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Análise sobre a Trajetória da Política de Saúde Mental no cenário brasileiro Uma análise da trajetória que inclui a história da loucura em suas várias

2 O LUGAR DA POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL NO CONTEXTO HISTÓRICO DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL

2.2 Análise sobre a Trajetória da Política de Saúde Mental no cenário brasileiro Uma análise da trajetória que inclui a história da loucura em suas várias

manifestações, bem como as diversas formas de lidar com a mesma em todo o mundo, revela que esta problemática foi quase sempre perpassada por acontecimentos marcantes e contraditórios.

Esta situação não foi diferente no contexto brasileiro. Por isso, dissertar acerca da Política de Assistência Psiquiátrica no Brasil, requer uma sistematização de alguns dos fatores que permitiram esta discussão. Assim, é imprescindível considerarmos que o debate em torno desta política é uma possibilidade recente, sobretudo, conquistada a partir da Reforma Psiquiátrica e das garantias asseguradas com a Constituição Federal de 1988. Só a partir desse momento, é que o modo no lidar com o doente mental passou de fato a ser questionado, com

respaldo médico-científico.

De modo geral, ao adentramos no registro histórico brasileiro identificamos que o doente mental usufruía de relativa liberdade, sobretudo nos primeiros anos do século XIX, já que lhes era permitido vaguear pelas cidades, aldeias e campos. Sobreviviam da caridade pública e quando muito, se pertencessem a famílias abastadas, eram escondidos e tratados em casa sob construções anexas. Assim, a problemática que envolvia a doença mental foi silenciada por muito tempo.

Por conseguinte, este proceder não mantinha sob controle, o que de fato era real: a existência de inúmeras pessoas vítimas da insanidade mental. Por isso, embora ignorada por muitos anos, a loucura passou a ter maior visibilidade no cotidiano das cidades e tornou ainda mais numerosa as fileiras dos marginalizados de outra natureza, visto que na maioria das vezes os “loucos” eram tidos como sinônimos de desordem e ociosidade, perturbação da paz social e obstáculo ao crescimento econômico. Assim, foi apontada como solução a remoção destes “elementos” perturbadores do convívio social. Portanto, é possível afirmar que desde as suas primeiras expressões, a assistência psiquiátrica brasileira revelou ser marcadamente excludente.

Na área da saúde mental, não consta do registro brasileiro, uma sistematização de uma política específica, que lidasse com especialidade os doentes mentais. Como conseqüência, não se dispõe de um registro com informações mais elementares. Apesar disso, é possível perceber o quanto as medidas de assistência psiquiátrica foram influenciadas pelos métodos franceses de Pinel e de seus contemporâneos alienistas. E embora tenha sido feita certa adaptação à realidade local, enquanto na Europa o lidar com a loucura estava sendo relacionado à assistência, no Brasil por um longo período as ações adotadas se concentraram na ampliação de manicômios, que atribuía ao interno uma condição de exclusão.

Além disso, é possível identificarmos que muitos fatores contribuíram para a precariedade da estrutura assistencial em saúde, o que engloba a área de saúde mental. A assistência pública aos doentes mentais deixava muito a desejar, com exceção dos grandes centros. São Paulo é um desses exemplos, que possuía um investimento econômico considerável. O que também resultava em grandes investimentos em saneamento e saúde pública para assegurar o crescente fluxo de mão-de-obra, paralelo ao controle das doenças de uma forma geral.

brasileira o ano de 1852, pois neste foi inaugurado pelo Imperador D. Pedro II, o hospício que foi determinado pelo decreto imperial n° 82, e recebeu seu nome na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro. Este tinha por meta admitir a demanda de todo o império e capacidade para receber 350 pessoas, o que aconteceu em pouco mais de um ano, com pessoas provenientes da Santa Casa e da enfermaria provisória que havia sido criada na Praia Vermelha.

O hospício deveria ser um instrumento de cura, sendo a sua organização cuidadosamente planejada, assim como a localização dos pacientes no seu interior. A partir desse momento a psiquiatria no Brasil passa a ser admitida como especialidade médica, como já ocorria na Europa, e ganha seu local de prática efetiva.

Como assinala Resende, ao comentar sobre este marco para a psiquiatria brasileira,

As opiniões são unânimes em situar o marco institucional da assistência psiquiátrica brasileira em 1852(...), foi inaugurado pelo próprio Imperador D. Pedro II, o hospício que recebeu seu nome no Rio de Janeiro (...) e destinava-se a receber pessoas de todo o império (um contra-senso dadas às dimensões do território e as dificuldades de transporte e comunicação, na época) (1987, p. 37).

Figura nº. 5 - Hospício D. Pedro II, Gravura Victor Frond, 1852. Fonte: CD-Rom Projeto Memória da Psiquiatria, 2000

No entanto, alguns estudos apontam os aspectos que convergiram, e conseqüentemente favoreceram a inauguração do mesmo. Assim como esclarece Ramos e Geremias,

Hospício de Alienados do que uma simples homenagem piedosa e

desinteressada ao novo Imperador (...) Uma destas dizia respeito à disputa de poder médico-político entre a recém criada Junta de

Higiene Pública e a poderosa Santa Casa da Misericórdia,

representada por seu Provedor José Clemente Pereira e apoiada por importantes segmentos da Academia Imperial de Medicina (2003, p. 8).

Esta disputa decorria do fato de que os representantes da Junta de Higiene passaram a apontar algumas casas que se encontravam em condições de precariedade, como focos de insalubridade. E desta forma, poderiam ser fonte de várias doenças. O que já se configurava num problema de ordem social, devido à impossibilidade no atendimento da demanda que se apresentava quanto à assistência a saúde, o que incluía os alienados.

A atitude da Junta de Higiene foi especialmente estimulada pelo surgimento da febre amarela, que se expandiu com o crescimento demasiadamente rápido e desordenado da população do Rio de Janeiro e de seu espaço urbano, ocorridos com a transformação da cidade em capital do reino com a vinda da Corte Portuguesa para o Brasil. Esses aspectos acabaram repercutindo de forma extremamente negativa para a saúde geral da população, inclusive para a saúde mental. Isso contribuiu para o aumento do número de alienados confinados nas prisões e fez crescer a quantidade de casos recolhidos às enfermarias da Santa Casa da Misericórdia.

No entanto, algumas das residências que foram denunciadas pela Junta de Higiene, eram de propriedade de benfeitores da Santa Casa. Estes, por sua vez, começaram a propor para a cidade a necessidade de se redefinir “a questão da eficácia do hospital e das questões de densidade de pacientas e especificidade de doenças” (RAMOS; GEREMIAS, 2003, p. 9). A partir desta proposta algumas patologias, seriam acompanhadas de uma forma mais específica. Assim, se deu início a algumas mudanças. A partir de 1840, foi providenciada a remoção para outras partes do Rio de Janeiro, de “miasmas” (o cemitério e as enfermarias de doenças contagiosas) e de "caos" (as enfermarias de alienados). (idem). Inicia-se também, a reconstrução do Hospital Central, o qual originou o primeiro hospício no Brasil.

Quadro nº. 1-Primeiros hospícios públicos para alienados no Brasil

Província/Estado

Ano

Estabelecimento (município)