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Análise dos termos que assumem novos significados: a passagem à condição de ideologia.

No documento ANA PAULA FERREIRA DA SILVA (páginas 106-130)

O termo comunidade ora parece referir-se à população que está no entorno da escola, ora abrange toda a sociedade brasileira, ora diz respeito exclusivamente ao corpo docente e à equipe escolar.

O combate ao “risco” geralmente encontra na participação ativa da comunidade a principal maneira de a escola obter sucesso na recuperação desses alunos. Assim, é comum o termo “comunidade” ser utilizado de forma imprecisa, especialmente quando se pressupõe que a “participação da comunidade” induz automaticamente às chamadas “escolas democráticas”. Teixeira (2003)21 ressalta que o emprego do termo comunidade é algo corriqueiro nos documentos escolares, tanto nos emitidos pelo Governo – como os Parâmetros Curriculares Nacionais –, quanto naqueles elaborados pela escola ou pelos mais diversos meios, entre eles o de comunicação de massa.

É recorrente a idéia de que a comunidade deve estar envolvida com a sua produção, ou melhor, com a implementação dessas duas linhas de trabalho [quais sejam os PCNs e os documentos de um colegiado de escola em Minas Gerais] para que o ensino ministrado nas unidades escolares esteja de acordo com as populações atendidas, tenha qualidade e forme para a cidadania democrática. (Teixeira, 2003, p. 48)

Da mesma forma e conforme apresentado anteriormente, podemos encontrar com facilidade, nos documentos e nos textos que tratam sobre educação escolar, o chamamento à participação da comunidade, seja para melhorar as condições de funcionamento do espaço escolar, seja para conhecer a realidade dos alunos, seja para combater a violência.

Em diversos documentos, o Banco Mundial, que, como já foi dito anteriormente, é um dos grandes construtores e disseminadores de formas simbólicas, reporta-se à idéia de comunidade, apresentando-a de forma bastante abrangente, quer atribuindo-a a quase toda a população de um país, quer restringindo-a a um pequeno grupo de pessoas, ou as que prestam um determinado serviço a alguém ou as que dele usufruem. Tal

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A autora, em sua tese de doutoramento e no trecho utilizado neste capítulo, volta-se para a utilização indiscriminada de conceitos como comunidade e escolas democráticas nas análises mais recentes a respeito da realidade escolar, especialmente no contexto pós -Lei de Diretrizes e Bases de 1996.

consideração pode ser facilmente identificada nos trechos extraídos de um único documento:

...o Banco Mundial endossou as principais conclusões do relatório, especialmente os projetos de “desenvolvimento impelido pela comunidade”, que não só dão aos grupos comunitários maior autoridade e controle sobre a distribuição nacional de dinheiro e recursos - protegendo-os dessa forma da corrupção.

... na Bolívia, onde o Banco trabalhou em estreita proximidade com diversas comunidades para a construção e operação de instalações rurais de saúde, a mortalidade infantil caiu mais de 40 por cento em relação às áreas que não contam com essas instalações projetadas e administradas pelas comunidades.

... Com base em milhares de discussões com comunidades em todo o mundo em desenvolvimento, com o Banco mobilizando apoio para mais projetos de desenvolvimento baseados nas comunidades - que dão mais poder aos pobres, maior segurança e mais oportunidades no nível local - as comunidades pobres podem assumir o “assento do motorista”, avaliando as suas próprias necessidades e criando formas de melhorar as suas condições de vida. (Banco Mundial, 2000, pp. 01-05)

O primeiro trecho faz alusão a uma comunidade tão ampla e tão forte que se torna capaz de controlar e combater a corrupção. A seguir, a comunidade é entendida como um grupo mais restrito. Essa abrangência fica explicitada quando é feita a diferenciação entre os resultados obtidos naquelas "comunidades" atendidas pelo projeto e as que não estavam engajadas. Finalmente, a última colocação apresenta, ao mesmo tempo, a comunidade como um grupo mais restrito ao "nível local" e capaz de assumir as decisões em uma dimensão que perpassa seu espaço.

Ao chamamento à comunidade participativa, associa-se corriqueiramente a convocação do serviço voluntário, do que decorre uma impressão generalizada de que atuar, no sentido de resolver a precariedade das escolas de periferia e diminuir a violência e os problemas sociais mais graves, demanda “apenas” em incentivar a participação de todos e obter “do envolvimento comunitário” o necessário para transformar a sociedade.

