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4. Resultados

4.5 Análise de alterações metabólicas que podem esclarecer a maior

4.5.4 Análise quantitativa das reservas energéticas durante a exposição ao

Nos resultados apresentados na figura 14A podemos notar que S. boulardii acumula 7 vezes mais trealose do que S. cerevisiae W303 nas condições controle. Segundo Thevelein, J.M. (1984), as células de leveduras quando se encontram em fase de crescimento exponencial em glicose, contém baixas concentrações de trealose. Após 30 minutos de exposição ao estresse ácido S.boulardii consegue mobilizar trealose ocorrendo perda gradual deste carboidrato. Em se tratando da cepa S. cerevisiae W303, apesar do conteúdo inicial normal de trealose nestas condições (0,5 a 0,85 mg de trealose/ 100mg de massa seca, segundo Alcarde e Basso, 1997), durante a exposição ao pH 2 não observamos mobilização deste açúcar reserva. Segundo Soumalainem e Pfaffli (1961) a maior viabilidade celular em leveduras, envolvidas no processo de panificação, eram decorrentes do elevado teor de trealose; deste modo, a função do mesmo seria de proteção às células contra autólise.

Os teores de glicogênio demonstram uma diferença significativa entre o conteúdo do mesmo em S. boulardii e em S. cerevisiae W303 (Figura 14B). Durante a exposição ao estresse ácido a cepa probiótica S. boulardii reduziu em 86% o conteúdo de glicogênio, com a mesma tendência observamos o mutante ena1-4∆, enquanto

S. cerevisiae W303 parece manter os teores de glicogênio em 30 minutos de exposição

em pH baixo, estes dados podem estar relacionados à perda de viabilidade durante o estresse em S. cerevisiae W303 e consumo de glicogênio pelo aumento do metabolismo por S. boulardii.

Deste modo, segundo o consumo de glicogênio durante o estresse ácido por

S. boulardii, avaliado neste experimento, sugere a utilização deste açúcar de reserva

para atividade metabólica em defesa ao estresse submetido.

A concentração de ATP (adenosina 5’-trifosfato) foi determinada utilizando um ensaio de geração de luminescência envolvendo o complexo luciferina-luciferase, capaz de formar um produto eletronicamente excitado e emitir luz, e a luz da reação é medida por fluorescência (Roucou e cols., 1999).

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As células de leveduras são capazes de gerar ATP para preservar funções celulares fundamentais, tais como: gradientes iônicos, que atravessam as membranas celulares, controle na geração de sinalização intracelular, síntese de proteínas e progressão do ciclo celular.

Os resultados apresentados na figura 14C demonstram que S. boulardii consome o conteúdo de ATP ao longo do estresse ácido, iniciando com níveis de 1720,5 µg de ATP por grama de células, tendo redução das taxas de ATP em até 98% após 30 minutos em pH 2. Em S. cerevisiae W303 os níveis de ATP são mantidos em torno de 1033,02 µg de ATP por grama de células, mesmo após 30 minutos de exposição. Os níveis de ATP observados, ao longo da exposição de cepas Saccharomyces ao estresse ácido, permite sugerir que a indução da H+-ATPase de S. boulardii (figura 8) está diretamente relacionada com os níveis intracelulares decrescentes de ATP (figura 14C). Entretanto, não visualizamos o mesmo perfil na cepa S. cerevisiae W303, no qual nos permite relacionar a não mobilização dos níveis de ATP à perda de atividade metabólica em se tratando dos parâmetros analisados neste trabalho.

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Figura 14 – Conteúdo de trealose (A), glicogênio (B) e ATP (C) em cepas

Saccharomyces crescidas em meio YPD 4% até D.O.600nm 1,0 e submetidas ao estresse

ácido pH 2 (símbolos não preenchidos) e pH 2 + 85 mM de NaCl ( símbolos preenchidos) durante 30 e 60 minutos. S. boulardii (□, ■), S. cerevisiae W303 ( , ▲) e

o mutante ena1-4∆(○,•).

