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3.1. A Construção Narrativa de P3

3.1.3. Análise Relacional e da Tríplice Mímesis

Procuraremos encadear os itens acima discutidos de forma relacional, no intuito de compreender como se constrói a noção de obesidade por P3 no grupo. Em relação a P3, entendemos que ela possui o que passamos a chamar doravante de Posicionamento Agentivo

de Passividade, visto que esta participante, apesar de se filiar às narrativas mestras, decide,

inclusive, recomeçar seu processo de emagrecimento, que se dá, no entanto, de forma passiva, ou seja, retratada numa relação de dependência com o grupo e os demais profissionais atrelados a ela nas sucessivas tentativas de emagrecimento, problemas que são relacionados aos insucessos em levar a dieta adiante e um passado ao qual se refere como magra. Percebe- se uma tendência à vitimização e auto-culpabilização, a partir dos quais P3 se coloca como sabotadora e desonesta.

É necessário entender ainda os aspectos relacionais nas narrativas de P3 voltados a si mesma, aos demais participantes, a equipe e demais personagens, que nos auxiliará na compreensão da rede de intrigas formada na construção da noção de obesidade por esta participante, a partir de seu posicionamento.

Como primeiro elemento a ser considerado, temos o grupo, que aparece nas narrativas de P3 como o lugar que ajuda a fracionar os problemas relacionados à obesidade, onde esta salienta sobre a necessidade de procurar ajuda quando não se consegue resolver um problema sozinho (quadro 10, item I). Ainda neste item percebemos o status de proximidade que P3 dá ao grupo, no qual este passa a ser mais que um local de apoio, torna-se uma família. Ainda no que diz respeito ao grupo temos a relação que se forma com a equipe que coordena e viabiliza a realização das reuniões a qual P3 se refere como aquela que puxa a orelha como uma forma de acolher, de mostrar a verdade, mas que ela não quer perder nunca o que pode ser visto nas narrativas do quadro 2. P3 explicita, em momentos diversos, seu vínculo intrínseco com o

programa no encontro 3, quando diz que é uma parte do tijolo da clínica (quadro 12, item IV), e no encontro 4, quando diz que perdeu a conta do tempo que está no grupo, se comparando a um azulejo da clínica (quadro 11, item I). A grande importância dada ao grupo como uma família, um local de acolhida e o tempo ao qual P3 se diz, com certo orgulho, estar vinculada a ele, apontam para certa dependência desta ao mesmo, o que por vezes pode influir na forma como esta percebe seu processo de emagrecimento, visto que ela associa o grupo e a equipe a um acolhimento que ela não quer perder nunca.

A questão do controle surge em apenas um episódio, no encontro 2, quando P3 narra sua decisão em não tomar mais refrigerante (quadro 8, item IV). Tal controle desaparece quando trata dos problemas pessoais, trazidos nos encontros 1, 2 e 4 (quadros 4, 5 e 11, itens V, II e II respectivamente) . Tais problemas são constantemente colocados como algo externo que conflita com a decisão de P3 em obter êxito no processo de emagrecimento, mesmo quando assume ter sido uma displicência pessoal. Estes problemas surgem como uma espécie de “outro”, do qual já falamos aqui, que aparece constantemente nas narrativas de P3, que funciona como indicador de uma passividade diante dos acontecimentos aos quais ela atribui um peso significativo relacionados aos fracassos do processo de emagrecimento.

Além dos problemas, um segundo “outro” que surge nas narrativas de P3 atrelado à obesidade, é quando esta fala do início do processo de aumento de peso, relatando que este teve início como estando diretamente atrelado não a um excesso alimentar, mas a partir do nascimento do seu terceiro filho, como colocado por ela nos encontros 2 e 3 (quadros 6 e 7, itens V e II). Ou seja, quer tenha sido por problemas ou a partir do nascimento do terceiro filho, as questões externas surgem como norteadores da obesidade, a partir das quais P3 assume a postura de vítima, se posicionando de forma passiva acerca de tais fatores.