Em um comunicado do Banco Mundial, especificamente, essa perspectiva torna- se bastante clara:

comitês de ensino comunitário nas áreas rurais de El Salvador, Guatemala e Honduras, onde os próprios pais administram os recursos escolares, asseguram o comparecimento dos alunos, contratam os professores e supervisionam o seu desempenho; e um programa de eliminação de favelas em quatro cidades latino-americanas - Cidade da Guatemala, Caracas, São Paulo e Recife - onde associações de bairro, ONGs, governos municipais e empresas privadas estão melhorando a habitação e os serviços locais, a fim de melhorar a saúde da comunidade e reduzir o crime. (Banco Mundial, 2000, p. 04)

Teixeira ressalta e analisa a participação da comunidade que é atrelada ao serviço voluntário e/ou à atuação de patrocinadores junto aos estabelecimentos comerciais22.

Essa relação, sem dúvida não se trata de um movimento específico do Estado de Minas Gerais. Como vimos, é um movimento mundial cada vez mais fortificado pelos meios de comunicação e campanhas, que enfatizam o chamamento à responsabilidade social.

Esse tipo de atuação no espaço escolar parece retirar do Governo a prioridade em destinar recursos à área da Educação, a responsabilidade em investir na contratação de profissionais qualificados, bem como destinar os recursos necessários para o funcionamento adequado do estabelecimento de ensino.

Sobre o serviço voluntário, Teixeira (2003) pontua que

é, aliás, o que vem propondo a campanha Amigos da Escola, desenvolvida pelo Projeto Brasil 500 anos em conjunto com o Comunidade Solidária, apoiado pela Rede Globo, que coloca seu meio de comunicação a serviço da mobilização de voluntários.

A descrição do projeto Amigos da Escola serve para demonstrar que o que se espera de uma comunidade de ensino para a construção de uma escola democrática (Apple e Beane, 1997) é uma relação bastante diferente dessa desenvolvida pelo trabalho voluntário. Os amigos da escola farão o que o diretor de escola julgar necessário, tendo esse, autonomia para decidir sobre as ações que julgar mais urgentes para a melhoria da escola – como se as unidades de ensino não tivessem órgãos colegiados para decisões mais coletivas (pelo menos o texto da campanha é falho nesse sentido). Além disso, serão os responsáveis pela captação de recursos a serem aplicados nas melhorias requeridas pela escola – suprindo as verbas públicas que deveriam ser destinadas para esse fim; o poder público sai de cena. [...] O problema é que voluntários, parceiros ou

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patrocinadores não estabelecem necessariamente uma relação comunitária entre si e com os demais segmentos da escola – pelo menos nos termos propostos pelo Escola Legal ou pelo Amigos da Escola. (p.55).

Na rede pública do Estado de São Paulo, essa participação voluntária é contemplada especialmente no Projeto Escola Aberta, sinalizando ser esse um bom caminho para se conquistar melhorias para as escolas.

Entre os objetivos desse projeto podemos destacar:

- Possibilitar a abertura das Unidades Escolares durante os finais de semana, feriados, recesso e férias, como forma de prevenção à violência;

- Promover a articulação da escola/comunidade buscando uma interlocução com as lideranças locais para construir a convivência, a justiça e a paz;

- Resgatar o bem público na perspectiva da democratização dos equipamentos sociais; [...]

- Garantir oportunidades iguais de acesso e de condições concretas de participação e expressão, por meio do desenvolvimento de atividades culturais, esportivas e de lazer, assim como atividades programadas pelas Unidades Educacionais e que respondam às necessidades da comunidade escolar; [...] (PMSP, 2003a, p.10, grifos meus)

Esse trecho, em complementação às demais passagens transcritas anteriormente sobre o projeto Escola Aberta, demonstra que a convocação da comunidade não se limita apenas ao que tange à orientação curricular, mas tem como meta principal a resolução dos problemas de ordem social, como a violência.

