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Análises dos SNPs implicados nas perdas de start-codon

3.3.1. Inferência filogenética

4.2.3.4. Análises dos SNPs implicados nas perdas de start-codon

O start-codon é o primeiro códon de um RNA mensageiro (mRNA), atua como

sítio de início da tradução da ORF e nos eucariotos está dada pela trinca de bases

nitrogenadas ATG, que codifica a uma metionina. A perda do códon de início por uma

mutação pontual (SNP), implica que a tradução da ORF será iniciada no próximo ATG,

sendo as modificações ocasionadas relativas a cada sequência específica.

Dependendo da posição do próximo códon que possa funcionar como início de

transcrição, o mRNA transcrito perderá a sequência anterior. Se estas perdas afetarem

sítios ativos em enzimas ou motivos estruturais chaves para o funcionamento proteico

ou dos RNA não-codantes, pode haver mudança de função e perda da mesma.

Nossas análises detectaram 5 SNPs comuns entre as cepas industriais, sendo 2

deles particularmente interessantes. O primeiro é no gene SSK22 (YCR073C), que

codifica uma MAP kinase-kinase-kinase envolvida na cascata MAP. As proteínas

kinases ativadas por mitógenos (MAPK, do inglês, Mitogen-Activated Protein Kinase)

estão envolvidas diretamente na resposta de estímulos celulares, tais como estresse,

choque osmótico e de temperaturas, atuando na regulação de processos tais como

proliferação, expressão gênica, sobrevivência e apoptose (PEARSON et al., 2001). A

kinase SSK22 tem sido descrita como um componente fundamental durante a

exposição a estresse osmótico, já que tem como papel principal a ativação da PBS2

(MAPKK) que ativa subsequentemente a HOG1 (MAPK). A via HOG (do inglês, High

Osmolarity Glycerol response), é a via mais importante já descrita de resposta a

estresse hiperosmótico em leveduras, e a ativação de HOG1 regula a expressão de

mais de 600 genes para restabelecer o equilíbrio osmótico (HOHMANN; MAGER,

2002). Uma mudança no sítio de início de transcrição poderia acarretar grandes

modificações na regulação desta via, já que é nesta região onde SSK22 tem o sítio de

ancoragem a PBS2 ao lado do domínio kinase (TATEBAYASHI; TAKEKAWA; SAITO,

2003), porém, na sequência de aminoácidos, esta proteína apresenta uma metionina

muito perto do start inicial, que poderia servir para início da transcrição, sem afetar a

funcionalidade da mesma.

O segundo gene que apresentou perda de start-codon comum nas industriais foi

MIC60 (YKR016W), que codifica a uma proteína de membrana mitocondrial interna.

Esta proteína é parte central de complexo conhecido como MICOS, encarregado de

interagir com os complexos respiratórios (proteínas encarregadas das cadeias

transportadoras de elétrons para produção de ATP) e os lipídeos de manter para

estabelecer a arquitetura da membrana mitocondrial interna (FRIEDMAN et al., 2015).

As mitocôndrias apresentam uma dupla membrana, sendo a interna uma membrana

com várias subdivisões estruturais e funcionais, fundamentais para o correto

funcionamento mitocondrial. Mais importante ainda, MIC60 é o componente upstream

do complexo, que regularia ativamente as outras subunidades do MICOS (FRIEDMAN

et al., 2015). Friedman e colaboradores (2015) quantificaram os fenótipos aberrantes

nas mitocôndrias devido a deleções nos diferentes componentes do complexo MICOS,

sendo a de maior comprometimento mitocondrial no MIC60. Porém, na sequência de

aminoácidos, esta proteína apresenta uma metionina muito perto do start inicial, que

poderia servir para início da transcrição, sem afetar a funcionalidade da mesma, o que

é condizente com a ausência de fenótipos aberrantes nas cepas brasileiras.

