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Análise de resultados e detecção de diferenças relevantes entre EdC e outras empresas

Para indagar se os líderes da Faria & Irmão têm ou não a atitude e comportamento descritos no capítulo 2 - ponto 4, tentámos proceder a entrevistas estruturadas134 e a uma observação no terreno135 com os seus

líderes e com os stakeholders, mas pelo facto de ser uma empresa com cerca de 60 colaboradores, espalhada por três zonas geográficas e em que os seus líderes exercem simultaneamente cargos de chefia e executivos, foi-nos sugerido falar apenas com o Dr. Acácio Faria, um dos líderes e um dos sócios-gerentes do Grupo, com responsabilidade maioritariamente na área administrativa, em que se enquadram: o recrutamento, a selecção, a formação e a gestão dos recursos humanos, vectores determinantes na análise que pretendemos aprofundar.

Será assim, com base na transcrição quase integral (apenas guardámos alguma cautela em face de certos pormenores mais confidenciais) da gravação da entrevista com o Dr. Acácio Faria136 e em que existe também a

descrição de inúmeros testemunhos (análise documental) de casos passados com empregados da Faria & Irmão, em que nos baseamos para tirar as conclusões sobre este trabalho.

Como pressuposto, houve que assumir que o entrevistado tem a idoneidade moral e o conhecimento integral das realidades descritas que nos permitem

133 Anexo II – entrevista com Dr. Acácio Faria

134 Guiões nos anexos: III a VI e tabela VI-pessoas entrevistadas 135 Guião no anexo VII

utilizar todas as suas afirmações com a fiabilidade e credibilidade necessárias para o estudo.

A nossa apreciação é que de facto os líderes da Faria & Irmão têm uma abordagem holística da vida e da gestão da empresa já que integram completamente os princípios e valores do movimento dos focolares desde a sua adolescência, os praticam na sua vida e, uma vez à frente dos destinos da empresa/grupo os continuam a viver e a aplicar no seu dia-a-dia, sendo simultaneamente transmissores (pelo exemplo) e cultivadores desses valores.

Assim, com base na entrevista e no relato de testemunhos, passamos a referir as seguintes evidências:

 Os líderes da Faria & Irmão consideram que a empresa, apesar de ser fisicamente sua, não lhes pertence. Consideram-se meros gestores dos bens de Deus, o seu sócio invisível, a quem pedem conselho, auxílio e a quem prestam contas. Esta forma de olhar para a propriedade é fundamental e ajuda a que prevaleça a noção de bem comum, de que eles tentam ser apenas os melhores gestores possíveis:- “…no fundo a empresa é uma ferramenta para trabalhar para Deus”.

 Um líder, para o Dr. Acácio Faria, é aquele que não tem medo do risco, que é inovador (sinónimo de criatividade) e que tem capacidade de trabalho e de aguentar os contratempos, em face dos riscos que assume e das decisões que toma. Sendo a organização do trabalho, em função do cumprimento de prazos versus penalizações, um bom exemplo disso. Segundo ele, há só dois tipos de empresas: as que inovam e as que copiam. Estas últimas estão destinadas a morrer. A Faria & Irmão é um

exemplo vivo da primeira realidade, como se poderá comprovar pela sua liderança no mercado do calçado.

 Consideram que ter aderido à EdC é uma opção de tudo ou nada, porque é uma questão de atitude perante a vida e depende da disposição de cada um para viver na sua empresa o paradigma da “economia do dar”, o que implica resiliência e congruência. Como refere o Dr. Acácio:

- “Corresponde a um estado de ser, a um estado de espírito., a uma forma de actuar”;

- “Quando temos os tais momentos de desânimo, pedimos a ajuda de Deus e temos conseguido manter-nos à tona de água…”.

 As pessoas e as relações entre as pessoas (bens relacionais) e a dignidade humana estão no centro da gestão e, juntamente com Deus são os verdadeiros activos da empresa. Quando há bons relacionamentos numa empresa, que impliquem uma relação de amor e não de oportunismo, a produtividade aumenta, há mais alegria, maior fiabilidade nos produtos, maior “amor à camisola” por parte dos empregados, o que se reflecte em maiores lucros. Os bens relacionais são os potenciadores do sucesso e da sustentabilidade. Podemos comprovar isso através dos números da empresa (tabela VII) e da afirmação do Dr. Acácio:

- “Os bens relacionais são a pedra de toque, a pedra angular, o diamante perfeito sem mais nenhuma lapidação possível”.