Em outra revista de divulgação dos projetos desenvolvidos pela Prefeitura de São Paulo, o termo comunidade aparece explicitamente atrelado à diminuição da violência. “Desde o primeiro dia de 2001, estamos abrindo as escolas nos finais de semana. Com a participação da comunidade diminuímos a violência nas escolas municipais.” (PMSP, 2004a, p.04)

Essa relação é bastante delicada, pois dá ensejo à precipitação de algumas conclusões que não se confirmam verdadeiras. No início de 2005, mais precisamente no final de semana que antecedeu o início do ano letivo, a EMEF Clóvis Graciano teve os seus fios de iluminação roubados. A reunião pedagógica, prevista com antecedência no

calendário escolar, foi realizada à luz do dia, o que significa estar em um ambiente “escuro”, face à pouca iluminação natural das salas. Ao saber do motivo pelo qual não havia luz, alguém da equipe escolar fez o seguinte comentário: “-alguém da comunidade deve ter roubado os fios para vender, pois têm alto valor comercial - são fios de cobre”. A réplica a essa afirmação foi: “Mas é lógico, a comunidade não participa dessa escola... olha a EMEI, lá não acontece nada!...”

A comunidade ora passa a ser vista como solução para todos os problemas sociais e escolares, ora como causa deles, fato evidente na colocação dos professores, na medida em que tentam demonstrar que quem eventualmente roubou os fios, só o fez por não ter uma relação de proximidade com a escola.

O coordenador de orientação técnico-pedagógico da Coordenadoria de Educação da Casa Verde, Limão, Cachoeirinha apresenta que há

comunidades que se colocam à disposição, oficineiros, muitos deles são oriundos da comunidade, tem pessoas que desejam contribuir para que vejam seu filho, sua filha ocupando esses espaços com outras atividades - porque se não fizer isso não tem outra alternativa – então, também tem saídas; tem problemas, mas também muitas iniciativas importantes. (Vide anexo III)

Esse trecho mostra que a comunidade parece querer se aproximar da escola de forma a proporcionar um espaço mais agradável para suas crianças e jovens. Ao mesmo tempo em que esse tipo de relação possibilita uma interlocução entre o que os pais e as pessoas que moram próximo à escola esperam dela, abre espaço para o risco da “comunidade” ser vista como um “quebra-galho”, que é chamada para cobrir as omissões da rede pública.23

Teixeira (2003) apresenta, então, algumas características que marcam o sentido de comunidade.

A noção de comunidade resgata um de seus elementos, que é o compartilhamento de objetivos e valores comuns. E isso pode representar uma qualidade de participação na

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Conforme apresentado no capítulo anterior, as mães “participaram” da vida escolar de seus filhos enquanto não havia auxiliares técnicos e merendeiras suficientes para atender a demanda. Quando essa situação foi normalizada, essa relação de proximidade foi extinta.

escola em que todos os assuntos sejam de fato debatidos por todos; tudo que acontece na escola - especialmente o processo pedagógico propriamente dito - deixa de ser saber dominado por especialistas e passa às mãos de todos que utilizam a escola ou virão a utilizá-la - pelo caráter social que tem. (p. 60)

Em um trecho a seguir, faz a seguinte consideração:

...um traço comum a todas as definições do conceito de comunidade é a existência de um sentimento de pertencimento, uma identidade entre os participantes dessa relação - que pode estar fundada em sentimentos ou em escolhas racionais, mas deve sempre existir e é fator de coesão do grupo. (idem, p. 71)

É interessante notar que muitas vezes a própria definição dada para comunidade implica a idéia de participação, apaga diferenças e generaliza características, de forma que a faz perder suas próprias singularidades. Diante dessas considerações, são necessários ainda mais alguns cuidados, quando se pensa a questão da comunidade.

Primeiramente, não há uma delimitação física determinante capaz de compor o espaço geográfico da comunidade; por outro lado, a diferenciação do grupo escolar, cada vez mais presente na rede pública de ensino, traz características bastante singulares, em relação às vivências e às experiências culturais dos alunos, não podendo ser esquecidas ou generalizadas; há ainda a questão do sentimento de pertencimento, pois nem sempre morar em um determinado bairro significa aceitar-se enquanto membro de um grupo maior, denominado comunidade; e, finalmente, o termo comunidade, muitas vezes, confunde-se com a definição de sociedade, pois ambos, durante muito tempo, estiveram associados, como sendo as únicas formas de organização dos homens.

