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3.3 TRASLADOS DOS REMANESCENTES HUMANOS PARA SÃO PAULO

4.3.1 Imperatriz Dona Maria Leopoldina

4.3.1.9 Análises dos Dados Médicos

O corpo está esqueletizado, desarticulado, mas mantém características anatômicas. Foram feitas medidas antropométricas por três observadores, os médicos John Robert Pires Davidson e Bruno Aragão e o Prof. Dr. Edson Amaro Jr. Essas medidas estão no anexo L. As análises antropométricas podem ser aplicadas em outros estudos similares.

Segundo o Prof. Dr. Sérgio Francisco (UFPE), que se baseou nos comprimentos máximos do úmero, rádio, ulna, fêmur, tíbia e fíbula a estatura aproximada da Imperatriz é entre 1,54m e 1,60m (KROGMAN, 1978).

Figura 75 -Esta imagem da tomografia foi feita visando as medidas antropométricas, usadas na busca da estatura aproximada de D.Leopoldina. Entretanto, escolhemos esta imagem, entre as outras feitas para concluir este processo, pois mostram que os dois fêmures estão íntegros, não

havendo a presença de fraturas, como afirmam algumas lendas populares.

A avaliação odontológica feita pelo odontolegista Herivelto de Deus Alves Martins. Com base na tomografia, foram sugeridas algumas doenças. Essa análise está no anexo M.

O que mais chama a atenção é a preservação da espinha nasal (nariz) da imperatriz, indicando possibilidades de traços delicados, que também levanta a hipótese do corpo ter sido

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preservado por algum tempo, mesmo sem a aplicação de procedimentos de embalsamamentos aos remanescentes humanos em 1826, como mostra o anexo V. Essa preservação pode ter sido em decorrência de o corpo ter sido hermeticamente fechado em três caixões, sendo um deles uma placa de chumbo, impossibilitando ou até anulando o processo de decomposição. Identificamos nas imagens da tomografia áreas que poderiam ser partes preservadas do pulmão e do encéfalo. O Prof. Dr. Paulo Campo Carneiro, da equipe da FMUSP, fez a coleta de amostras desse material.

Houve também uma coleta de amostra por um membro da equipe do que poderia corresponder ao encéfalo. A retirada foi feita através de uma fratura (post mortem) na região temporal direita. Durante essa coleta, aconteceu o rompimento do osso, que foi restaurado com o uso de PVA, mesmo método usado pela equipe do MAE que fez os trabalhos no Mosteiro da Luz, sob orientação do Prof. Dr. Sérgio Francisco S. Monteiro da Silva.

Figura 76 - Imagem da restauração da fratura pós mortem na região temporal direita. Observamos também ornamentos metálicos do toucado, assim como parte dele sobre o crânio. Notamos também pequenas colorações

verdes, ainda preservados do toucado. Além da preservação da espinha nasal. Foto Valter D. Muniz

O material coletado foi entregue ao médico Wellyngton Sam Geraldi, que se comprometeu a encaminhá-lo ao Departamento de Patologia da FMUSP. Porém, segundo relatório do Dr. Wellyngton de 8 de julho de 2012, as amostras tanto do suposto fragmento de pulmão como do de encéfalo não apresentaram material orgânico. Por esse motivo, foram descartadas pelo Departamento de Patologia.

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Foram retiradas outras amostras pela equipe da FMUSP: da região pélvica esquerda e da ulna esquerda, além de um osso do carpo (escafoide) visando a outros tipos de análises, que serão realizadas pelo Departamento de Patologia no futuro.