 Nada se faz sem que as “pessoas se queiram bem umas às outras”, pelo que, não só os líderes têm interiorizado estes valores como se

fomentam as acções de formação necessárias para que, quer pelo exemplo quer por esse meio, todos os colaboradores interiorizem o amor, a partilha, o trabalho em equipa como forma de potenciar o bem comum, na empresa e nas suas vidas. Acções de formação em que as pessoas se possam conhecer melhor umas às outras e criem laços de amizade e, depois, nos seus locais de trabalho sejam mais tolerantes uns com os outros e para com terceiros. Acções que a Faria & Irmão tem vindo a organizar, pelo menos duas vezes por ano.

 Como líderes, tentam conhecer e estreitar relações com os empregados e com as suas famílias, de forma a poderem actuar no terreno de forma integrada e abalizada quando surgem situações de conflito na empresa ou mesmo problemas pessoais.

Cientes da importância das emoções, não só têm atenção à gestão dos seus próprios conflitos (pessoais e entre irmãos) como praticam uma intervenção directa, junto dos envolvidos e das situações. Na verdade, cerca de 60% a 70% do tempo dos irmãos (3) é investido na gestão de recursos humanos, antecipando-se muitas vezes aos problemas ou ao agravamento das situações.

Utilizam um estilo de intervenção pessoal, a que o entrevistado apelida de “colóquio”, que consiste em dar espaço e criar vazio, para que o colaborador fale nos seus problemas livremente e sem se sentir forçado a isso. E em que o líder intua o problema e, sempre que possível, contribua para a resolução do mesmo, meio ilustrado num dos casos referido na entrevista relativo a uma funcionária de Felgueiras.

Isto é verdade no que concerne a colaboradores, mas também a terceiros: clientes, fornecedores, Bancos, Fisco ou entidades locais,

nomeadamente através da promoção e participação em eventos e acções de intervenção cívica.

 No recrutamento e selecção de pessoal, têm uma abordagem inclusiva da pobreza e tenta-se aumentar o número de postos de trabalho, à razão de 1 a 2 postos de trabalho/ano: -“É assim que para nós, Faria & Irmão, os pobres são actualmente os desempregados”.

 Apesar de se preocuparem com as pessoas e apostarem nos relacionamentos, não deixam de ser assertivos e se necessário, despedir pessoas137, já que mais uma vez, há que pensar no bem

comum – no bom nome e no bom funcionamento da empresa. Como foi o caso do despedimento do melhor modelador em Felgueiras.

 Os líderes da Faria & Irmão assumem-se como criativos e inovadores, apostando forte na formação dos seus colaboradores da Modelaria, recrutando gente mais jovem para o sector (média de 30/35 anos), indo visitar as grandes feiras internacionais de calçado e chegando a propor tendências de moda aos seus clientes (fabricantes de calçado).

 São também pró-activos na promoção de condições de vida para os seus colaboradores, não só pela prática de uma justa remuneração versus trabalho desempenhado, mas anualmente, liderando o processo de aumento salarial com os Sindicatos, tendo vindo a propor aumentos de cerca de 3%, nos últimos três anos, apesar da recessão económica.

 Pratica-se uma gestão participativa por objectivos com os colaboradores a quem atribuíram maiores responsabilidades, reunindo com eles regularmente, tanto na fase de definição da estratégia como no controlo e aferição de objectivos: -“ Consideramos que para nós é fundamental o resultado da empresa ser um resultado colectivo, obtido por todos”.

Em última análise, e com base no caso da Faria & Irmão, Lda., pode-se concluir que as empresas EdC em nada diferem das outras no que toca ao ambiente em que laboram e nas dificuldades com que se debatem, excepto na forma como investem nos bens relacionais, designados como bens imateriais e como vivem o amor ágape: amor na contrariedade que cria reciprocidade.

Os bens materiais, nomeadamente o lucro (um dos três pilares da EdC), só fazem sentido quando assentes nesses bens imateriais, numa visão a 360º. Pelo que a relação com os stakeholders de uma EdC se diz oleada, sendo que a sabedoria reside em criar amizades, até nas dificuldades. O que exige homens “novos” no conceito de Chiara, que procuram viver Cristo nas suas vidas, isto é, “ama o outro como gostarias que te amassem”, que é, a nosso ver, um conceito transversal a qualquer religião e inerente a um amadurecimento espiritual do homem.

Conceito que pode ser comprovado em alguns dos testemunhos relatados pelo entrevistado (anexo II), e em que se sublinha o acompanhamento de pessoas que, apesar de terem saído da empresa, continuaram a ser acompanhadas e orientadas nas suas vidas, quer psicológica quer em termos de gestão financeira, quer na procura de novo emprego.

Capítulo 4