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Análise Temática: A Singularidade do Christiani de Macau

Capítulo V: A Educação de um Menino Cristão Japonês

V. 3. Análise Temática: A Singularidade do Christiani de Macau

Chegou, por fim, o momento de justificarmos os 84 textos acrescentados e os outros 59 censurados por Valignano na edição de Macau. A explicação genérica é dada, como notámos, logo no início do prólogo: [...] além das adicionadas [e censuradas], são

escusadas mais alterações, não trarão benefícios e interromperão outros trabalhos mais graves. De outro modo, dizemos que muitas das explicações para as censuras e

acrescentos entendem-se pelo nível pragmático que representariam perante a política e cultura japonesa, durante as perseguições de Hideyoshi.

Contudo, ao estudarmos os textos em questão, compreendem-se certas lógicas que nos ajudam a objectivar os motivos por detrás da sua supressão ou adição. Como vimos no Capítulo III desta dissertação, a obra de Bonifacio foi organizada em cinco livros, onde cada qual representa um princípio ou conceito basilar da sua pedagogia216. Por consequência se deduz que as alterações em cada livro se reportam a ajustes do conteúdo das suas ideias. Neste sentido, tendo em conta que 107 das 146 alterações217 executaram-se sobre o Livro III, conhecemos melhor a atenção particular dada ao valor da Religião.

Tratando primeiro das questões mais simples, faremos primeiro a análise dos Livros I, II, IV & V e só depois aprofundaremos os conteúdos do III. Contudo, existe à partida um conjunto de supressões que obedece a uma razão comum e que transcende a divisão dos cinco conceitos pedagógicos. Referimo-nos às censuras e ao único acrescento de exemplos relacionados com o Mundo Natural, a que Bonifacio intitulou

Naturæ Exempla. Os motivos das restantes alterações pensamos explicarem-se melhor

através do seu enquadramento no Livro em que se encontram.

215 Christiani, 1575, p.162-166. Alves Dias já tinha escrito: "[...] saliente-se, por último, que, ao contrário

do que se tem escrito e dito, não são de autoria de Alessandro Valignano os três textos sobre os jovens japoneses." in Alves Dias, 2014, p.88.

216 Recordemos: A Educação (Livro I), A Infância (II), A Religião (III), a Vergonha (IV) e a Castidade

(V).

217 O número total de alterações calcula-se pela soma do número de censuras com o número de

acrescentos (i.e. 62 + 84 = 146), incluindo-se as três cartas em Liber Epistolaris das edições de Burgos, 1586 & 1588.

90 Naturæ

Os exemplos do Mundo Natural na obra de Bonifacio, sobre animais e plantas, estão por vezes inseridos num capítulo próprio. São os casos dos capítulos III & IV do Livro II, De Præclara Pueritia; o capítulo V do Livro IV, De Verecundia; e o capítulo V do Livro V, De Castitatis. Outras vezes, os exemplos da flora e fauna surgem enquanto subgrupo dentro de um capítulo, como acontece no Livro I, logo no primeiro capítulo Quanta sit vis educationis in vtranque partem. Vimos como, nestas ocasiões, Bonifacio aplicou uma divisão na disposição interna do capítulos, organizando os exemplos por subgrupos, determinados pela a autoridade dos argumentos218.

Ao todo, censuram-se 26 exemplos relativos ao Mundo Natural sobre elefantes, leões, andorinhas, dragões, peixes, cegonhas, águias, abelhas, galinhas, camarões e golfinhos. Além dos animais, destacamos ainda as censuras sobre o desfiladeiro da Arménia219 e sobre as plantas. A grande maioria destes exemplos foram retirados da

História Natural composta por Plínio, o Velho, e os restantes de Plutarco, em De Industria Animalium. É evidente que a diferença da fauna e flora entre a Europa e o

Japão justifica em parte a pertinência da exclusão destes capítulos.

Contudo, note-se que os exemplos da Natureza que Bonifacio procurou instruir nos seus alunos, não se faziam senão com o intuito de realçar uma certa qualidade simbólica que tivesse implicações na formação moral dos meninos. Com efeito, era impossível para os japoneses conceberem os significados simbólicos dos animais europeus, tendo em conta que os desconheciam tanto no imaginário cultural, como na realidade factual. Desta forma esclarecem-se 26 das 62220 censuras feitas ao longo da edição de Macau. Quer isto dizer que 41,94% dos exemplos censurados na edição macaense devem-se à impertinência de se incluir significados simbólicos de animais desconhecidos e extrínsecos do quotidiano japonês do século XVI.

