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ANAGRAMAS REFERENTES ÀS ÁGUAS

No documento isabelaferreiralima (páginas 90-102)

4 PROPOSTA DE ANÁLISE DE ANAGRAMAS DE ELEMENTOS

4.2 ANÁLISE DOS ANAGRAMAS

4.2.4 ANAGRAMAS REFERENTES ÀS ÁGUAS

Da mesma forma que fizemos uma análise do conteúdo separando o rio das demais manifestações da água (oceano, praia e mar), aqui também fizemos essa diferenciação. Por isso dividimos em duas partes distintas as investigações dos anagramas encontrados, possibilitando uma especificidade ainda maior da leitura aqui proposta.

4.2.4.1 O mar, a praia e o oceano

Partindo do mesmo princípio apresentado na análise anterior, a relação entre a paisagem litorânea e marítima são indicadores da relação da Martinica com a América. Dessa maneira, o nome do continente aparece como elemento que se associa não só à paisagem descrita no romance, mas também à simbologia que ele representa. O mar faz referência à praia, lugar de encontro com o outro, simbolizando a abertura a novos horizontes e a liberdade do povo martinicano. Como demonstrado por Boyer em: “A praia está aberta ao mundo, aberta paradoxalmente ao infinito dos sonhos e das ilusões, é o ‘país sonhado’. [Esta paisagem] põe a Martinica em relação com [...] a América”177 (BOYER, 2009, p. 18).

Assim, o mar e o oceano representam o ponto de contato com as outras ilhas do arquipélago caribenho e com o continente, reforçando a relação entre esta paisagem e a América.

177 “La playa está aberta al mundo, aberta paradójicamente al infinito de los sueños y de las ilusiones,

es el ‘país soñado’. [Este paisaje] pone a Martinica em relación con [...] América” (BOYER, 2009, p. 18).

84 • “Valérie courait, elle était le flot de la terre, elle baignait la terre. La mer des Caraïbes ! La mer des Caraïbes... Tu ne trouves pas que c’est trop long ? Il faudrait un nom plus saisissant...”178 (GLISSANT, 1958, p.

207).

Para formar a palavra-tema Amérique (América), recorremos ao som AMER [ameʁ] formado na junção das palavras la mer, apesar de em mer o som da vogal ser aberto [ɛ], esse som é corrigido na palavra Valérie de onde tiramos o som ÉRI [eʁi] e ao som QUE [k] mostrado em pas que, embora essa consoante seja seguida pela vogal [ə]. Na citação acima, o autor faz referência ao Mar do Caribe, mar este que conecta as ilhas caribenhas entre si, indicando a relação com o continente americano, como demonstrado pelo anagrama.

• “Ne fais pas la plaisanterie. La mer est forte. Oui, murmure Mathieu, ils l’ont jeté à la mer, parce qu’il défendait son pays. La mer n’a pas oublié le crime. Ils l’ont lié sur une tôle, et ils l’ont jeté. Mais l’eau a rendu le corps, pour que nous sachions...”179 (GLISSANT, 1958, p. 139).

Para formar o hipograma Amérique (América), recorremos ao som AMER [ameʁ] formado na junção das palavras la mer, novamente apresentando a vogal aberta [ɛ] no lugar da vogal fechada [e]; ao som ÉRI [eʁi] nas palavras oublié le crime, mesmo esse som sendo separado pela sílaba [lə] e ao som QUE [k] mostrado em pour que. Como propusemos no capítulo anterior, o mar tem uma ligação muito forte com a América, uma vez que ele representa a abertura às ilhas e ao próprio continente. Logo, na citação acima, temos essa ligação demonstrada através do anagrama.

• “Mais nous lui ferons des digues, des canaux (nous apprendrons les techniques)! Et un jour la Lézarde sera claire devant la mer. Comme

178 “Valérie corria, era as ondas da terra, ela banhava a terra. O mar do Caribe! O mar do Caribe...

