1. Introdução
1.3 A lignina
1.3.1 Composição e estrutura da lignina
A lignina é um heteropolímero aromático complexo composto principalmente de três
monômeros derivados do álcool hidroxicinamílico que diferem entre si por graus de
metoxilação nas posições dos carbonos C3 e C5 do anel aromático (FREUDENBERG &
NEISH, 1968).
A biossíntese desses monômeros de lignina, ou monolignóis, inicia-se com a
deaminação do aminoácido fenilalanina e envolve sucessivas reações de hidroxilação do anel
aromático, seguido de o-metilação fenólica e conversão do grupo carboxil em um grupo
hidroxil, resultando nos álcoois p-coumaril, coniferil e sinapil (BOERJAN et al., 2003)
Figura 5. Estrutura molecular dos álcoois constituintes da lignina. Extraído e modificado de Boerjan et al., 2003.
Inicialmente imaginava-se que as reações de hidroxilação e metilação ocorriam em
nível de ácidos cinâmicos e que os ácidos p-coumárico, ferúlico e sinápico eram
subseqüentemente convertidos para os correspondentes monolignóis pela ação seqüencial das
enzimas 4CL, CCR e CAD. Entretanto, a descoberta de todos os passos para a formação
desses monômeros foi possível através de ensaios enzimáticos in vitro que permitiram a
identificação dos genes envolvidos na via. A partir de análises de mutantes e plantas
transgênicas modificadas na biossíntese de monolignóis, uma via de formação dos
monolignóis foi inicialmente sugerida mas já passou por diversas revisões realizadas por
vários autores. Para os nossos estudos, adotaremos a descrita por Boerjan et al. (2003),
Figura 6. Via biossintética dos monolignóis. A rota cinza escuro representa a via de produção dos monolignóis mais amplamente aceita e descrita para as angiospermas. A rota cinza claro é um caminho alternativo que ocorre dependendo das condições ambientais e da espécie. A parte branca é descrita por alguns autores mas não apresenta significante papel na biossíntese dos monolignóis. Extraído e modificado de Boerjan et al., 2003. As siglas dos nomes encontram-se na lista de abreviações.
Os álcoois p-coumaril, coniferil e sinapil, quando incorporados ao polímero da lignina,
são denominados, respectivamente, de unidades p-hidroxifenil (H), guaiacil (G) e siringil (S).
Esses monômeros são sintetizados intracelularmente, exportados para a parede celular e,
subseqüentemente, polimerizados. A lignina é formada através da polimerização
desidrogenativa dos monolignóis, realizada por diferentes classes de proteínas, tais como
peroxidases e oxidases (CHRISTENSEN et al., 2000).
Além desses três principais monolignóis, o polímero lignina contém traços de
unidades de monolignóis biossintetizados incompletamente e incorpora várias outras unidades
de fenilpropanóides tais como hidroxicinamaldeídos, acetatos, p-coumaratos, p-
hidroxibenzatos e ferrulatos tiamínicos (SEDEROFF et al., 1999; BOERJAN et al., 2003).
Estudos mais recentes vêm tornando cada vez mais claro o fato das ligninas serem
derivadas de vários monômeros e não somente de três monolignóis. Muitas plantas normais
contêm uma fração substancial de ligninas derivadas de outros monômeros, além de traços de
unidades incompletas (RALPH et al., 2001). Muitas destas unidades têm sido identificadas
pela sua maior incorporação no polímero de lignina em plantas transgênicas e mutantes com
perturbações na via de biossíntese de monolignóis.
Ralph (1997) sugere que as plantas simplesmente necessitam de um polímero com
propriedades mecânicas específicas e que a atual composição da lignina não é particularmente
importante para a planta. Este mesmo autor afirma que plantas normais são produzidas
quando a produção do monômero tradicional é inibida e as plantas fazem lignina a partir de
outros precursores que não os três mais comumente utilizados (ANTEROLA & LEWIS,
2002). Isto sugere que existe um molde de formação da lignina, mas as suas variações muitas
vezes também são aceitáveis na constituição das paredes celulares dos vegetais.
Para a maioria das enzimas descritas na via adotada para o nosso estudo, ocorrem
da planta e dependentes do ambiente na qual se encontra (CHEN et al., 2000; HU et al., 1998;
LAUVERGEAT et al., 2001; LINDERMAYR et al., 2002), apresentando diferentes
atividades cinéticas e preferências de substrato (EHLTING et al., 1999; HARDING et al.,
2002; ZUBIETA et al., 2002). Certos caminhos na via são mais favorecidos cineticamente do
que outros, ocorrem em tipos específicos de células ou condições ambientais ideais, o que
permite uma flexibilidade metabólica (Fig. 6).
Como exemplo, existem as isoformas da enzima 4CL (4-Coumarato CoA Ligase) que
na maioria das plantas analisadas utilizam os ácidos p-coumárico, caféico e o ferúlico como
substratos, mas não o sinápico. Isoformas de algumas plantas são capazes de converter ácido
sinápico em sinapoil-CoA (LINDERMAYR et al., 2002), criando a possibilidade em
determinadas plantas, que monolignóis possam ser sintetizados pela via dos ácidos (VOGEL
& JUNG, 2001).
Um outro nível de complexidade diz respeito aos intermediários da via que podem
afetar a síntese ou a atividade de certas enzimas. O ácido cinâmico, por exemplo, inibe a
expressão do gene pal (Fenilalanina amônia liase) em nível transcricional e pós transcricional
(BLOUNT et al., 2000; JONES et al., 2001) e induz a atividade de HCT (Hidroxicinamoil
CoA transferase) (LAMB, 1977). Em estudos com fumo transgênico, a baixa expressão de
C4H (Cinamato 4-Hidroxilase) reduz a atividade da PAL por retroalimentação (BLOUNT et
al., 2000).
Concentrações de fenilalanina também afetam de forma substancial o fluxo da via.
Anterola et al. (2002) demonstraram em experimentos com cultura de células em suspensão
enriquecidas com o aminoácido fenilalanina que ocorre um aumento nos níveis dos álcoois p-
coumaril e coniferil e dos transcritos dos genes pal, 4cl, ccoaomt (Cafeoil-CoA o-
metiltransferase) e ccr (Cinamoil-CoA redutase). A atividade das enzimas C4H e C3H (4-
citadas.
Dessa forma, o quão importante é uma ou outra enzima constituinte da via de
biossíntese de lignina é, de fato, difícil avaliar, mas certamente haverá alguma em que
alterações na sua expressão ou na sua constituição resultarão em alterações fenotípicas de
maior impacto na estrutura, composição e conteúdo de lignina na planta.