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2.3 Gestão de risco aplicada a barragens

2.3.1 Avaliação de risco

2.3.1.1 Análise de risco

A análise de risco consiste, essencialmente, no uso da informação disponível para estimar o risco relativo a indivíduos ou populações, a propriedades ou ambiente, decorrentes de condições de perigo. Ela envolve a desagregação ou decomposição do sistema da barragem e fontes de risco nas suas partes fundamentais. Como apontado por Caldeira (2008), a análise de risco é um tema complexo, já que envolve a pesquisa de um grande número de informações e a participação de equipes multidisciplinares para sua aplicação.

Tecnicamente, as análises de risco podem ser de natureza qualitativa ou quantitativa. As análises qualitativas se utilizam de uma forma descritiva ou escalas de ordenação numérica para apresentar a magnitude de consequências potenciais e sua probabilidade da ocorrência. Já as análises quantitativas são baseadas em valores numéricos das consequências potenciais e suas probabilidades, assumindo-se que tais valores sejam uma representação válida da magnitude real das consequências e da probabilidade dos vários cenários estudados.

Ambas as análises (qualitativa e quantitativa), de aplicações recentes em barragens, apresentam limitações importantes. Enquanto as qualitativas tendem a ser subjetivas, as quantitativas ainda apresentam-se de aplicação restrita na área de barragens em virtude da dificuldade na caracterização analítica das incertezas envolvidas no processo. Por isso, Pardo (2009) enfatiza que, na engenharia geotécnica, nenhuma das duas abordagens pode ser considerada totalmente adequada, pois não conseguem modelar a realidade por completo.

Alguns autores (AS/NZS, 1999; CNPGB, 2005, LADEIRA, 2007) também estabelecem uma análise intermediária, denominada semiquantitativa, onde consideram uma abordagem conjunta (qualitativa e quantitativa) e utilizam, geralmente, descritores verbais para transformações numéricas de valores de probabilidades atribuídas. A TAB. 2.2 ilustra um exemplo de descritores verbais utilizados pelo órgão governamental norte-americano U.S. Bureau of Reclamation (USBR).

TABELA 2.2 – Transformações verbais para numéricas DESCRITOR PROBABILIDADE Virtualmente certo 0,999 Extremamente provável 0,995 Muito provável 0,99 Provável 0,9 Neutro 0,5 Improvável 0,1 Muito improvável 0,01 Extremamente improvável 0,005 Virtualmente impossível < 0,001

Fonte: Adaptado de CYGANIEWICZ e SMART, 2000, p. 13.

Com relação às atividades envolvidas no processo de análise de risco, Hartford e Baecher (2004), enumeram as seguintes etapas fundamentais:

1 - Definição de escopo e seleção de métodos de análise; 2 - Identificação e definição dos perigos;

3 - Identificação dos modos de falha;

4 - Resposta da barragem e estimativa da probabilidade de falha; 5 - Estimativa da consequência de falha da barragem;

6 - Estimativa do risco; 7 - Documentação; 8 Verificação;

9 - Atualização da análise.

A etapa inicial (1) de definição de escopo deve descrever as razões para a realização da análise de risco (enquadramento) e formular seus objetivos. Segundo Kreuzer (2000), as análises de risco encontram aplicação em seis campos, a saber: avaliação da segurança (para uma barragem específica), tomada de decisão, diretrizes e legislação, classificação de barragens, planos de emergência (avaliação das consequências) e critérios de aceitabilidade e tolerabilidade. De acordo com Hartford e Baecher (2004), dependendo do escopo da aplicação, apenas algumas etapas do processo podem ser consideradas, embora as omissões desses elementos tenham que ser justificadas.

O primeiro passo do processo também envolve a familiarização com a barragem e seus vários subsistemas, assim como a identificação e seleção de métodos adequados para análise. Podem ser encontradas na literatura várias metodologias para análise de risco com potencial de aplicação em barragens, entre elas estão: Índices de Risco; Diagramas de Localização, Causa e Indicadores de Falhas (LCI); Análise dos Modos de Falha e seus Efeitos (FMEA); Análise por Árvore de Eventos (ETA); e Análise Árvore por Falhas (FTA). Alguns métodos como os Índices de Risco, FMEA e LCI estão associadas às análises qualitativas, ao passo que as árvores de eventos (ETA) e de falhas (FTA) podem ser empregadas tanto nas formas qualitativa como quantitativa. De modo geral, os métodos têm em comum a análise de eventos indesejáveis, considerando suas respectivas causas, efeitos e consequências.

