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Considerações Finais

No documento ANA PAULA FERREIRA DA SILVA (páginas 149-152)

Em uma sociedade com tantas assimetrias e que propaga contínuas estratégias de inclusão e de consolidação do respeito às diferenças, a escola parece assumir um papel fundamental quando o que está em jogo é a proposta de “salvação” de crianças e jovens considerados em risco.

Essa escola ideologicamente re-significada parece conter a “fórmula” social para tirar crianças da miséria – não apenas econômica, mas também social e cultural – em que vivem. A instituição por vezes é idealizada como se pudesse, independentemente de tudo, proporcionar condições singulares de superação das situações de “anomia” e desequilíbrio social. Esse é um processo de circulação de informações que divulga impressões sobre a pobreza e a miséria nos jornais, nas revistas e nos programas transmitidos pela televisão.

Todo esse repertório de imagens construído e propagado pelos meios de comunicação de massa contam com os dados estatísticos como forma de reforçá-los e provar aquilo que está sendo apresentado. Conforme pontua Lahire (2004), a linguagem estatística

transforma tudo o que mede sobre sua própria lógica. Transforma, assim, múltiplas situações sociais que têm suas lógicas próprias, segundo a lógica do quantificável, e o mensurável, e a partir de critérios ou de variáveis que tentam objetivar essas situações. [...] O sociólogo objetivista e realista terá tendência a proceder, implicitamente, da seguinte maneira:

- pela objetivação estatística ignora sobretudo de forma voluntária, as modalidades das práticas, assim, como as estruturas mentais dos seres sociais, para construir regularidades mensuráveis que ele pode chamar de estruturas objetivas.

- esquecendo que está diante de uma construção, considera as suas medidas como o real, a base que vai permitir explicar as práticas sociais. (pp.351-352)

Ora, ao considerarmos o forte papel que os meios de comunicação exercem na re-significação de determinados termos (Thompson, 2002), não é difícil compreender porque esses indivíduos, que no final das contas são alunos também, e que sofrem de maneira direta os estigmas relacionados à exclusão social, estabeleçam juízos sobre si mesmos com base nessas perspectivas socialmente propagadas (Elias, 2000; Goffman,

1988, 2004).

Mas há ainda uma questão latente:

Se a construção dos significados de “situação de risco”, “comunidade”, “cidadania” e “exclusão social” são relativos a um determinado momento histórico e frutos dos interesses de um grupo social específico; se a pobreza e a miséria constituem-se a partir da perspectiva do consumo (voltadas, portanto para os aspectos econômicos); se a escola é permeada por todas essas “falas” e “imagens”, de forma a atuar de uma maneira determinada com essas crianças e jovens; em que perspectiva a escola realmente serviria como um antídoto social para os problemas que a sociedade cria com ou sem a escola?

É certo que estar matriculado e freqüentar uma sala de aula determina diferenças nas trajetórias individuais e interfere em diversos aspectos que circundam a pobreza (Lahire, 2004)

José, e todas as crianças e jovens que compuseram essa pesquisa, com maior ou menor assiduidade, estão naquele espaço escolar e, portanto, são influenciados pelas mais diferentes concepções e ideologias que constituem o processo de escolarização. Mas, deve-se reconhecer que todos eles também comparecem a esse processo como atores sociais e não como números das estatísticas das situações de risco.

Por mais invisíveis que esses alunos possam parecer – não apenas na sociedade, mas também na escola –, são totalizados nos dados referentes ao acesso e à permanência das populações mais carentes na escola, ao aproveitamento e à evasão escolar, por exemplo.

Dessa maneira, ainda que alguns poucos professores conheçam o cotidiano desses alunos catadores, eles são facilmente identificados em falas que ressaltam aqueles que “dormem” nas aulas, os que chegam sujos e não têm materiais e uniformes bem conservados, os que não prestam atenção nas explicações, ou simplesmente compõem o grande contingente de alunos cujas famílias são “desestruturadas” e, por isso não aprendem.

A partir dessa situação, a escola paradoxalmente passa a ser convocada a executar duas tarefas socialmente bastante distintas: receber os alunos que chegam para aprender (escolarização na perspectiva dos conteúdos a serem ensinados), pois assim “conseguirão melhores postos de trabalho e terão melhores salários” e receber, em oposição a esses, aqueles sujeitos que necessitam de re-sociabilização, de forma a se adequarem e se integrarem às regras sociais.

José e seus irmãos dizem que vão à escola para aprender a ler e a escrever, mas parece que são sempre considerados próximos do grupo dos alunos que têm que ser re- sociabilizados. Ao mesmo tempo essa re-sociabilização é prejudicada pelos estigmas que carregam, especialmente os derivados do lixo.

Mesmo considerando que a escola exerce funções extremamente transformadoras com esses sujeitos advindos das camadas mais populares, ela não pode ser compreendida como um “antídoto” à pobreza.

Todavia, seja re-sociabilizando, seja escolarizando efetivamente esses alunos, a escola tem um papel fundamental na trajetória de qualquer um. Não é uma experiência menor ou acidental na trajetória de um aluno que vivencia ser desacreditado e desacreditável. Quantos outros não estão esquecidos nas salas de aula dos quartos anos permanecendo na escola apesar de tudo, esforçando-se e procurando dar o melhor de si, e, além disso, incentivando irmãos mais novos a levar o processo de escolarização “a sério”.

Da mesma forma que Lahire pontua que para que os pais batam em seus filhos é necessário reconhecer algo de útil e importante na escola. Quando um jovem acorda tão cedo, após trabalhar exaustivamente durante a madrugada, e mesmo sendo considerado quase que como um “caso perdido”, luta para cursar pela terceira vez a mesma série apesar do contínuo rendimento insatisfatório, deve-se reconhecer que esse sujeito social acredita na escola. Ele crê que a instituição lhe trará melhores oportunidades.

Resta-nos, então, buscar compreender a relação social entre pobreza e educação formal numa nova perspectiva de escolarização. Esse lugar fascinante e contraditório, ao mesmo tempo em que parece tentar afastar todos esses alunos que não se adaptam, acaba por aproximá-los e, na dialética da rejeição com acolhimento, os têm como essência de seu universo.

No documento ANA PAULA FERREIRA DA SILVA (páginas 149-152)