A

B

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5 - Discussão

A sobrevivência de microrganismos probióticos é dependente da sua habilidade de resistir à passagem do trato digestivo. Neste contexto, tolerância ao pH baixo e sais biliares têm sido utilizados como critérios de seleção de microrganismos com potencial probiótico (Ouwehand, A.C. e cols., 1999).

O fluido gástrico tem grande importância como primeira defesa contra patógenos entéricos, e pesquisas simulando este fluido têm sido bem documentadas (Smith, J. L., 2003; Tamplin, M. I., 2005). O estômago destaca-se por ter um papel fundamental não só na digestão parcial dos alimentos, mas também na inativação e morte de agentes patogênicos presentes nos alimentos antes da sua entrada no trato gastrointestinal (Smith, J. L., 2003).

Estudos preliminares de tolerância a simulação de ambientes gástrico, pancreático e intestinal, mostraram uma resistência maior de S. boulardii, comparado a

S. cerevisiae W303 (Fietto, J. L. R. e cols., 2004). Neste trabalho, ao avaliarmos a

tolerância de S. boulardii ao ambiente gástrico simulado (solução aquosa contendo 85mM de NaCl, 3g/L de pepsina e pH 2), em comparação com S. cerevisiae W303 (uma linhagem de laboratório) e com outras linhagens S. cerevisiae UFMG 20 e UFMG 24, depois de 1 hora de exposição ao estresse, S. boulardii apresentou maior tolerância em relação as demais cepas estudadas, representando uma característica primordial a ser analisada em uma cepa potencialmente probiótica.

Os efeitos dos diferentes componentes do meio gástrico simulado foram investigados com o objetivo de esclarecer o envolvimento dos mesmos na perda de viabilidade das células. Nós observamos que a exposição a NaCl e a pepsina, separadamente, não são capazes de afetar significativamente a viabilidade celular. Por outro lado, identificamos que o principal componente gástrico responsável pela diminuição drástica da viabilidade, foi o pH ácido (pH 2), e que a adição de NaCl nesta condição restabeleceu a resistência observada anteriormente em estresse gástrico simulado. A resistência a baixo pH demonstrada pela cepa S. boulardii , consiste em um importante fator para a seleção de microrganismos a serem utilizados como probióticos. Nossos resultados estão de acordo com outros trabalhos que já comprovaram que a cepa

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S. boulardii é altamente resistente ao ambiente ácido (Fietto, J. L. R. e cols., 2004; Van

Der AA Kuhle, A. e cols., 2005; Edwards-Ingram, L. e cols., 2007).

Após identificarmos o efeito protetor da adição de NaCl quanto a viabilidade em pH 2, resolvemos investigar a especificidade do NaCl, nesta condição, com adição de diferentes íons conjugados do mesmo ânion (cloreto). Os diferentes íons analisados promoveram efeito protetor tanto em S. boulardii quanto em S. cerevisiae W303. Observamos que na cepa S.boulardii o efeito protetor do sódio foi mais evidente que os íons cálcio, potássio e magnésio, entretanto apenas o íon lítio não apresentou uma proteção proeminente, provavelmente nas concentrações que utilizamos este íon pode ter apresentado uma toxicidade maior do que o efeito protetor. Em contrapartida na cepa W303 o efeito protetor foi mais intensa com a adição do íon cálcio em pH 2, e isto, nos permite sugerir, que seria importante a investigação da homeostase do cálcio, em relação a cepa W303, nestas condições.

Considerando que o ensaio foi realizado a 37°C (temperatura corporal), e que dados na literatura demonstram que em S. cerevisiae sob pequenas elevações de temperatura de incubação pode gerar alterações no perfil de proteínas (Miller e cols., 1979), nós resolvemos investigar o perfil da síntese protéica neste contexto. A resposta ao estresse não resulta somente no reparo de possíveis danos, mas também leva à aquisição de tolerância ao estresse que o gerou e, muitas vezes a outros tipos de estresses (Lewis, J. G. e cols., 1995).