Você não acha que é muito extenso? Seria preciso um nome mais surpreendente...” (GLISSANT, 1958, p. 207).

179 “Não faça brincadeiras. O mar é forte. Sim, murmura Mathieu, eles o jogaram no mar, porque ele

defendia seu país. O mar não esqueceu o crime. Eles o amarraram a uma chapa de metal, e jogaram-no. Mas a água devolveu o corpo, para que soubéssemos...” (GLISSANT, 1958, p. 139).

85 un peuple assuré vient au-devant des autres peuples...”180 (GLISSANT,

1958, p. 83).

Para formar o hipograma Amérique (América), recorremos ao som AMER [ameʁ] formado na junção das palavras la mer, mais uma vez apresentando a vogal aberta e ao som ER [eʁ] nas palavras ferons e sera mesmo apresentando o som da vogal [e] ligeiramente diferente [ə], o som [e] é retomado e reforçado na palavra assuré, onde inverte-se a posição do E e do R. Para completar a palavra Amérique recorremos ao som IQUE [ik] mostrado em techniques. Na citação acima, temos mais uma vez a ligação entre o mar e a América reforçada pelo próprio contexto apresentado, já que a última frase do excerto indica a aproximação da população martinicana com os povos das outras ilhas caribenhas e com o continente. Assim, é através do mar do Caribe que os martinicanos vão conhecer outras realidades populacionais, como demonstrado pelo anagrama.

• “Parfois je rêve, je vois des îles, toutes ces îles autour de nous, je me dis : on ne peut pas, toutes ces îles pareilles, dans les mêmes deux mers. Il faudrait les réunir”181 (GLISSANT, 1958, p. 196).

Para formar a palavra-tema Océans (oceano), recorremos ao som O [ɔ] formado na palavra autour, apesar de no hipograma o som [ɔ] corresponder ao som fechado [o] da palavra autour, ao som CÉ [se] na expressão ces îles, ao som AN [ɑ̃] mostrado na preposição dans. Na citação acima, o oceano é o elemento que conecta as ilhas, umas às outras, e, portanto, anagramatizar essa palavra reforça a ligação entre as ilhas.

• “Elles avaient alors décidé d’aller ensemble sur la plage [...] Ce désir, chez Mycéa et Margarita et Valérie, de se connaître, de mieux approfondir les raisons de leurs soudaine alliance ; cet appel l’une vers

180 “Mas nós faremos no rio barragens, canais (nós aprenderemos as técnicas)! E um dia o Lézarde

estará despido diante do mar. Como um povo confiante vai ao encontro dos outros povos..." (GLISSANT, 1958, p. 83).

181 “Às vezes eu sonho, vejo ilhas, todas essas ilhas ao nosso redor, eu digo a mim: não se pode,

todas essas ilhas semelhantes, nos mesmos dois mares. Seria preciso reuni-las” (GLISSANT, 1958, p. 196).

86 l’autre, en vertu même des difficultés de l’alliance”182 (GLISSANT,

1958, p. 199).

Para formar o hipograma Océans (oceano), recorremos ao som O [ɔ] formado na palavra connaître, nessa palavra ainda temos a aproximação do O com o C, ao som CÉ [se] na palavra Mycéa, ao som AN [ɑ̃] mostrado na palavra alliance. Como apresentado nas análises no capítulo anterior, a aliança estabelecida entre as personagens femininas no romance, sobretudo aquela apontada nessa citação, faz alusão à aproximação entre as ilhas caribenhas desejada por Glissant, sendo importante demarcar através do anagrama esse vínculo. Ainda para reforçar esse sentido, temos nos nomes das personagens Mycéa, Margarita (seu nome verdadeiro é Marguerite) e Valérie um eco das palavras Martinique (em Marguerite) e Amérique (na junção de Mycéa e Valérie), mesmo que de forma incompleta, fazendo alusão à ilha martinicana sendo abraçada e acolhida pelo continente americano.