Mesmo diante de tantas contradições, a participação da comunidade é freqüentemente mencionada como “antídoto” às situações de risco vividas por crianças demasiadamente pobres. a palavra comunidade também é objeto de “sub- classificações”, como ‘comunidades carentes".

Diante dessas considerações sobre o universo do termo comunidade, que fazem oscilar o significado do conceito de situação de risco, é necessário recorrer aos textos elaborados pelas próprias escolas, de forma a verificar que outros termos estão a eles relacionados e de que forma compõem essas imagens de escola como antídoto a alunos

em situação de risco.

Os Projetos Político- Pedagógicos geralmente apresentam trechos que ressaltam a "formação do cidadão crítico, participativo, reflexivo e consciente" como caminho na construção da qualidade social da educação, todavia, as palavras são utilizadas de maneira extremamente abrangentes, de modo que seus significados apresentam-se bastante imprecisos.

Tendo em vista que a própria noção de comunidade está muito mais ligada à idéia de aproximação física dos alunos do que a crenças e aspirações, como pode ser possível estabelecer um ensino que atenda a seus interesses específicos? Na verdade, esse saber volta-se para a suposição de uma necessidade, muitas vezes estereotipada na figura da pobreza – ou da ausência de – e nas supostas oportunidades que são atreladas à riqueza. Esse tipo de relação se destina à construção empírica do saber, baseada na espontaneidade e, portanto, no imediatismo.

Uma vez considerada instrumento para "solução de problemas comunitários", a escola perde a totalidade e, possivelmente, não atenderá à tão almejada formação do "cidadão crítico, participativo e consciente".

O conceito de cidadania organiza de forma marcante os discursos sobre educação e escolarização, mas seu significado é pouco preciso, já que muitas vezes é tomado como mero instrumento de conhecimento dos direitos e deveres. O conceito é usado de forma irrestrita por educadores, pela mídia, pelo governo e pelas instituições financiadoras, como o Banco Mundial, sem que apresente alguma consistência.

Na obra Os lugares da exclusão social: um dispositivo de diferenciação pedagógica, Stoer, Magalhães e Rodrigues (2004) apresentam a cidadania como um desses “lugares” de exclusão/ inclusão.

Após apresentarem o conceito de cidadania enquanto construção histórica, indicam que no decurso da modernidade

os indivíduos [...] prescindem da sua soberania para a endossarem ao Estado-nação. Em compensação é garantido aos indivíduos a máxima utilização das suas capacidades. Essas capacidades são construídas pelos seus talentos próprios, a realizar pelo empenho de cada um nos diferentes contextos do Estado, da comunidade e do mercado. O valor social dos indivíduos é, assim, pensado a partir da igualdade de oportunidades de exercício dos seus talentos, da liberdade de desenvolver a sua capacidade

empreendedora no mercado e da participação fraterna na comunidade. (Stoer, Magalhães e Rodrigues, 2004, p.81)

É interessante salientar a relação que o conceito de cidadania estabelece com o de comunidade, observando que nessa perspectiva a cidadania está associada à perda de soberania para a proteção do Estado-nação. Entretanto,

a soberania que os indivíduos e os grupos cediam no contexto social moderno é agora reclamada de volta, isto é, eles querem decidir acerca do modo de viverem,como se educam, como cuidam de si, como se reproduzem, etc.

No fundo, essa reclamação baseia-se num apelo no sentido de uma redistribuição econômica que é combinada, em doses variáveis, com um reconhecimento da diferença. Dessa forma, o que está em causa é o possível surgimento de uma forma de cidadania “reclamada” pelos indivíduos e pelos grupos contra as instituições e respectivas racionalidades. (idem, p.86)

O modelo inicial de cidadania da sociedade moderna que abria mão da sua soberania pela atuação do Estado é enfocada, segundo os autores, na “sua concretização mais cabal no modelo de democracia representativa”. Essa democracia representativa “torna-se ‘real’, na medida em que o leque dos representados alarga-se substancialmente, sendo visível a presença (representada) de quase todos aqueles que se viram excluídos dessa representação”. (idem, p.81)

Nesse processo de democracia representativa

a educação assume uma função bastante especial, pois ela fica essencialmente atribuída à escola, desenhada como instituição socializadora por excelência dos indivíduos,dado que é o lugar onde as capacidades destes se libertam das peias da tradição e onde,ao mesmo tempo,se reforçam os valores da comunidade, agora dimensionada em termos de nação. (idem, p.81)

Essa concepção de escola ainda está muito presente e, corriqueiramente, apresenta-se nos documentos escolares ou naqueles que abordam as questões relacionadas à educação.

