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Análise textual da argumentação no discurso

2 PRESSUPOSTOS DE UMA ARGUMENTAÇÃO NO DISCURSO

2.3 Análise textual da argumentação no discurso

Realizada no âmbito dos recentes projetos de pesquisa desenvolvidos pelo Grupo Protexto, que visam a investigar, por meio dos critérios de análise da Linguística Textual, as orientações argumentativas do texto, a tese da pesquisadora Patrícia Macedo (2018) propõe uma interface entre a LT e a Teoria da Argumentação no Discurso (doravante AAD), de

Amossy, analisando a inscrição da argumentatividade discursiva em textos e mostrando a possibilidade de se evidenciar a argumentação por categorias de textualidade, tais como gênero do discurso, intertextualidade, composicionalidade e referenciação. A proposta de Macedo (2018) parte da afirmação de Amossy de que “a argumentação deve ser estudada no nível de sua construção textual, a partir dos procedimentos de ligação que comandam seu desenvolvimento” (AMOSSY, 2018a, p. 41). Desse modo, para além dos já utilizados instrumentos de análise advindos do nível pragmático (implícitos, pressupostos e subentendidos) e do nível puramente linguístico (análise das escolhas lexicais, dos deslocamentos semânticos, dos conectores, etc.), Macedo propõe que a AAD recorra aos parâmetros de análise do nível textual.

Essa proposta de articulação requer, no entanto, uma reflexão sobre o diferente

modus operandi da AD e da LT. Embora ambas as disciplinas tenham o texto como unidade de

análise, suas preocupações de investigação e o modo como concebem a noção de texto não são as mesmas. Enquanto a AD se propõe investigar, segundo Maingueneau (2015), o elo que liga os textos às situações comunicativas por meio de um dispositivo de enunciação simultaneamente resultante do verbal e do institucional, a LT se interessa, segundo Cavalcante (2016), pela descrição e explicação das estratégias de textualização, isto é, descrever e explicar como são colocados em texto os propósitos dos interlocutores que agem de acordo com as convenções das práticas discursivas.

Quanto à noção de texto, a AD, e consequentemente a AAD, observa o texto apenas como uma estrutura superior à frase, como “um conjunto coerente de enunciados que formam um todo” (AMOSSY, 2018a, p. 41) e como uma materialização do discurso. Para a LT, disciplina na qual nos situamos, o texto não se reduz a uma mera organização linguística, dado que os sentidos são construídos por meio da interação em que sujeitos mobilizam a toda hora contextos sociocognitivos. Não sendo, portanto, concebido como materialização do discurso, é preciso dizer que, para nós, a relação entre texto e discurso é uma via de mão dupla, isso porque “os textos não só materializam as condições sociais de existência e de uso da linguagem como também produzem essas condições” (MACEDO, 2018, p. 89). A LT, tendo o texto como objeto de investigação, situa seu escopo de análise nas “relações pragmáticas e sociocognitivo- discursivas” (CAVALCANTE, 2016, p. 118).

Macedo (2018), ao observar o interesse comum da LT e da AAD em investigar a inscrição da argumentação, respectivamente, no texto e no discurso, reflete, no capítulo que discute a interface proposta, que os gêneros, enquanto objetos de análises das duas disciplinas, são instituídos simultaneamente como textuais e discursivos e, por isso, seriam úteis como meio

de diálogo entre as duas áreas. A escolha dos gêneros como ponto central da articulação é fruto da percepção de Macedo acerca da importância desse parâmetro na proposta de Amossy, e permite, segundo a autora, “situar os textos e os discursos em um quadro discursivo e genérico a partir do qual poderemos compreender a relação entre o tipo de interação, a construção da coerência, a macroestrutura textual e os diferentes modos textuais de argumentatividade” (MACEDO, 2018, p. 82).

A AD concebe os gêneros como dispositivos de comunicação que surgem quando estão presentes certas condições sócio-históricas. Esses dispositivos estão associados e organizados nos mais variados setores de atividade social, como o científico, o midiático, o político etc. A noção de gênero que assumimos em nossa pesquisa, assim como assumiu Macedo e na qual também se baseiam os estudos da AD, é a advinda dos estudos de Bakhtin. Para o filósofo russo, a língua é utilizada e efetuada por meio de enunciados concretos e únicos, proferidos em diferentes campos da atividade humana. Cada enunciado em particular, para Bakhtin (2016, p. 12, grifo do autor), “é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do

discurso”. Esses gêneros do discurso, segundo Maingueneau (1998), carregam uma ou mais

finalidades socialmente reconhecidas e determinam papéis para os parceiros da troca comunicativa. Além disso, os gêneros têm lugar e tempo apropriado para sua efetividade, são materializados por um determinado suporte e estão associados a uma certa organização textual.

Na defesa de que a relação entre texto e discurso é bidirecional e simbiótica, isto é, uma via de mão dupla, e que a argumentatividade tanto é constitutiva do discurso quanto instaurada no texto, Macedo (2018, p. 105) diz que “o texto materializa condições sócio- históricas e que é por intermédio dos sistemas de gêneros que textualidade e discursividade se unem, mas [...], assim como ‘não há textos sem gênero(s)’ (ADAM, 2017, p. 36), não há gêneros sem textos”, isso implica dizer, portanto, que o texto não é somente a materialização do discurso, ele igualmente é necessário para sua instauração.

Desse modo, admitindo a noção de gênero como ponto de interseção, o esquema pensado por Macedo (2018), que assumiremos nessa pesquisa, propõe um diálogo entre a LT e AD que pode beneficiar ambas as disciplinas sem que, para isso, elas percam seus status de disciplinas autônomas no campo das ciências da linguagem. Desse modo, cada disciplina recorreria a algumas categorias da outra para auxiliar a investigação de seu objeto.

ESQUEMA 1 – Interface entre LT e AD no estudo da referenciação.

Fonte: Macedo (2018, p. 105)

Por exemplo, em um estudo de referenciação, situado no âmbito da LT, tomar-se- ia de empréstimo “categorias discursivas da AD para descrever e analisar processos referenciais como estratégias argumentativas ligadas à textualidade” (MACEDO, 2018, p. 104-105). Nesse caso, as categorias textuais ocupam a posição central da investigação e as discursivas a posição de fundo. Já no âmbito da AD, os analistas do discurso poderiam recorrer aos processos de referenciação, como instrumento, para revelar, por exemplo, os posicionamentos ideológicos dos sujeitos e a construção do ethos discursivo marcados no texto.

Na análise de nosso corpus, será perceptível os frutos dessa interface entre texto e discurso, uma vez que adotamos os critérios teórico-metodológicos da LT – a referenciação e a intertextualidade – em articulação com os aspectos retóricos e discursivos da argumentação nos textos. Neste capítulo, tivemos como objetivo apresentar brevemente os principais conceitos que dão base ao estudo da argumentação retórica e explanar a abordagem de Amossy para um estudo da argumentação discursiva. Além disso, vimos a proposta de articulação de Macedo (2018), que visa a ampliar a análise da argumentação se valendo também dos critérios de textualidade. No capítulo subsequente, buscamos apresentar um percurso sobre a figura do

pathos no estudo da argumentação, de modo a avaliar aproximações e distanciamentos

conceituais que nossa dissertação apresenta em relação aos autores que já se debruçaram sobre o papel das emoções na argumentação.