O traslado pelas ruas do Rio de Janeiro do Convento da Ajuda até o Convento Santo Antônio, feito em carruagem em 1911, pode ter comprometido a preservação. Da mesma maneira que a abertura abrupta realizada em 1954, quando houve o traslado para São Paulo, pode ter ocasionado um processo tafonômico entre a atmosfera do interior das urnas, uma vez que estavam lacradas desde 1826, e a atmosfera de 1954. Lembramos que em 1954 já se sabia dos efeitos dessas contaminações na Arqueologia, entretanto, não havia um método que pudesse ser usado para constatar esse processo tafonômico, por exemplo, a cromatografia gasosa que usamos neste trabalho. E a abertura da urna da imperatriz era necessária para cumprir os procedimentos burocráticos do traslado. Porém são apenas hipóteses, uma vez que não conseguimos respostas positivas com relação à presença de material orgânico nas análises das amostras coletadas, conforme narramos acima.

Não encontramos nenhuma fratura ante mortem ou post morte, como podemos observar nos fêmures direito e esquerdo, assim como no relatório feito pelo Prof. Edson Amaro Jr. do Departamento de Radiologia da FMUSP. Escolhemos, em particular, a análise dos fêmures da imperatriz porque há uma “lenda urbana” afirmando que a causa de sua morte teria sido complicações após uma fratura de fêmur sofrida em uma queda das escadarias da Quinta da Boa Vista durante uma discussão que terminou em agressões praticadas pelo imperador D. Pedro I. Há também anexado a este trabalho relatórios de nobres ao imperador informando que D. Leopoldina presidiu reuniões do Conselho de Estado. O mesmo documento fala em abatimento, mas não em fraturas ou ferimentos.

A morte da imperatriz D. Leopoldina é alvo de especulações desde 11 de dezembro de 1826, ou seja, desde quando ocorreu. Há bibliografias que mencionam que um “pontapé” dado por D. Pedro na barriga da esposa grávida poderia ser a causa do aborto e consequentemente da morte. Este dado está inclusive na publicação de Isabel Lustosa (2006) que está na bibliografia deste trabalho.

Porém encontramos um artigo publicado em 1973, de autoria do médico Odorino Breda Filho, publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, no qual o autor lança algumas hipóteses e descarta outras sobre a morte de D. Leopoldina com base nos boletins médicos publicados durante a enfermidade da imperatriz. Além dos demais documentos que estão em arquivos no Brasil e na Europa, essas informações parecem não

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interessar aos autores que estudam e escrevem sobre esse assunto nestes 186 anos. Pensando nisso, apresentamos esse artigo e alguns boletins médicos que eram enviados a D. Pedro, todos anexados a este trabalho, ao Prof. Dr Luiz Roberto Fontes, médico legista, ginecologista e obstetra, além de biólogo e também membro de nossa equipe, para que analisasse os diagnósticos apresentados nesses documentos baseado nesta análise. Ele fez as seguintes considerações pertinentes.

Segundo o Prof. Fontes, o médico Breda fala em seu artigo sobre 14 evacuações biliosas, abundantes, com mau cheiro e farrapos, que pode significar um sangramento do intestino delgado.

O boletim do dia 30/11/1826 informa:

Desde o dia dezenove de novembro apareceram por vezes dores de cadeiras, e algumas evacuações mucosa-saguinea pela via anterior [...] não haverem sinais de contração do útero evacuação tem se repetido moderadamente com intervalo de um até dois dias; e até o presente bem que todo não tenha cessado, não aparece ainda sinal de perda (BREDA,1973, p. 51).

O quadro clínico apresentado até então seria de ameaça de aborto. Deve-se fazer um comentário em relação ao procedimento de exploração (toques vaginais) feito à imperatriz pelo Conselheiro Cirurgião-Mor do Império. A questão da higiene em obstetrícia só foi estabelecida em 1848 pelo Dr. Ignaz Semmelweis, que, mesmo assim, teve que enfrentar muitas pressões dos colegas até que estes se convencessem da importância de simplesmente lavar as mãos antes de executar algum procedimento médico. Esse relato é importante não porque a possível ausência de higiene do médico do Império ao realizar algum procedimento possa ter causado o aborto da imperatriz, porque quando este aconteceu o quadro clínico já era grave, mas porque pode ter lhe causado alguma outra infecção uterina ou puerperal. A hipótese de septicemia puerperal foi também sugerida no livro da princesa Michael de KENT (2011), que está na bibliografia deste trabalho.