Um exemplo apresenta-se no Caderno EducAção 02, organizado pela Prefeitura do Município de São Paulo, em 2001. Ao relatar e analisar as respostas das equipes

escolares às questões propostas pela Secretaria Municipal de Educação (SME) e da Equipe da Divisão de Orientação Técnica (DOT) durante a Reunião Geral de Pólo realizada naquele semestre, foi exposta a seguinte consideração:

...a Educação só se justifica pela sua intrínseca função social, entendendo-se por esta sua participação nos processos de transformação da sociedade cada vez mais democrática, ou seja, num tecido social em que cada indivíduo se torne cada vez mais cidadão, na medida mesma em que se torne sujeito da produção e da fruição dos bens naturais, dos bens sociais e dos bens simbólicos. Portanto, o pedagógico é fundamentalmente mediação do político, expressão-síntese da condição de cidadania e de democracia. (PMSP, 2001, pp. 38-39, grifos meus)

Embora esse trecho não apresente de forma clara o que é ser cidadão, compõe-se de elementos que em muito se aproximam da relação entre escola e democracia representativa exposta anteriormente. É salientado que o indivíduo deixe sua condição – por assim dizer, singular – para que se assuma como um cidadão capaz de participar dos processos que tornam a sociedade uma sociedade democrática.

Essa passagem do indivíduo para o cidadão teria como lócus privilegiado a escola, pois é a ela que cabe tal “função social”. Esse aspecto que atribui à escola o local de transformação do sujeito parece estar muito relacionado àquele processo de escolarização ressaltado por Stoer, Magalhães e Rodrigues (2004):

Da escola, contudo, espera-se, além da formação de cidadão, também a preparação de trabalhadores aptos para a estrutura ocupacional, conceptualizadas, ambas como potencialmente em harmonia. Esta [escola] tem o seu auge no pós-guerra, no processo de realização da “escola para todos”. (idem, pp.81-82)

Essa concepção de preparação para o mundo do trabalho aparece de forma bastante interessante em um dos textos veiculados pela Prefeitura do Município de São Paulo sobre a qualidade social da educação:

A experiência educacional deve assim tornar as diferenças culturais, físicas, étnicas, e de gênero como elementos enriquecedores das relações nas escolas e da vida em sociedade. Essa orientação [...] implica rupturas [...] com as concepções e práticas que visam submeter a educação à lógica e ao léxico do mercado. Temos verificado nos

últimos anos orientações que supõem a exclusão do mercado de trabalho, de consumo e de direitos fundamentais como fenômeno inexorável. Isso resulta do processo de globalização que tem processado, em escala planetária, a concentração do capital e dos bens materiais e culturais.

Essa naturalização da exclusão e das desigualdades tem conseqüências no caso da educação: oferecer o mínimo à população, de um lado para poupar gastos públicos (atendendo à meta de redução do chamado “déficit público”) e, de outro lado porque seria inútil investir recursos em seres humanos que têm seu destino de exclusão selado. [...]

Tais concepções subtraem dos educandos o direito inalienável de consumir conhecimentos e valores. [...]

Propomos,por isso, uma educação inclusiva, democrática e popular, de acordo com o qual o currículo seja consciente e sistematicamente repensado, tendo como ponto de partida e de chegada os alunos. (PMSP,2002b,p.21)

Nesse trecho, a PMSP afirma que sua proposta educacional está em uma direção contrária àquela que prevê a preparação para a “lógica de mercado”. Essa “lógica de mercado” propaga a educação como um serviço a ser consumido. Diante disso, temos ainda, uma questão fundamental apresentada por Stoer, Magalhães e Rodrigues (2004):

A questão está em saber qual o limite dessa coincidência da cidadania com a diferença. Por exemplo, até que ponto pode-se justificar que o Estado exija o cumprimento de escolaridade obrigatória por parte de crianças ciganas de sexo feminino ao mesmo

No documento ANA PAULA FERREIRA DA SILVA (páginas 106-130)