• “Le longs des sables, les cocotiers brûlés par le soleil – quand on connaît la force terrible de leurs racines, quand on a su leur fraternité sèche – nul ne peut plus les confondre avec l’image exotique qu’on en donne : leur office est plus sauvage, et leur présence plus pesante”183

(GLISSANT, 1958, p. 43).

Para formar a palavra-tema Plage (praia), recorremos ao som PL [pl] formado na palavra plus, ao som AGE [aʒ] nas palavras sauvage e image. No excerto acima, vemos a menção ao tipo de vegetação comumente encontrado na beirada da praia: os coqueiros e a presença da areia. Assim, esse trecho faz alusão à praia, como demonstrado pelo anagrama.

182 “Elas decidiram então irem juntas à praia [...] Esse desejo, em Mycéa e Margarita e Valérie, de se

conhecerem, de tornar mais profundas as razões de sua súbita aliança; esse chamado de uma em direção à outra, em virtude das próprias dificuldades da aliança” (GLISSANT, 1958, p. 199).

183 “Ao longo da areia, os coqueiros queimados de sol – ao conhecermos a força terrível de suas

raízes, ao tomarmos ciência de sua fraternidade seca – nada mais pode confundi-los com a imagem exótica que lhes é conferida: seu ofício é mais selvagem, sua presença mais pesada” (GLISSANT, 1958, p. 43).

87 • “Il [Thaël] ne sait pas que la mer a vaincu Garin. Il nage dans l’air, dans le plomb brûlant, dans le désespoir et la haine, et la pitié et les

larmes”184 (GLISSANT, 1958, p. 147).

Para formar o hipograma Plage (praia), recorremos ao som PL [pl] formado na palavra plomb, ao som LA [la] na palavra larmes e ao som AGE [aʒ] mostrado na palavra nage. Na citação acima, encontramos novamente palavras do campo semântico da praia, dentre elas: o mar e nadar, sendo que essa relação é reforçada pela presença do anagrama.

4.2.4.2 O rio

O romance recebeu o nome do rio Lézarde por ele ser o personagem principal da história, porque é a partir dele que conseguimos conhecer a realidade martinicana. Boudraa explica, então, a importância do rio para a narrativa: “[o Lézarde] serve de ligação entre a montanha e a planície, entre o passado, o presente e o futuro, e sobretudo abre a ilha ao oceano e, por conseguinte, a história da Martinica à História do Mundo”185 (BOUDRAA, 2002, p. 62). Nesse sentido, o rio

é simbólico, não só por ser o elemento que conecta o povo martinicano à paisagem do país, mas também o componente que simboliza a luta pela libertação da Martinica e a sua relação com o mundo.

Além de ser personificado, as características atribuídas ao rio são, frequentemente, vinculadas ao feminino, como apontado por Carneiro: “as vezes o rio é descrito como um ser vivo e explicitamente associado à imagem da mulher”186

(CARNEIRO, 1992, p. 413). Dessa maneira, como explicado no capítulo anterior, o autor utiliza o substantivo feminino rivière em detrimento do uso do nome masculino fleuve por dois motivos principalmente: para reforçar a relação entre o rio e a mulher e, também, por se tratar de um pequeno rio. A palavra fleuve, no entanto, aparece em poucos momentos do romance (e em poucos anagramas) assinalando sobretudo o encontro do rio com o mar, uma vez que esta palavra indica um rio que

184 “Ele [Thaël] não sabe que o mar venceu Garin. Ele nada no ar, no chumbo queimando, no

desespero e no ódio, na piedade e nas lágrimas” (GLISSANT, 1958, p. 147).

185 “[La Lézarde] sert de lien entre la montagne et la plaine, entre le passé, le présent et le fututr, et surtout ouvre l’île à l’océan, et par conséquent l’histoire de la Martinique à l’Histoire du Monde” (BOUDRAA, 2002, p.62).

186 Nossa tradução de: “parfois la rivière est décrite comme un être vivant et explicitement associée à

88 necessariamente deságua no mar e para indicar uma importância simbólica do Lézarde.