Por consequência, se retirarmos os exemplos dos animais da lista dos capítulos censurados, obtemos um quadro mais pertinente e representativo da acção censória que foi motivada por razões externas ao Mundo Natural.

218 Recorde-se a hierarquia da divisão de exemplos pela sua autoridade: Divina > Christiana > Externa >

Naturæ > Nova. Cf. a página 28 desta dissertação.

219 De Armenio Mure, hoje conhecido por Garni Gorge.

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Total de Censuras Ideológicas Do Mundo Natural

Livro I 11 4 7 Livro II 11 2 9 Livro III 26 26 0 Livro IV 6 1 5 Livro V 5 0 5 Total de Exemplos Censurados 59 33 26 Livro Epistolaris 3 3 0 Total de Exemplos Censurados + Livro Epistolaris 62 36 26

Descartando-se os exemplos da História Natural, obtemos o número de censuras feitas por motivos ideológicos. Notamos, portanto, que não se verificam mais do que quatro censuras "ideológicas" em cada livro, excepto no Livro III que, por não ter nenhuma referência ao mundo natural, conservou na íntegra o número de censuras que apresentámos inicialmente. Excluídos os exemplos do Mundo Natural, retomaremos a nossa análise às alterações de Macau de acordo com o livro em que se encontram.

Livro I, De Honesta Educatione

Vimos como Valignano censurou todos os exemplos a respeito de animais. Ainda assim, o Visitador entendeu por bem não excluir a referência à fauna europeia por completo. No final do primeiro capítulo, no grupo dos Nova, no exemplo De Brutis

92 Animantibus221, Valignano aproveitou para resumir as considerações feitas sobre a

maioria dos animais de que Bonifacio se tinha socorrido. De outro modo, a essência dos 24 exemplos sobre animais que discorriam ao longo de toda a obra, ficava pertinentemente atestada num só texto, não se mencionando mais animais até ao final.

No que diz respeito às censuras, são as seguintes: De Eusebio222, De Maximino

Imperatore, De Pueris Germanis223 e De Collegio Germano224. Os últimos dois exemplos foram actualizações que Bonifacio introduziu na edição de Burgos de 1586, segundo cremos, por questões relacionadas com a instabilidade cristã nas regiões do Sacro Império. A sua ausência na edição de Macau explica-se não só pela falta de contacto entre Japão e regiões da Alemanha, como também se compreende que fosse inconveniente para os padres jesuítas assumirem as disputas religiosas no coração da Cristandade. Também na viagem da Legatio Japonium pela Europa, os padres jesuítas tinham-se certificado que o itinerário percorrido evitava as regiões da França, onde protestantes e católicos se combatiam com grandes exércitos.

A censura do exemplo De Eusebio tem uma explicação numa linha semelhante às anteriores. O texto refere o papel fulcral de Eusébio de Vercelli (283-371) nas disputas entre os cristão ortodoxos e os arianos do século IV, ao tempo do imperador Constantino II (317-361). Mais uma vez, omitiram-se os conflitos internos da Igreja, embora de épocas diferentes. Com efeito, as censuras desta natureza sugerem uma tentativa de construir uma imagem do Cristianismo enquanto uma religião coesa e esclarecida, tanto no passado como no presente. Focar as questões colocadas pelo Arianismo ao final do Império Romano, a Reforma protestante da Europa Moderna, ou as divergências do Cristianismo, poderia não favorecer a instituição da religião no Japão.

Em relação a De Imperatore Maximino, o texto tinha-se fundamentado nos relatos de Eusébio de Cesereia225, e retratava o imperador romano como um perseguidor do cristianismo, responsável pelo exílio do Papa Ponciano (230-235). Esta omissão deveu-se à reorganização temática que Valignano efectuou, colocando os capítulos relativos às perseguições no livro III.

221 Christiani, 1588, Macau, fol.13-15. 222 Christiani, 1586, Burgos, fol.24v-25. 223 Ibidem, fol.40v.

224 Ibidem, fol.43.

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Livro II, De Præclara Pueritia

Nos capítulos sobre a infância, existem apenas duas supressões extraordinárias e não se acrescentaram exemplos novos. São os exemplos De Puero Blasphemo226 (Sobre a Juventude Blasfema) e De Atheniensi Puero227 (Sobre a Juventude Ateniense). Os dois

textos constituem os únicos do Capítulo V, Prauam indolem oratiam in pueris esse

puniendam228 (A Má Índole dos Jovens será Castigada), presente nas edições de Burgos. A supressão dos exemplos na edição de Macau significa o desaparecimento total do capítulo referente às crianças e aos castigos.