A vitimização surge ainda relacionada ao tema recaída, que aparece sucessivas vezes associado à displicência, descuido e sabotagem à dieta, como pode ser observado nos excertos dos encontros 1, 2 e 4, quadros 2, 6, e 12, itens II, II e II, respectivamente, caracterizando uma postura de auto-piedade que pode ser encarada também como passividade diante dos fracassos provenientes de tais recaídas. No entanto, podemos dizer que ela assume uma postura agentiva de atitude quando completa no mesmo encontro 4, expresso no quadro 11, item III, que está de volta e recomeçando, numa espécie de virada acerca das recaídas, no intuito de mudança de uma situação de obesidade para um processo de emagrecimento. Dessa forma, parece não aceitar a condição de obesidade e reflete sobre o fato de não ser assim, de estar numa condição transitória, apontando para uma mudança no encontro 4, quadro 5, item

IV, evidenciando um posicionamento agentivo, possibilitando que ela se perceba como sendo capaz de seguir adiante nos seus objetivos de emagrecimento.

A Prefiguração correspondente às narrativas mestras encampadas pelo grupo às quais P3 adere, podem ser notadas nas narrativas que esta constrói voltadas aos termos técnicos, tais quais esteatose e apneia quando narra episódios relativos à irmã, ou quando narra o preparo dos chás termogênicos. Além disto, esta adesão às narrativas mestras se organiza como uma forma de aprofundamento de uma auto-culpabilização, quando ela narra o que chama de sabotagem, desonestidade em relação ao plano alimentar, ou quando fala da necessidade da força de vontade, o que revela um quadro de Prefiguração apoiado no discurso do risco. Este discurso ainda é reforçado pela narrativa mestra que trata da importância da atividade física para emagrecer.

A Configuração em P3 está evidenciada nas narrativas que trazem a importância da atividade física no processo de emagrecimento, mas principalmente nas narrativas que aludem a “problemas pessoais” que atravancam o seu processo de emagrecimento, além daquelas que tratam de uma “batalha contra a obesidade”. No que diz respeito aos problemas relacionados ao emagrecimento, retrata o fato de ser “desonesta” ou de ter sabotado o plano alimentar: narrativas ligadas à falta de “força de vontade” que apontam sempre para narrativas sobre uma necessidade de recomeçar.

A Refiguração em P3 projeta assim essa ideia de recomeço, palavra que ela também exprime em sua narrativa e que, por isto, também aparece na sua Configuração narrativa. Porém, o recomeço de P3 não quer significar algo novo, mas sim o reinício sucessivo do processo de emagrecimento. Assim, a Refiguração pode ser entendida como forma de justificar a sua permanência no grupo por meio das repetidas narrativas de emagrecimento, o que pode ser corroborado com o fato do retorno de P3 ao patamar inicial de 103Kg. Estas incessantes tentativas de recomeço podem ser entendidas como uma ambivalência que está presente nas narrativas de P3, quando ao mesmo tempo que coloca uma vontade de emagrecer, traz as recaídas. Podemos dizer que o grupo traça trajetória semelhante com seus sucessos e fracassos, mas sempre buscando coeso ser um ponto de apoio e apoiado quer seja pelo sucesso dos quilos emagrecidos, quer seja pela acolhida nos momentos de recaída, que em maior ou menor grau permeia o grupo.

Em suma, entendemos que P3 se posiciona de forma agentiva passiva, diante dos problemas, das recaídas e do grupo. Aparece aderindo a narrativas mestras atreladas ao

discurso do risco. Contudo, apresenta um movimento no sentido de refiguração, perceptível a partir de suas narrativas relacionadas a um recomeçar. Assim, a noção de obesidade que P3 constrói narrativamente está associada às possibilidades de seguir tentando atingir seus objetivos, mesmo diante dos percalços do caminho.