Por fim, é importante ressaltar a relação entre água e sagrado apresentada no capítulo precedente, uma vez que a água do rio Lézarde ajuda a purificar os personagens de seus erros passados, principalmente em se tratando do tirano Garin. Assim, os anagramas também irão reforçar essa conexão do rio com o sagrado.

• “Nœud des chemins, parcourant le pays, liant le passé a l’avenir, et l’homme à la femme qu’il a nommée dans son cœur, et la rivière à la mer ! Chemins obscurs, fragiles, dont l’usage sera bientôt perdu, dont l’existence aura tari à ce point qu’on ne soupçonnera pas qu’ils aient pu être”187 (GLISSANT, 1958, p. 106).

Para formar o hipograma Lézarde, recorremos ao som LE [le] mostrado no artigo le, ao som ZA na palavra usage, ao som AR formado na palavra parcourant e no som DE [də] mostrado na preposição des. É importante destacar que, as vogais representadas pela letra E, têm seus sons invertidos, uma vez que a transcrição fonética da palavra Lézarde é [lezaʁdə], e no artigo le aparece a vogal [ə] e na preposição articulada des temos a vogal [e]. Além disso, há a repetição das vogais mais marcadas do vocábulo Lézarde [e-a] nas seguintes palavras e expressões: le passé, sera e soupçonnera. O rio Lézarde é de extrema importância para o romance homônimo e uma de suas funções é conectar as paisagens percorridas por ele (o morro, a floresta, a planície, a plantação, a cidade, a praia e o mar). Na citação acima, vemos exatamente o rio, que aparece de forma anagramatizada, conectando os caminhos e as paisagens.

• “Lorsque paraît le premier soleil, la Lézarde surprise en son détour semble là s’assoupir, guetter l’astre, jouer à la dame, prudente ; puis soudain elle bondit, c’est comme un peuple qui se lève, elle débouche d’angle en angle et elle rattrape bientôt les écumes qu’elle a laissées

187 “Um nó de caminhos, percorrendo o país, ligando o passado ao futuro, e o homem à mulher que

ele nomeou em seu coração, e o rio ao mar! Caminhos obscuros, frágeis, cujo uso será logo perdido, cuja existência terá estancado a tal ponto que não se suspeitará que possam ter sido” (GLISSANT, 1958, p. 106).

89 sur ses rives, avaricieuse, occupée de toutes ses richesses, comme un usinier qui guette au fond de ses chaudières, elle ne laisse ni la lie jaune ni l’éclair bleu, et la voilà dans le grand matin, joyeuse et libertine, elle se déshabille et se réchauffe, c’est une fille nue et qui ne se soucie des passants sur la rive, elle baigne dans sa promptitude (éternelle, et l’eau passe sur l’eau), et bientôt, comme femme mûrie dans le plaisir et la satiété, la Lézarde croupe élargie, ventre feu sur les froides profondeurs de son lit, comblée, s’attarde et se repaît dans le cri de midi”188 (GLISSANT, 1958, p. 30, 31).

Apesar de ser uma frase longa, além de nos apresentar um manequim quase perfeito com o nome do rio, ainda nos apresenta um anagrama dessa palavra. Assim, o manequim pode ser percebido pela letra L que inicia a frase e pelo som DI (suficientemente próximo do DE final de Lézarde, mas também precedido pelo DE em questão: de midi), terminando assim nosso manequim. Ademais, no meio dessa frase ainda nos é apresentado um anagrama da mesma palavra, em que o som LE [le] se repete inúmeras vezes, como, por exemplo, em l’éclair, laisser, plaisir e comblée, entre outros. A palavra se completa com o som ÉZA [eza] presente na palavra déshabille e com o som AR [aʁ] em élargie e atarde e termina com o som DE [də] notável nos trechos de ses chaudières, de son lit e de midi. Na citação acima, temos a descrição do rio Lézarde e, como há a antropomorfização deste rio, sua descrição é tanto física como comportamental. Nesse sentido, o anagrama da palavra Lézarde corrobora o sentido principal da citação: o próprio rio.