Entre as cepas brasileiras não foi encontrada perda de start-codon comum a

todas elas em genes que codifique algum produto funcional. As cepas PE-2 e SA-1,

apresentaram uma perda cada uma, porém pertencentes a ORFs que não codificam

proteínas funcionais, de acordo com a predição do SGD. A BG-1 apresentou 5 genes

com perda de start-codon, sendo 4 deles em pseudogenes e o TNA1 (YGR260W), que

codifica uma permease encarregada da captação de ácido nicotínico. O ácido

nicotínico ou niacina, é uma vitamina hidrossolúvel precursora do NAD+/NADH e

NADP+/NADPH, sendo esta molécula chave para grande parte das reações redox que

acontecem dentro da célula, além de estarem envolvidas no reparo do DNA (LI; BAO,

2007). Breslow e colaboradores (2008) avaliaram em testes em larga escala que os

mutantes nulos de TNA1, apresentam fitness competitivo reduzido (avaliado por

comparação de crescimento), o que sugeriria que talvez essa perda de start-codon não

tenha um efeito considerável no fenótipo, já que a próxima metionina que servirá como

novo start-codon, está a 6 posições na frente, e a perda de aminácidos é muito

pequena e não afeta nenhum sítio ativo.

Finalmente, na cepa VR-1 foram encontrados 2 genes com perda de start-

codon, sendo elas em genes que não codificam produtos funcionais, e o MET28

(YIR017C), um fator de transcrição envolvido no metabolismo de enxofre. O enxofre é

parte do metabolismo central para o funcionamento normal das leveduras. Está

envolvido em várias funções celulares, algumas como a síntese de alguns aminoácidos

como metionina e cisteína, assim como a síntese de thioles, compostos chave para o

balanço redox da célula e a homeostase de ferro (KOK et al., 2015). Outros autores

destacam a importância da assimilação do enxofre devido as vias que são controladas

por este elemento, uma delas é a via catabólica da degradação da alantoína (PETTI et

al., 2012), que como já descrito no item 4.2.3.2, poderia contribuir como fonte de

nitrogênio. Desta forma, o enxofre não só participa na formação das proteínas como

cisteína e metionina, assim como para os complexos proteicos de Fe/S (ferro e

enxofre), também tem um papel fundamental no aproveitamento das escassas fontes

de nitrogênio na dorna de fermentação, nutriente fundamental para a síntese proteica.

Foi provado inclusive, que sob limitação de enxofre, o perfil proteico da levedura muda

drasticamente, perto de um 30%, obrigando a célula a ‘reformular’ o conteúdo proteico

para manter a funcionalidade (FAUCHON et al., 2002). Desta forma, se a mudança

acontecida no MET28 é importante é possível que os níveis de aproveitamento de

nitrogênio e outros elementos se vejam alterados, assim como também o perfil de

expressão proteico, devido a que a próxima metionina que servirá como novo start-

codon, está a 25 posições na frente, sendo uma perda de aminácidos consideráveis.

As análises de SNPs mostraram que as cepas industriais possuem muitas

alterações em comum, independente da origem geográfica. Estas variações convergem

em grandes grupos de genes relacionados ao estresse celular, tais como regulação da

síntese de parede e membrana, regulação de assimilação de nutrientes, controles de

qualidade do DNA, vias de sinalização em resposta a estresse, transporte de íons e

genes de exportação de susbtâncias tóxicas. Este elevado número de polimorfismos

compartilhados poderia justificar as adaptações das cepas industriais, e sugere que a

base genética para que isso aconteça já se encontrava presente na cepa ancestral, ou,

menos provavelmente, que houve uma evolução convergente sobre características

proveitosas para a sobrevivência frente as condições adversas que acontecem na

dorna. Podemos destacar que isso ocorre dada uma ação antropogênica na seleção de

cepas com caraterísticas desejáveis, e por causas naturais, como a competição intra e

interespecífica dentro das dornas.