A cicloheximida foi utilizada no trabalho de Ludovico, P. e cols., (2001), para determinar o envolvimento de processos de apoptose em células de S. cerevisiae expostas em ácido acético (pH ∼ 2), no qual demonstraram que a morte induzida por concentrações mais baixas de ácido acético (20-80 mM) foi parcialmente inibida por cicloheximida, evidenciando que nestas concentrações foi possível detectar diferentes alterações típicas de apoptose.

A adição de cicloheximida no ensaio de pH 2 acrescido de sódio resultou em uma diminuição da resistência apresentada por S. boulardii, sugerindo um papel, ainda que parcial, de síntese protéica na resposta ao estresse, e descartando, de fato, processos apoptóticos nestas condições. Diante do fato de que avaliamos viabilidade celular, a

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utilização de uma droga como a cicloheximida não é ideal para ensaios de resistência, sugerimos então, que o perfil protéico seja melhor investigado, para permitir identificar os alvos protéicos envolvidos no fenômeno de resistência/susceptibilidade.

O modo de ação para que se estabeleça o efeito positivo dos íons, deve envolver a homeostase iônica. Em leveduras, a manutenção da homeostase de Na+ e K+ é dependente de sistemas transportadores responsáveis pelo influxo e efluxo de sais, tais como a bomba exportadora de sódio Ena1p (Benito B. e cols., 1997), permutadores de Na+/H+ Nha1p localizado na membrana plasmática, Nhx1p permutador prevacuolar (Nass, R. e cols., 1998) e Vnx1p descrito como transportador presente na membrana do vacúolo responsável pela homeostase de íons Na+ e K+ e regulação do pH vacuolar (Cagnac, O. e cols., 2007). Além da captação de Na+ e K+ pelos transportadores Trk1p e Trk2p (Ko, C. H. e Gaber, R.F., 1991) existem outros canais menos específicos como o Nsc1p, ainda não identificado geneticamente (Bihler, H. e cols., 2002).

Neste trabalho, investigamos a relação da homeostase de sódio com o efeito protetor do mesmo observado nas células submetidas ao pH 2, utilizando cepas com deleções em genes que codificam para proteínas envolvidas no sistema de regulação deste íon. Nossos resultados evidenciam um maior aumento da viabilidade celular do mutante ena1-4∆ submetido ao estresse ácido na presença do íon sódio, quando comparado à cepa selvagem. Este fenótipo é semelhante ao fenótipo observado para a cepa S. boulardii que apresentou maior resistência a pH ácido na presença de NaCl. Este dado sugere que a baixa extrusão de sódio por Ena1-4p seja um fator importante na resposta ao estresse ácido. A atividade e aumento de expressão de ENA1-4 têm sido descrito na literatura em resposta ao estresse alcalino e altas concentrações de sais (Nelson e Nelson, 1990; Haro e cols.,1991; Marquez e Serrano, R., 1996), visto que os principais participantes da ativação deste gene compreendem, as vias de sinalização da calcineuria, Rim101 e Snf1 (Platara e cols., 2006). Não há relatos na literatura do envolvimento da proteína Ena1-4p em estresse ácido.

De acordo com esses resultados iniciais, determinamos a expressão do gene

ENA1-4 em S. boulardii, que apresentou níveis muito baixos deste transcrito, quando

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boulardii possui expressão quase nulas do gene ENA1-4, e após a exposição em pH 2

mais NaCl a transcrição deste gene foi consideravelmente reduzida em ambas as cepas avaliadas, reforçando a hipótese de uma relação inversa entre expressão/atividade dos genes ENA e resistência ao estresse ácido na presença de sódio. Os dados de expressão por RT-PCR explicam também a semelhança do fenótipo observado entre S. boulardii e o mutante ena1-4∆ sob condições de estresse ácido e adição de baixas concentrações de sódio, presumindo um envolvimento da diminuição do efluxo de sódio para aumento da viabilidade.