Em De Puero Blasphemo, Bonifacio refere-se ao episódio do Antigo Testamento229, que trata do regresso de Eliseu à cidade cananeia Bethel. Após um grupo de jovens ter insultado o novo profeta, este pediu o devido castigo a Deus, que enviou dois ursos para devorarem os meninos. A citação que acompanha o texto refere-se aos

Diálogos230 do Papa Gregório Magno para ponderar a importância do castigo justo e adequado, dizendo que por vezes se demoram anos até um jovem perceber a natureza dos seus erros231. Por sua vez, o De Atheniensi Puero foi retirado da obra

Hieroglyphica, de Pierio Valeriano Bolzani (1477-1558)232, e debruça-se sobre o modo como os jovens atenienses podiam aprender com os castigos no tribunal no Areópago.

Apesar do capítulo ser curto, a sua censura tem uma importância significativa. Não se trata das ideias de Bonifacio sobre os castigos ofenderem directamente a adaptação que Valignano pretendeu para o Japão. A omissão explica-se pelo facto da ideia de castigo abordada na edição de Macau ter mais a ver com as ideias do castigo

divino, do que com ponderações pedagógicas dos castigos enquanto a prática

disciplinante. Na verdade, os exemplos sobre justiça e castigo não se encontram no livro II, dedicado à juventude, mas sim no livro III, sobre a Religião, como abordaremos no final da análise.

226 Christiani, 1586, Burgos, fol.109. 227 Ibidem, fol.110.

228 Ibidem, fol.109-110v. 229 Reis II, 2:23-25.

230 Diálogos, Livro IV, Capítulo 18. 231 Christiani, 1607, fol. 197.

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Livros IV & V, De Verecundia & De Castitatis

Tratamos destes dois livros em simultâneo, visto que os princípios pedagógicos subjacentes se apresentam por uma relação de causa e efeito. Segundo Bonifacio, a

Vergonha era um princípio normativo da sociedade, entendido como o pudor social que,

ao submeter os instintos primários à consciência do espírito, separava a civilização da barbaridade. Por consequência, a Castidade apresentava-se como prática perfeita desta

vergonha, alcançando-se o auge das virtudes da diligência, razão e temperamento. Sobre

estes temas, Valignano apenas adicionou dois exemplos: De Quodam Inda233 e De

Quodam Fratre234, ambos acrescentados ao Livro V.

De Quodam Inda encontra-se no capítulo III, De Christiana Exempla. Trata-se

de uma história a propósito da piedade de Deus para com uma virgem índia. Estava convencionado que teria de casar com um homem, embora a noiva amasse outro. Orando a Jesus e a Maria, a jovem conseguiu fugir com o homem que amava, graças à santidade da sua pureza. À margem do texto, cita-se uma carta escrita a partir do Colégio Jesuíta de Lima, da Província do Peru, em 1582.

Note-se que nos exemplos da Christiana, Bonifacio citou autores da patrística e de tradição cristã, como Jerónimo, Eusébio ou Gregório Magno. Por sua vez, Valignano incluía já documentos da própria Companhia como autoridade eclesiástica. Na verdade, Bonifacio também já se servira de cartas de Pedro Rivadeneira, de Francisco Xavier e de outros jesuítas; contudo, apenas o fez quando se referiu aos colégios da própria Ordem, como o Romano ou o Germânico; ou então nos exemplos referentes ao Japão, local onde os jesuítas eram a fonte primária de informações impressas. Além do mais, Bonifacio colocou sempre estes exemplos no grupo dos Nova, ou seja, dos arquétipos contemporâneos.

O exemplo que Valignano utilizou não confere uma moralidade contrária à do pedagogo espanhol. Ainda assim, a citação de fontes jesuítas no grupo da autoridade patrística e eclesiástica é uma das muitas circunstâncias em que a edição de Macau desobedeceu ao rigor da hierarquia da autoridade que Bonifacio conferiu aos exemplos da sua tese.

