao processo de
especiação de E. urophylla e podem ser úteis para a identificação de germoplasmas, por
exemplo. Além disso, a tipagem deste SNP pode ser extremamente útil para a inferência da
participação de E. urophylla na geração de híbridos espontâneos no Brasil.
A mutação é a força geradora de variabilidade. Uma mutação causada por substituição
nucleotídica, inserção/deleção, recombinação ou conversão gênica, pode se propagar na
população por efeito de deriva, fluxo gênico e/ou seleção natural e, eventualmente, ser fixada
na espécie (NEI & KUMAR, 2000). Entre as espécies estudadas, vários polimorfismos foram
identificados como comuns e espécie-específicos. O polimorfismo na posição 167 se encontra
fixado para a espécie E. globulus, com o alelo G em 100% dos indivíduos. Já para a espécie
E. grandis, 73,1% dos indivíduos apresentaram o alelo G em homozigose e 10,4% em
heterozigose, indicando que o alelo G ainda é o mais freqüente. Para E. urophylla, a diferença
é significativa, com apenas 11,6% dos indivíduos homozigotos para o alelo G e a grande
maioria dos indivíduos homozigotos para o alelo A. Estas diferenças em freqüências alélicas
refletem o processo de especiação, que normalmente traz vantagens para a adaptação e
permanência da espécie no meio ambiente, embora possa também ser apenas o resultado de
efeito de deriva. Por estar localizado em região de intron, as diferenças para este
polimorfismo são possivelmente resultantes de efeito de deriva por não ter conseqüências
diretas na formação da proteína, mas pode haver influências indiretas, como sinais de ativação
de expressão gênica, indicativo de “splicing alternativo” para a formação das isoformas.
O polimorfismo da posição 238 está fixado para a espécie E. globulus e E. urophylla e
apresenta-se em 73,1% dos indivíduos em E. grandis. Este polimorfismo encontra-se na
região de exon e a conseqüência de uma variação nesta região pode ser mais significativa que
as alterações localizadas nas regiões de introns, por alterar o aminoácido, produto da leitura
formação da madeira, este pode ser um polimorfismo importante que tem efeito direto sobre a
atividade enzimática da CCoAOMT e conseqüentemente na qualidade da madeira da espécie.
Assim como para o polimorfismo anteriormente descrito, estudos de associação devem ser
ainda realizados para a confirmação desta hipótese.
Há outros polimorfismos que estão presentes em uma espécie e ausente em outras. No
nosso estudo, foram observados os polimorfismos nas posições 10, 76, 154 e 368, presentes
somente na espécie E. grandis, assim como nas posições 178, 179, 189, 229 e 431, presentes
somente em E. urophylla. Os sítios polimórficos presentes em E. globulus são todos também
observados em E. grandis, não apresentando polimorfismos específicos para esta espécie.
Observação semelhante foi feita no gênero Arabidopsis, comparando os níveis de
polimorfismo para o locus Adh (Álcool desidrogenase) para duas espécies, A. thaliana, com
predominância de autopolinização, e A. lyrata, com cruzamento aberto. A distribuição dos
sítios segregantes no gene foi muito diferente entre as duas espécies (INGVARSSON, 2005;
SAVOLAINEN et al., 2000). Esses polimorfismos espécie específicos podem ser importantes
no sentido de formarem um conjunto de marcadores altamente discriminatórios,
principalmente quando analisados na forma de haplótipos para a identificação de uma
determinada espécie ou de híbridos delas derivados.
Em E. urophylla observou-se ainda um polimorfismo de grande interesse para estudos
filogenéticos. No intron 2, observou-se em 53,5% dos indivíduos analisados, a presença de
uma inserção de 5 nucleotídeos, TCTGT, que se apresenta como uma duplicação dos 6
nucleotídeos anteriores, ATCTGT. Todos os indivíduos que possuem essa inserção possuem o
alelo A anterior à inserção, na posição 189, tornando o sítio polimórfico (Figura 43). Este
alelo é indicado como sendo um sítio polimórfico específico para a espécie E. urophylla. Essa
inserção, presente somente em indivíduos da espécie E. urophylla, pode também ser utilizada
Figura 43. Ilustração esquemática do alinhamento das seqüências obtidas por amplificação com iniciadores específicos em E. urophylla. Observações quanto à inserção encontrada em alguns indivíduos e a presença do alelo A antecedendo à inserção. Seqüências alinhadas pelo programa
SeqScape com a indicação de qualidade de bases (barras em azul).
A construção de um oligonucleotídeo iniciador ancorado de forma que a última base
no terminal 3’ coincida exatamente com a posição 189, permitiria a amplificação exclusiva de
indivíduos que apresentassem a inserção. Alternativamente, este indel de cinco bases poderia
ser facilmente detectado por eletroforese em gel de poliacrilamida. Este marcador, juntamente
com a análise dos vários SNPs com significativas diferenças de freqüências entre espécies
serão altamente úteis para a investigação da formação de híbridos envolvendo E. urophylla.