A participação de ATPases do tipo P em geral foi testada pela adição do vanadato ao estresse ácido. Este inibidor não afetou de forma significativa a viabilidade celular do mutante ena1-4∆ submetido ao estresse (acídico + NaCl 85 mM), mas aumentou significativamente a viabilidade da cepa selvagem, provavelmente pela inibição de Ena1-4p. Surpreendentemente, o vanadato exerceu um efeito contrário em S.

boulardii. Sugerimos então um possível envolvimento de outras ATPases do tipo P na

resposta, pois como demonstrado a expressão de ENA1 em S. boulardii é muito baixa. Quando a levedura enfrenta condições de baixo pH as células necessitam do sistema de efluxo de prótons H+. Geneticamente bem caracterizadas, as H+-ATPases de

S. cerevisiae e de Schizosacharomyces pombe são codificadas pelo gene PMA1

(Serrano, R. e cols., 1986). Sabe-se também que Pma1p gera um gradiente eletroquímico de prótons capaz de impulsionar transportes secundários, contribuindo para regulação do pH intracelular e por conseqüência a viabilidade.

Desta forma, o perfil de ativação da H+-ATPase nas cepas S. boulardii e

ena1-4∆ demonstrou uma contribuição positiva na proteção contra o estresse ácido

submetido, em relação a S. cerevisiae W303. Os resultados obtidos sugerem um envolvimento na regulação negativa por Ena1-4p na ativação da H+-ATPase de membrana plasmática sob estresse ácido adicionado de sódio.

Após as evidências de que as cepas S. boulardii e o mutante ena1-4∆ são capazes de responder ao estresse ácido através da ativação da H+-ATPase diferentemente de S. cerevisiae W303, decidimos verificar o pH interno das cepas nestas condições.

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A redução da viabilidade das células de leveduras em pH baixo, mesmo na presença de 85mM de NaCl, pode estar relacionada ao pH intracelular (Sychrova e

cols., 1999; Kinclova-Zimmermannova, O. e cols., 2006). Nestas condições S. boulardii, a cepa selvagem W303 e ena1-4∆ não apresentaram diferenças significativas

de pH intracelular após exposição ao pH 2 e NaCl. Estes dados permitem-nos sugerir que provavelmente em pH ácido não há influxo indiscriminado de prótons em células submetidas ao estresse, e que apesar dos resultados de ativação da H+-ATPase terem sido maiores em resposta ao estresse por S. boulardii, não visualizamos nenhuma correlação entre atividade e variações no pH interno da cepa probiótica e de S.

cerevisiae W303.

No trabalho de Malakar, D. e cols., (2006) observaram um aumento da atividade H+-ATPásica, depois de 2 horas de exposição de S. cerevisiae, a 10 mM de HCl (pH 2) e uma subseqüente queda dessa atividade a níveis basais após estas duas horas, e que apesar da adição de S-adenosil-L-metionina (AdoMet), para proteção em estresse ácido, ter diminuído a redução do pH interno, o perfil de atividade H+-ATPásica foi o mesmo observado anteriormente.

Neste contexto, nosso próximo passo foi relacionar a ativação da H+-ATPase observada na cepa S. boulardii e no mutante ena1-4∆ com o potencial de membrana e a conseqüente despolarização da membrana sob estresse ácido. A membrana de S.

boulardii e do mutante ena1-4∆ são hiperpolarizadas em comparação a S. cerevisiae

W303 e com a exposição ao pH 2 observamos uma despolarização da membrana plasmática em todas as cepas analisadas. Entretanto, demonstramos também que a adição de sódio ao meio ácido retarda consideravelmente esta despolarização sofrida em conseqüência da exposição ao pH 2.

Estes resultados corroboram com o efeito protetor da adição de sódio em estresse ácido em relação aos dados de viabilidade apresentadas anteriormente e, por outro lado, sugerimos que o potencial de membrana plasmática mais negativo apresentados por S. boulardii deve estar relacionado à maior resistência da cepa probiótica ao ambiente ácido (pH 2).

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Observamos que mesmo após 1 hora de exposição em pH 2 a cepa S. boulardii apresentou viabilidade maior que as outras cepas Saccharomyces avaliadas que não corresponde ao efeito protetor de íons. Estes dados sugerem mecanismos de resposta ao estresse ácido em S. boulardii que atuam de maneira independente da proteção de íons e que não são identificadas nas cepas S. cerevisiae analisadas.