Em 2 de dezembro de 1826, houve o progresso do estado clínico para abortamento inevitável (colo uterino aberto), com mais sangramento, cólicas e saída de material ovular pela vagina, acompanhado, segundo o relatório em anexo a este trabalho enviado a D. Pedro, de febre e convulsões.

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O boletim médico de 2 de dezembro de 1826 descreveu o aborto: “o feto [...] pareceu [...] que a cessação de sua vida era mui recente” (BREDA, 1973, p. 50), ou seja, óbito fetal recente ocorrido no processo de abortamento. Portanto, não ocorreu morte do concepto levando a abortamento, mas abortamento que acarretou a morte do concepto. Nesse caso, tanto o médico Dr. Luiz Roberto Fontes quanto o autor do artigo, Dr. Odorino BREDA FILHO (1973), concordam que o aborto não foi em consequência de um trauma sofrido por D. Leopoldina. Para que haja um abortamento causado por um trauma, é necessário que a força aplicada seja muito violenta, como nos dias atuais, por exemplo, um acidente de trânsito, no qual a vítima não só abortaria como sofreria hemorragia, entrando em óbito em questão de horas.

Lembramos que, segundo autores como Carlos OBERACKER (1973), D. Pedro partiu do Rio de Janeiro rumo à Cisplatina (Uruguai) em 23 de novembro de 1826, ou seja, 9 dias antes do aborto sofrido pela imperatriz (2/12/1826) e 18 dias antes de sua morte (11/12/1826).

Não se pode afirmar que o imperador nunca usou de violência contra a esposa, porém essa violência pode não ter sido o fator determinante que tenha causado a morte de D. Leopoldina.

No relatório de 6 de dezembro de 1826, enviado a D. Pedro, que está anexado a este trabalho (anexo C), notamos que foram aplicadas compressas à base de cânfora e éter na região da nuca da imperatriz. Nesse caso, era comum que os cabelos fossem cortados. Não encontramos evidência de cabelo, seja na decapagem, seja na tomografia. É possível também que os cabelos da imperatriz tenham sido afetados pela ação dos materiais usados na tentativa de preservação do corpo, ou seja, álcool e a própria cal, ou algum outro processo tafonômico.

O boletim de 9 de dezembro de 1826 afirma: “Os lóquios, que tinham parado no terceiro dia depois do parto deram início ontem [8/12/1826] de aparecer hoje [...] houve demonstração disso porque com efeito se vão manifestando” (BREDA, 1973, p. 50). Aparentemente, após três dias ocorreu recidiva do sangramento vaginal que havia cessado em 5/12/1826, entretanto, o boletim não relata sobre odor ou outra alteração, apenas sangramento, o que já mostra um indício da gravidade de uma possível coagulação intravascular disseminada, que é um distúrbio gravíssimo da coagulação sanguínea, compatível com o quadro clínico em estágio terminal de vida. O óbito da imperatriz ocorreu em 11/12/1826.

O Dr. Odorino BREDA Filho (1973) afirma que o diagnóstico mais provável seria infecção intestinal por Salmonella, que pode ser autolimitada para a maioria dos pacientes, mas, no caso de gestantes, torna-se um fator de risco evidentemente maior.

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Por outro lado, não há menção a febre tifoide em nenhum dos documentos pesquisados da época, inclusive nos relatórios enviados ao imperador, e esta era uma doença muito conhecida pelos médicos do século XIX. Só encontramos menção à doença em DEBRET (1972), porém ele era pintor. Ou seja, há ainda muita controvérsia sobre a causa mortis de D. Leopoldina.

4.3.1.10 Encerramento dos Trabalhos nos Remanescentes Humanos da Imperatriz Dona

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