• “La Lézarde maintenant est lente, avec puissance. Les terres qui l’avoisinent sont gonflées du sang jaune, elles vont par vagues épaisses, grasses du limon que la rivière distille. C’est parfois une

188“Quando aparece o primeiro sol, o Lézarde, pego de surpresa em seu desvio, parece desfalecer,

espiar o astro, fazer como dama, prudente; depois, salta de súbito, como um povo que se eleva, que desemboca de esquina em esquina, e logo apanha as espumas deixadas em suas margens,

ganancioso, ocupado com todas as suas riquezas, como um usineiro que espreita o fundo de suas caldeiras, não deixa nem a lama amarela nem o lampejo azul, e ei-lo de manhã cedo, alegre e libertino, se despe e se aquece, uma moça nua que não se preocupa com os passantes da borda, se banha na prontidão (eterna, e a água passa sobre a água), e logo, como mulher que amadureceu no prazer e na saciedade, o Lézarde de quadris largos, barriga de fogo sobre as frias profundezas da sua cama, preenchida, se demora e se repasta no grito do meio-dia ” (GLISSANT, 1958, p. 30, 31).

90 incantation verte et rouge, l’ocre des glaises sied aux herbes”189

(GLISSANT, 1958, p. 118).

Para formar a palavra-tema Lézarde, recorremos ao som LE [le] formado pelo artigo que começa a segunda frase les e reforçado em gonflées, ao som ZER [zɛʁ] formado a partir da junção das palavras aux herbes, que alude ao som ZAR [zaʁ], ao som AR [aʁ] das palavras par e parfois e ao som DE [də] mostrado na palavra des, temos nessa preposição uma ligeira diferença entre o som [ə] que deveria estar presente para formar a palavra Lézarde, ao invés do som [e] que de fato é pronunciado. Na citação acima, temos a descrição do rio e de seu entorno, sua cor, seus movimentos, logo tem-se a importância desse personagem como central nessa citação, reforçado através do anagrama.

• “Le gros homme [Garin] est neuf d’une sorte de dignité ; on dirait que ses crimes passés, ses trahisons, son ignorance sont lavés, acquittés, effacés par l’eau qui descend. Ainsi peu à peu ils se rapprochent l’un de l’autre, prêtant attention aux arbres et au ciel”190 (GLISSANT, 1958,

p. 111).

Para formar o hipograma Lézarde, recorremos ao som LE [le] formado pelo artigo que começa a frase le, nesse caso novamente temos uma ligeira diferença entre o som [e] que deveria estar presente ao invés do som [ə] encontrado de fato no artigo, ao som ZAR [zaʁ] formado a partir da junção das palavras aux arbres e ao som DE [də] mostrado na palavra descend. Como vimos no capítulo anterior, uma das conotações da água está ligada ao sagrado, uma vez que este elemento tem a capacidade de lavar física e metaforicamente as pessoas. Isso quer dizer que o sagrado do rio se manifesta nessa citação e o rio está presente como palavra-tema, no texto sob o texto.

• “Les eaux tournent si doucement que Thaël est saisi de vertige. Il dérive sur la Lézarde (emporté, non comme une paille qui ne sentirait

189 “O Lézarde agora é lento, potente. As terras que se avizinham estão inchadas de sangue amarelo,

vão por ondas espessas, oleosas do limo que o rio destila. É talvez um encantamento verde e vermelho, ocre das argilas que convêm às ervas” (GLISSANT, 1958, p. 118).

190 “O homem grande [Garin] é novo de uma espécie de dignidade; parece que seus crimes passados,

traições, ignorância estão lavados, absolvidos, apagados pela água que desce. Assim, pouco a pouco eles se aproximam um do outro, prestando atenção às árvores e ao céu” (GLISSANT, 1958, p. 111).