Com o intuito de esclarecer os mecanismos que envolvem esta resposta observada na cepa S. boulardii em pH 2, inicialmente avaliamos a homeostase do íon cálcio nestas condições. Os sistemas de transporte que retiram Ca+2 do citoplasma estão presentes em todas as células sendo responsáveis pela manutenção da concentração de cálcio citoplasmático em nível fisiológico (Cunningham e Fink, 1994; Clapham, 1995; Sanders, D. e cols., 1999). Acredita-se que esses mecanismos responsáveis pela homeostase tornaram-se ideais para subseqüente evolução de vias de sinalização, baseados na elevação transitória da concentração de cálcio citosólico.

O aumento da concentração interna de cálcio pode ocorrer em resposta a diferentes sinais (Sanders, D. e cols., 2002) afetando diversos processos celulares que incluem a regulação da expressão gênica, progressão do ciclo celular, processamento e síntese de proteínas, apoptose, o transporte nuclear e a segregação de cromossomos (Rudolph,H. K. e cols, 1989; Iida, H. e cols., 1990; Yoshida, T. e cols., 1994; Okorokov, A. L. e Lehle, L., 1998; Durr, G. e cols., 1998; Carrion e cols., 1999; Corbertt e Michalak, 2000).

Os nossos resultados envolvendo a homeostase de cálcio em estresse ácido, demonstram que a cepa S. cerevisiae W303 apresenta níveis de íons cálcio e atividade Ca+2-ATPásica consideravelmente mais elevados que S. boulardii, e que após exposição em estresse ácido a levedura W303 diminui a atividade da Ca+2 –ATPase vacuolar drasticamente, perdendo cálcio do vacúolo, promovendo assim, elevações absurdas de cálcio citosólico livre; estes fatos não são observados na cepa S. boulardii, sugerindo que apesar da exposição ao pH 2, esta não é afetada, quando se tratando de aumento dos níveis de cálcio citosólico livre.

Sabemos que as proteínas funcionam como ácidos e bases orgânicas tamponando o citoplasma (Nelson e Lox, 2004). Subseqüentemente determinamos que a

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cepa S. boulardii tem maior capacidade tamponante que S. cerevisiae W303 sob estresse ácido, tanto da célula íntegra quanto do extrato celular, representando mais um fator para demonstrar a maior resistência de S.boulardii frente ao estresse ácido.

Outros parâmetros foram avaliados para esclarecer os efeitos do pH ácido no metabolismo de S. cerevisiae W303 e S. boulardii. Dentre eles, fizemos uma análise das alterações na composição lipídica da membrana durante a exposição ao estresse ácido e também com adição de NaCl.

As características dinâmicas e estruturais da membrana podem mudar pelas alterações das condições ambientais, ou seja, mudança na composição molecular da membrana ou pela adição de moléculas estranhas que interagem com os constituintes da membrana. Isso explica porque mudanças na fluidez da membrana são observadas em resposta a muitos estresses ambientais, e porque as células mantêm um ótimo nível de fluidez dentro da matriz lipídica (Beney, L. e Gervais, P. , 2001).

Através da análise qualitativa das alterações lipídicas da membrana podemos observar que a cepa S. cerevisiae W303 numa tentativa de melhor adaptação a condição de estresse ácido na qual foi submetida, alterou consideravelmente a composição lipídica da membrana plasmática, entretanto tais modificações não foram identificadas na cepa S. boulardii, provavelmente devido ao fato de que esta cepa não apresenta tanta sensibilidade ao estresse ácido que desencadeie estas alterações. Com a adição de sal, observamos que a cepa W303 apresenta uma reversão do fenótipo detectado em estresse ácido, sugerindo que os efeitos deletérios do estresse ácido foram amenizados com NaCl.