233 Christiani, 1588, Macau, fol.160v. 234 Ibidem, fol.172v.

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O mesmo não acontece com De Quodam Fratre, que apesar de também citar uma carta da Companhia, se encontra no Capítulo V, De Nova Exempla, respeitando a estrutura original da obra. A carta em que se fundamenta o exemplo vem do Colégio de Coimbra e embora o número referente à década esteja rasurado, adivinha-se a curvatura de um 6 ou um 8. O exemplo reporta-se ao convívio do P. Antonius Gyllius235 com mulheres de castidade santa e dos benefícios que reconheceu.

Por outro lado, no que diz respeito às censuras, apenas fez no Livro IV, no Capítulo III, De Iacobo Anachoreta236. O texto fundamenta-se na obra de Theodoretus Cyrensis (séc. V), Historia Sanctum Patrum, sobre o martírio do Santo Jacobo às mãos dos persas, recolhido no século XVI pelo martyrologio romano do Papa Gregório XIII. A vergonha da renúncia a Deus deste santo custou-lhe a vida. A razão para esta supressão é semelhante à censura dos textos sobre os castigos no Livro II. Tanto os mártires, como os castigos, todos foram explorados no Livro III da nova versão preparada por Valignano.

Livro III, De Religione

O Livro III foi aquele que mais alterações sofreu. Excluindo-se as alterações em

De Religione e as relativas ao Mundo Natural, a edição de Macau apenas comportaria 3

acrescentos e 7 censuras237. Sem dúvida, foi o núcleo das influências de Valignano e o

mais representativo da doutrina que prendeu para os seminários do Japão.

No que diz respeito aos 26 exemplos suprimidos, os textos não partilham uma natureza comum, ou seja, Valignano censurou exemplos retirados de fontes clássicas, eclesiásticas e da própria literatura contemporânea. Cremos que, de uma forma geral, os exemplos foram censurados não por se querer omitir certas verdades aos leitores japoneses, mas por abordarem temas que Valignano considerou pouco pertinentes para o tipo de formação que queria dar aos seminaristas japoneses. Contudo, apenas uma tradução rigorosa e completa destes exemplos nos poderia esclarecer melhor as nossas incertezas.

235 Durante a nossa investigação, não conseguimos precisar a figura do padre Antonius Gyllius. 236 Christiani, 1586, Burgos, fol.194.

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Ainda assim, entre os 26 exemplos censurados, existem dois que se destacam:

De Iaponia Insula238 e De Eadem Insula239. O primeiro exemplo cita uma carta do P.

Gaspar Vilela (1525-1572) aos jesuítas de Goa, datada 1 de Setembro de 1559240, escrita possivelmente do Funai ou de Hirado241, durante a sua travessia com destino a Kyoto. Em De Iaponia Insula, Bonifacio tinha referido as disputas entre os bonzos de Hirado e os jesuítas, que se desenlaçaram com a expulsão e animosidade aos padres no território do clã Mastūra. Do mesmo modo, em De Eadem Insula, Bonifacio citou a carta de Gonçalo Fernandes (1521 - ?) aos irmãos Lourenço de Paiva e Diogo242, de 1 de Dezembro de 1560, escrita em Goa243. O exemplo volta a focar as tensões entre os jesuítas e os bonzos em Hirado. A carta citada é a notícia mais antiga que sobreviveu sobre o martírio de Maria de Hirado, em 1558, embora o episódio parece não ter sido referido por Bonifacio.

Todavia, apontamos duas hipóteses para a exclusão destes dois exemplos na edição de Macau. Num primeiro ponto de vista, o Visitador poderá ter considerado que os exemplos referentes às disputas entre bonzos e jesuítas, em Hirado, não tinham paralelo com a conjuntura vivida após o decreto de expulsão dos padres por Hideyoshi. Ao passo que as disputas em Hirado (nos finais da década de 50) reportavam-se a uma concorrência entre duas instituições clericais pelo modelo religioso da região; Valignano procurava encontrar exemplos que respondessem às ameaças movidas pelo centro do poder secular do Japão. De outra perspectiva, também nos parece provável que se tenham feito as ditas supressões por lembrarem a segunda das razões que Hideyoshi tinha apresentado para a promulgação da expulsão dos jesuítas, nomeadamente, que os padres incentivavam a destruição dos templos budistas e xintoístas244.

Sobre os restantes 24 exemplos censurados no Livro III de Macau, voltamos a repetir como nos seria mais fácil precisar a razão da sua supressão, caso estivessem

238 Christiani, 1586, Burgos, fol.163. 239 Ibidem, fol.163v.

240 ARSI, Jap-Sin 4-103. Cf. Ruiz-de-Medina, 1995, Monumenta Historica Japoniae, vol. III,

Documentos Del Japón (1558-1562), p.146-153.