4.2.4. Análise de Variação de Número de Cópias

Quando um gene é duplicado, ele e sua nova cópia são chamados de parálogos,

genes com uma origem evolutiva comum, dentro da mesma linhagem

(SONNHAMMER; KOONIN, 2002). A duplicação gênica pode ter vários caminhos

evolutivos diferentes: a manutenção de ambas cópias com função idêntica, a divisão de

tarefas entre as cópias ou a diversificação de função, sendo este último um recurso

importante de inovação para a célula (WAPINSKI et al., 2007).

Em organismos eucariotos, muitos genes apresentam uma relação

estequiométrica de quantidade de cópias de um gene, expressão e fenótipo

(BIRCHLER et al., 2001). Quando a duplicação dos genes é recente, e ainda não há

divergência entre eles, uma maior quantidade de cópias, supõe, em muitos casos, um

aumento no efeito ou funcionalidade daquele gene. É conhecido que S. cerevisiae

conta com várias estratégias de duplicação gênica sob diferentes tipos de estresse

(ADAMS et al., 1992; DUNN et al., 2012), fazendo deste um recurso importante para

aumentar o impacto da expressão de um dado gene. Por essa razão, foi feita uma

análise de variação de número de cópias (CNV, do inglês, Copy Number Variartion),

para verificar se isso ocorreu em genes relacionados a tolerância a estresse.

Entre as cepas brasileiras foi verificado que o gene PDR18 (YNR070W) possui

duas cópias a mais que a referência (S288C), e que está ausente nas cepas CEN.PK e

Ethanol Red. Este gene codifica um transportador da família ATP-bindinding cassette

(ABC), que participa do controle da composição de esteróis na membrana plasmática,

a qual acredita-se ser pela via não vesicular do retículo endoplasmático (CABRITO et

al., 2011). Já tem sido amplamente descrito que uma maior quantidade de esteróis na

membrana aumenta significativamente a tolerância a etanol (YOSHIKAWA et al., 2009;

ZHANG et al., 2016). Testes em membranas artificias mostram que o aumento de

ergosterol afeta significativamente a estabilidade da membrana devido a uma

diminuição da fluidez (TIERNEY; BLOCK; LONGO, 2005). Inclusive, já foi testada a

super-expressão deste transportador, que quando o promotor nativo foi substituído por

um mais forte (PDR5), as cepas testadas produziram 6% a mais de etanol e a

tolerância aumentou em 17% em relação às cepas parentais (TEIXEIRA et al., 2012).

Assim, o aumento do número de cópias do gene PDR18 pode fornecer vantagens

adaptativas para as leveduras submetidas a estresse alcoólico durante a fermentação,

aumentando desta forma sua tolerância ao etanol.

É interessante destacar que nas análises de CNV conseguimos constatar um

aumento de número de cópias em diferentes genes da família PAU nas cepas Ethanol

Red e CEN.PK. Estas proteínas são de função desconhecida, porém, tem sido

relacionadas ao aumento de tolerância de etanol (RACHIDI et al., 2000; LUO; VAN

VUUREN, 2009). É destacável também que o gene PDR18 segundo nossas análises

não se encontra nestas cepas, o que sugeriria que os grupos desenvolveram

estratégias diferentes visando resolver um mesmo problema: as altas concentrações de

etanol.

Na cepa PE-2 foram encontrados dois genes com CNV aumentado não

reportados previamente: o SMF2 (YHR050W) e o CUP1-1 (YHR053C), ambos com oito

cópias a mais que a cepa de referência S288C. O gene SMF2 codifica para um

transportador de íons divalentes, pertencente à família Nramp, envolvido na

homeostase de manganês. As leveduras precisam assimilar manganês para a síntese

da enzima superoxido dismutase (SOD) sintetizada exclusivamente na mitocôndria,

que tem um papel importante no estresse oxidativo (LONGO; GRALLA; VALENTINE,

1996). A produção de etanol encontra-se diretamente ligada a geração de ROS durante

a fermentação, e o aumento da SOD indiretamente é fundamental para a tolerância ao

etanol (LUK; CULOTTA, 2001). O CUP1-1 codifica a uma metalotioneína, fundamental

para a tolerância a altas concentrações de cobre e cádmio (COSTA et al., 1997). Esta