Outro aspecto importante avaliado foi quanto aos níveis de reservas energéticas das cepas durante a exposição ao estresse ácido. O conteúdo dessas reservas pode esclarecer os mecanismos de defesa e perfil metabólito dessas cepas durante o estresse ácido. Originalmente, a trealose, juntamente com o glicogênio era considerada substância de reserva energética para levedura, porém, recentemente, vários autores sugerem que a trealose possua função de proteção para a célula de levedura durante processos de estresse, tais como altas temperaturas, choque osmótico, efeitos tóxicos do etanol e desidratação, ficando o glicogênio como o principal carboidrato de reserva em

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leveduras (Majara, M. e cols., 1996; Sano, F. e cols., 1999; Lodato, P. e cols., 1999; Cerrutti, P. e cols., 2000; François, J. e Parrou, J. L., J. L., 2001; Elbein, A. D. e cols., 2003).

A capacidade da trealose em proteger estruturas celulares da desestabilização causada por situações de estresse ou por agentes desnaturantes está bem documentada na literatura, onde vários estudos mostram proteção in vitro bem como in vivo de membranas e proteínas. Ratificando que de fato, o acúmulo de trealose tem sido relacionado com a capacidade de leveduras de tolerar condições ambientais adversas (Majara, M. e cols., 1996; Sano, F. e cols., 1999; Lodato, P. e cols., 1999; Cerrutti, P. e

cols., 2000; François, J. e Parrou, J. L., J. L., 2001; Elbein, A. D. e cols., 2003). As

propriedades vítreas das soluções de trealose, somadas à habilidade deste açúcar em formar ligações de hidrogênio com radicais das superfícies de biomoléculas são características fundamentais que determinam seu efeito protetor pronunciado (Sano, F. e

cols., 1999; Anchordoquy, T. J. e cols., 2001). Por outro lado, em S. cerevisiae a

trealose é um importante carboidrato de reserva e representa cerca de 20 % do peso seco da célula, dependendo das condições de cultivo e do estágio de vida. Foi também sugerido que o metabolismo respiratório confere às leveduras maior tolerância ao estresse, pois durante a respiração mais trealose pode ser sintetizada do que durante o metabolismo fermentativo (François, J. e Parrou, J. L., J. L., 2001).

Os resultados deste trabalho permitem constatar que a capacidade de S. boulardii para acumular muito mais trealose do que as cepas S. cerevisiae W303 e o mutante

ena1-4∆, mesmo em fase exponencial de crescimento, podem atribuir maior resistência

da cepa probiótica para enfrentar o estresse ácido avaliado, e que este mecanismo de defesa é independente da viabilidade atribuída pelo efeito protetor de íons. Lillie e Pringle (1980) associaram a sobrevivência de células de levedura, por períodos prolongados de tempo, principalmente ao nível de trealose. Por outro lado os níveis de glicogênio também seguem o mesmo perfil, nas mesmas condições. Interessantemente, constatamos uma relação da proteína Ena1-4p com a capacidade de acúmulo deste açúcar reserva, pois a deleção deste gene inverteu o fenótipo observado para acúmulo de glicogênio na cepa selvagem W303.

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Ainda no que diz respeito às análises de reservas energéticas, notamos que quanto ao dispêndio de ATP, a cepa S. boulardii foi mais eficiente na utilização das reservas e também na mobilização ao longo da exposição ao estresse, sugerindo que pelo fato da cepa probiótica possuir maior resistência durante o estresse ácido, comparativamente as outras cepas S. cerevisiae avaliadas, o perfil observado descreve o metabolismo normal de S. boulardii ainda que em condições de estresse, em contrapartida, devido à perda de viabilidade, notamos uma paralisação do metabolismo durante a exposição pela cepa S. cerevisiae W303.

Estes resultados permitem-nos sugerir que a cepa S. cerevisiae é afetada drasticamente pelo estresse ácido e que de alguma forma, ainda não esclarecida S.

boulardii possui mecanismos de defesa significativamente mais eficientes que as cepas Saccharomyces analisadas. Dentre os efeitos de ácido clorídrico em leveduras, no

trabalho de Malakar, D., e cols., (2008) demonstraram que as células de leveduras S.

cerevisiae quando submetidas ao ácido clorídrico pH 2, apresentam características de

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