241 Gaspar Vilela não indicou o local da escritura. Enquanto que, em Christiani, está indicado que

escreveu de Hirado; Fróis indica que o P. Gaspar Vilela e o irmão Lourenço estiveram desde Agosto no Funai, até 5 de Setembro de 1559. Cf. Fróis, 1976, Cap. 22.º, fol.54v-55r, [p.137-138].

242 Cartas das Missões da Companhia de Jesus do anno 1557 em diante até 64, Tomo I, fol.29-31. Cf.

Ruiz-de-Medina, 1995, Monumenta Historica Japoniae, Vol. III, p.284-299.

243 Mais uma vez, a citação em Christiani aponta, erroneamente, que a carta se escreveu a partir de

Hirado.

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disponíveis as traduções das edições de Burgos e de Macau. Em todo o caso, sabemos que o Livro III foi o que mais alterações sofreu e, por isso, o valor pedagógico que mais preocupou Valignano. Repetindo a ideia que o próprio deu no prólogo, a edição de Macau do Christiani não necessitou de mais acrescentos além dos que tinha feito, por questões de pertinência. Ou seja, o P. Visitador censurou os exemplos de Bonifacio mais tangentes à concepção de "Religião" que se pretendeu instruir nos seminários japoneses, ao tempo das perseguições de Hideyoshi.

Neste sentido, relembramos a diferença entre os prólogos de Bonifacio e de Valignano. Na obra do primeiro, a religião apresentava-se como meio vinculativo entre a moralidade a erudição intelectual, isto é, unir as virtudes com as letras245. Contudo, no prólogo do missionário, a expressão que usa é virtude e disciplina adequada aos

tempos246. O termo disciplina pode sugerir diferentes significados, tais como conduta, educação, regras, obediência, ordem ou submissão. Os significados das virtudes e

disciplina pretendidas pelo missionário tornam-se mais evidentes tendo em conta o que

se acrescentou no Livro III.

Começamos por mencionar a diferença nos títulos dos capítulos entre as duas versões, através do seguinte quadro:

Livro III,

De Religione Burgos 1586 Macau 1588

Cap. I

De Pietate in Deum Seruanda, intimisque affectibus

vniuersitatis illo parente diligendo.

De Pietate in Deum Seruanda, intimisque affectibus

vniuersitatis illo parente diligendo.

Cap. II

Iurisiurandi sancta sit, et iruiolat religio.

De Plurimis et Grauissimis Testimonis nos Traeide Christianæ que Religionis

Cap. III

De Sanctissimæ altaris hostiæ inexplicabili maiestate, deque eius vsu salutari.

Quo Pacto Christianus

Adolesces præcipuos quosdam nostræ religionis actus exercere debeat: ac primum de

pœnitentia, & frequenti confessione peccatorum.

Cap. IV Diuorum, cælitumque est De Sanctissimæ altaris hostiæ

245 Bonifacio, 1607, p.16: [...] Cum virtute literas coniungit. [...].

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auxilium inuocandum. inexplicabili maiestate, deque eius vsu salutari.

Cap. V Sacri homines coli, obseruarique debent, summa veneratione tractari.

De Orationis Utilitate, ac religione, deque auxilio.

Cap. VI De reuerentia aduersures sacras adhibenda, deque religiosorum locorum dignitate.

De reuerentia rebus, ac locis sacris, religiosisque personis adhibenda.

Cap. VII

Sancti libri assidue legendi, per voluntandi; sunt, impij verò reisciendi.

Cap. VIII

Precationis, sanctique acij summa est vtilitas, maximaque religio.

Cap. IX Alieni sæpe nostræ religionis vim & veritatem praedicarunt. Cap. X De Sacra & maxime salubri

confessione scelerum.

Cap. XI Noua quædam exempla in nostri temporis hæreticos.

Com efeito, note-se que Valignano conservou apenas dois títulos de capítulos usados na versão de Burgos: manteve o título do capítulo I e usou o título do capítulo III, da versão de Burgos, para o capítulo IV da versão de Macau. Além do mais, enquanto o Livro III, da versão de Burgos, se organizou em onze capítulos; o Livro III, da versão de Macau, condensou os 110 exemplos em seis capítulos.

No primeiro capítulo adicionaram-se 8 exemplos novos. Todos estes acrescentos

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