91 pas la force profonde et que le moindre recul engloutirait pourtant, ni comme une poutre, masse insensible, tronc épais, corps sans nuances fendant l’eau et que l’eau ne pourrait toucher – mais c’est le pouls même du courant ; et il ressent l’étreinte des terres, puis il joue entre les boues à glisser vers l’appel et le large ; et emporté il demeure aussi, sentant l’eau se distendre sur tout son corps, ruisseler vers la

rive, virer, jaillir en éclats pour à nouveau descendre en lui – et avec

lui – sur la terre – et dans toute la terre – comme un espoir et comme un dû – jusqu’à l’ultime noirceur où chaque mot est un silence et où la chaleur parle) cependant qu’il marche à grands pas, longeant la rive de la vie, criant à l’autre de consentir, de voir, de toucher un peu de cette sève (si cette sève n’est pas en lui)”191 (GLISSANT, 1958, p. 119).

Para formar a palavra-tema Lézarde, recorremos ao som LEZ [lez] formado pela junção do artigo que começa a frase com a palavra seguinte les eaux, ao som AR [aʁ] formado na palavra large, ao som DE [də] mostrado na preposição de vertige e no verbo demeure. Embora a distância dos fonemas seja maior do que o estabelecido, percebemos a ligação entre eles através da repetição do som DE [də]. Além disso, há a repetição das vogais mais marcadas do vocábulo Lézarde [e-a] nas seguintes expressões: le large, éclats, et avec e de la vie.

Ainda nesse trecho, conseguimos notar a formação de outra palavra-tema: Rivière (rio) e, para isso, recorremos ao som RIV [ʁiv] formado na palavra rive, ao som VI [vi] nas palavras virer e vie, ao som ÈRE [ɛʁ] mostrado na palavra terre. A transcrição fonética da palavra Rivière [ʁivjɛʁ] prevê a presença do som [j], entretanto isso não ocorre nas palavras virer e vie. Mantivemos esse anagrama, no entanto, uma vez que o [j] se faz presente nas palavras subsequentes jaillir e criant, respectivamente. Além disso, há a repetição das vogais mais marcadas da palavra rivière [i-ɛ], nessa mesma ordem,nas expressões: engloutirait, glisser vers e si cette.

191 “As águas giram tão docemente que Thaël é tomado de vertigem. Ele está à deriva sobre o

Lézarde (carregado, não como palha que não sentiria a força profunda e que seria engolida pelo menor recuo, nem como uma viga, massa insensível, tronco espesso, corpos sem nuances fendendo a água e que a água não poderia tocar – mas ele é a própria pulsação da corrente; e ele sente o abraço das terras, depois brinca em meio às lamas escorregando de um lado ao outro; e arrastado continua também, sentido a água se distender sobre todo seu corpo, fluir em direção à margem, rodopiar, jorrar em espirros d’água para de novo descer nele – e com ele – sobre a terra – e em toda terra – como uma esperança e um esperado – até a última treva em que cada palavra é um silêncio e em que cada calor fala) no entanto, que ele ande a grandes passos, beirando a margem da vida, gritando ao outro de consentir, de ver, de tocar um pouco essa seiva (se essa seiva não está nele)” (GLISSANT, 1958, p. 119).

92 Na citação acima, há a descrição do contato íntimo entre Thaël e o rio Lézarde. Nesse encontro a importância do rio é renovada de várias maneiras: através das inúmeras vezes em que há referência às águas (les eaux, l’eau), ao nome do rio e, também, aos anagramas formando as palavras-tema Lézarde e rivière.

• “Il pensa que c’était certes un étrange destin d’être venu dans cette plaine, poussé par il ne savait quelle nécessité, avec dans l’âme toute cette passion éclose là-haut, nourrie là-haut par le silence, par la tranquille monotonie de la montagne, et d’avoir ainsi connu son pays, les mirages, les laideurs, tous les éclats, et les grandeurs et les terribles quotidiens labeurs, les rires, les eaux, les sables, les misères,

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