proteína tem atividade de SOD, e também é ativada por choque térmico por calor e

starvation de glucose, induzindo ao crescimento das células em fontes de carbono não

fermentáveis como glicerol e etanol (COSTA et al., 1993). Possivelmente estes genes

foram duplicados na cepa PE-2 e foram mantidos devido as vantagens adaptativas que

eles conferem. Ambas proteínas codificadas pelos respectivos genes atuam

protegendo as células do estresse oxidativo, somado ao efeito do CUP1-1 contra a

destoxificação do cobre e cadmio, e estimulando às células a crescer em fontes de

carbono alternativas, característica que contribui ao destacável desempenho da cepa

PE-2 durante a fermentação alcoólica.

Foi verificado na cepa CAT-1 que o gene YNL134C tem um número de cópias 4

vezes superior à referência. Este gene codifica a uma enzima aldeído redutase NADH-

dependente, envolvido na detoxificação de furfural (ZHAO et al., 2015), composto

gerado no pré-tratamento da biomassa lignocelulósica para a produção de etanol 2G.

Ela pertence à família das MDR (do inglês, Medium Chain dehydrogenase/ reductase,

desidrogenase/redutase de cadeia média), um amplo grupo de enzimas encarregadas

de destoxificação contra álcool e outros compostos, ajudando a combater, dependendo

do caso, estresse oxidativo, estresse hiperosmótico ou choque térmico contra elevadas

temperaturas (TAMAI et al., 1994). Resultados preliminares do projeto FAPESP

2017/02124-0 desenvolvido pelo nosso grupo, mostraram durante fermentações em

licor C5 com diferentes cepas industriais brasileiras, que a cepa CAT-1 é uma das mais

tolerantes às concertações mais elevadas do licor (dados não publicados). Dado que o

licor C5 contém outros inibidores além do furfural, não podemos afirmar que o fenótipo

observado seja atribuído exclusivamente a este aumento de número de cópias, porém

esta modificação deve contribuir com o desempenho da cepa.

Durante a análise de CNV, conseguimos constatar que os telômeros das cepas

industriais são mais curtos que os da CEN.PK e da referência, S288C. Como

previamente descrito, os telômeros são estruturas com a função de manter a

integridade cromossômica e sua perda ou encurtamento estão associadas a

senescência celular (KUPIEC, 2014). Zhao e colaboradores (2015) testaram vários

estresses diferentes sobre as leveduras, e concluíram que o estresse por etanol e

ácido acético produz um alongamento dos telômeros, enquanto o estresse por

elevadas temperaturas, produz um encurtamento dos mesmos (ROMANO et al., 2013).

Tanto o estresse por etanol como por ácido acético ativam grupos de genes de

estresse de vias específicas, ao contrário do choque térmico (ROMANO et al., 2013).

Como já menionadao, o processo de produção de etanol é exotérmico, submetendo as

células a altas temperaturas (BASSO et al., 2011). Durante a exposição ao calor, todas

as vias celulares são potencialmente ameaçadas, já que todas as proteínas correm o

mesmo risco de serem desnaturadas, e consequentemente de perderem sua função

(HOHMAN; MAGNER, 2003). Devido à intensidade do estresse causado pela

temperatura, ele pode ser o responsável por pela redução da região telomérica.

Os dados sugerem que duplicação gênica é um fator importante na evolução

genômica, porque permite posterior divergência e especialização dos parálogos. As

duplicações encontradas em grupos específicos de genes envolvidos em resposta/

tolerância a estresse aponta que este processo tem um papel importante na adaptação

da cepa às perturbações provocadas pelo ambiente industrial. Similar a análise de

expansão de famílias, os CNV com relevância fisiológica devem ser avaliados

individualmente, pois um aumento no número de cópias e uma subsequente

divergência entre os parálogos, sugeriria não uma vantagem do gene dosagem-

dependente, mas sim a aquisição de uma nova função nesta mesma rota metabólica,

ou em rotas alternativas.

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