Hartford e Baecher (2004) citam que a seleção de métodos adequados deve estar apoiada em fatores como: objetivo do estudo, tipo de barragem, perigos a serem analisados, conhecimento da equipe, disponibilidade de recursos, requisitos e disponibilidade de informação, etc.

Definido o escopo e métodos de análise, tem-se a etapa de identificação e definição dos perigos e condições de carregamento (2), ou seja, as condições que possam gerar dano para o sistema da barragem. No caso de análises de risco quantitativas, as probabilidades associadas à ocorrência dos perigos devem ser estimadas.

O reconhecimento dos modos de falha (3) é também um passo fundamental no processo. Requer um exame sistemático do sistema da barragem para identificar as maneiras como a barragem, fundação ou estruturas anexas podem falhar sob os perigos impostos. De acordo com ANCOLD (2003), essa etapa tende a responder a pergunta primária do que pode dar errado.

A etapa de análise da probabilidade de falha da barragem (4) envolve, preliminarmente, todo o estudo da resposta da barragem devido aos eventos iniciadores (cenário de falha). A resposta da barragem é modelada de acordo com o método de análise escolhido, podendo assumir diversas formas já citadas, como FMEA, ETA e FTA. No modelo, a decomposição do sistema (subsistema e componentes) e seus mecanismos de falha devem ser avaliados de acordo com o nível de complexidade desejado para a análise.

A estimativa da probabilidade de falha da barragem é um dos benefícios das análises de risco, podendo-se tratar, dependendo da análise, explicitamente as incertezas. Kreuzer (2000), Caldeira (2008) e Pimenta (2009) definem basicamente três métodos para estimativa das probabilidades:

 Julgamento de engenharia: reflete o conhecimento de que se dispõe sobre a área técnica em questão. Consiste em uma estimativa subjetiva de probabilidades, mas, por vezes, é o único meio disponível quando faltam informações para quantificar as incertezas. Para esse método é essencial que se constitua um painel de peritos.

 Estimativa estatística com base em dados históricos: refere-se à utilização de registros históricos para estimar a frequência de falhas. Publicações como ICOLD (1995) e Foster et

al. (1998) compilam estatísticas de rupturas de barragem e apresentam análises sistêmicas,

sendo fontes valiosas de informação para inferência das frequências de ruptura. Importante ressaltar que o uso de registros históricos tem a limitação decorrente do conhecimento rudimentar dos fenômenos envolvidos nos casos de ruptura apresentados, além do aspecto de singularidade de cada obra.

 Método probabilístico ou tratamento analítico (ex: análises de confiabilidade): trata as incertezas dos modelos e parâmetros de forma explícita, propagando-as através do sistema e

expressando-as como distribuições de probabilidade. É uma forma essencialmente quantitativa para estimativa das probabilidades.

A etapa seguinte de estimativa da consequência (5) envolve a identificação e avaliação dos impactos diretos e indiretos devido à falha, estendendo-se a outros sistemas, como o vale a jusante.

A estimativa do risco (6) é ponto principal do processo, constituindo-se do cálculo da grandeza matemática (ou par de valores) que traduza o estado da barragem. ICOLD (2005) adverte que a estimativa do risco não é uma propriedade física da barragem, e sim uma representação matemática do estado de conhecimento da barragem e a confiança no seu desempenho futuro.

Na sua forma matemática, o risco, segundo Hartford e Baecher (2004), pode ser expresso segundo a EQ. 2.1. A primeira parcela da equação representa a probabilidade de ocorrência dos eventos iniciadores, enquanto que a segunda traduz a probabilidade condicional de que tais eventos conduzam à falha do sistema (resposta da barragem). A unidade do risco é regida pela medida da consequência.

Risco = ∑ {P (Eventos) x P (Falhas I Eventos) x P (Consequências)} (2.1)

Em que:

P = probabilidade.

Na forma qualitativa, o risco pode ser expresso simplesmente pela EQ. 2.2:

Risco = P x C (2.2)

Em que:

P = probabilidade; C = consequência.

Já as etapas finais de documentação (7) e verificação (8) são importantes para garantir a qualidade do processo. Devem estar produzidas em um nível apropriado de detalhes, de forma a facilitar a pesquisa e revisões futuras. O processo de análise de risco não deve ser estático e, portanto, a atualização da análise (9) deve ser realizada periodicamente.

Enfim, apesar de todo o processo exposto de análise de risco ser considerado ainda muito complexo com execução dispendiosa e morosa, ele pode ser extremamente útil para obras cujos eventuais riscos sejam elevados e associados a consequências relevantes. O conhecimento pormenorizado das vulnerabilidades e desempenho da barragem, por si só, já assegura a validade de aplicação do processo.