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A CASA DA NASCENTE (LA MAISON DE LA SOURCE)

No documento isabelaferreiralima (páginas 67-70)

3 PROPOSTA DE ANÁLISE DAS PAISAGENS NO ROMANCE LA

3.5 AS ÁGUAS

3.5.2.1 A CASA DA NASCENTE (LA MAISON DE LA SOURCE)

A primeira percepção da Casa da Nascente [Maison de la Source] evoca a tirania de Garin com o povo martinicano, uma vez que ele é o mestre dessa casa, ele é seu dono. Isso significa dizer que Garin controla, de certa maneira, o rio Lézarde. Esse personagem é membro da elite martinicana e simboliza a lei francesa nas terras do além-mar, corroborando com a tirania representada por ele. A Casa da Nascente, então, exprime o poder sobre o povo e sobre a terra da Martinica:

“Et il a acheté La Source. Comment acheter toute cette énorme maison ?”132

(GLISSANT, 1958, p. 99).

“Pour commander toute la rivière”133 (GLISSANT, 1958, p. 96).

a água e que a água não poderia tocar – mas ele é a própria pulsação da corrente; e ele sente o abraço das terras, depois brinca em meio às lamas escorregando de um lado ao outro; e arrastado continua também, sentindo a água se distender sobre todo seu corpo, fluir em direção à margem, rodopiar, jorrar em espirros d’água para de novo descer nele – e com ele – sobre a terra – e em toda terra – como uma esperança e um esperado – até a última treva em que cada palavra é um silêncio e em que cada calor fala) no entanto, que ele ande a grandes passos, beirando a margem da vida, gritando ao outro de consentir, de ver, de tocar um pouco essa seiva (se essa seiva não está nele).” (GLISSANT, 1958, p. 119)

129 “Un voyage. Un ‘retour aux sources’” (GLISSANT, 1955, p. 54). 130 “Pourquoi faut-il revenir sur ses pas” (GLISSANT, 1955, p. 26).

131 “pois ele sobe por caminhos obscuros até a fonte do rio" (GLISSANT, 1958, p. 89).

61 Ademais, como apontado por Bachelard (1989), a água absorve as substâncias que entram em contato com ela, tanto positivas como negativas. Segundo o filósofo “Ela [a água] assimila tantas substâncias! Ela atrai para si tantas essências! Recebe com igual facilidade as matérias contrárias, [...] impregna-se de todas as cores, todos os sabores, todos os odores”134 (BACHELARD, 1989, p. 126).

Ele acrescenta ainda: “a menor impureza desvaloriza totalmente a água pura. Ela é objeto de uma maldição; recebe naturalmente um pensamento maléfico.”135

(BACHELARD, 1989, p. 190). Nesse sentido, a menor sujeira é capaz de contaminar e poluir toda a água e, assim, Garin destrói a pureza de todo o rio Lézarde, pois o suja física e moralmente. Garin violenta a força feminina, representada pelo rio, ao colocar seus pés ainda calçados na água:

“Et l’homme [Garin] alors se dirige vers la source, et il y met ses deux pieds, là, sans un frisson. [...] Il reste longtemps encore, regardant l’eau chasser sur le cuir des bottes. Il est planté dans la source : un arbre qui tente d’usurper toute la fécondité de la Lézarde, ou au moins de salir quelque chose, la rivière, les champs, les hommes”136 (GLISSANT, 1958, p. 96).

Além disso, esta casa também contribui para a compreensão dos valores do sagrado apresentado pelo rio Lézarde a partir de várias perspectivas. Primeiramente, esse lugar é envolto em mistérios, posto que ao encontrar a Casa da Nascente Thaël não a compreende.

“car il remonte par des chemins obscurs vers la source de la rivière, où est l’homme dont la destinée a rencontré la sienne ; l’homme qu’il va tuer, qu’il doit chercher si longuement, en remontant vers cette source : comme si la rivière lui imposait de connaître ce commencement, ce doux jaillir qui prendra force et engendrera la fécondité, avant qu’il accomplissent l’acte”137 (GLISSANT, 1958, p. 89).

133 “Para comandar todo o rio” (GLISSANT, 1958, p. 96).

134 “Elle [l’eau] assimile tant de substances ! Elle tire à elle tant d’essences ! Elle reçoit avec égale

facilité les matières contraires, […] Elle s’imprègne de toutes les couleurs, de toutes les saveurs, de toutes les odeurs” (BACHELARD, 1989, p. 126).

135 “la moindre impureté dévalorise totalement une eau pure. Elle est l’occasion d’un maléfice ; elle

reçoit naturellement une pensée malfaisante” (BACHELARD, 1989, p. 190).

136 “E o homem [Garin] se dirige então para a nascente, e ali ele coloca seus dois pés, ali mesmo,

sem nenhum arrepio. [...] Ele permanece por muito tempo ainda, olhando a água que escapa por entre o couro das botas. Ele está plantado na nascente: uma árvore que busca usurpar toda a fecundidade do Lézarde, ou ao menos sujar algo, o rio, os campos, os homens” (GLISSANT, 1958, p. 96).

137 “pois ele sobe por caminhos obscuros até a fonte do rio, onde está o homem cujo destino

encontrou o seu; o homem que ele vai matar, que ele deve buscar tão longamente, retornando a essa nascente: como se o rio lhe impusesse o conhecimento desse princípio, desse doce jorrar que se fortalecerá e engendrará a fecundidade, antes do cumprimento do ato" (GLISSANT, 1958, p. 89).

62 O personagem distingue os ruídos do rio sem conseguir perceber de onde eles vêm. Sua percepção da casa como um todo é limitada e insuficiente, o que gera um fascínio incompreensível do personagem pela Casa da Nascente:

“ne dirait-on pas qu’il entend un murmure, un doux chanter d’eau pure ? Une source ? Il avance, dans l’espérance de ce chant ; il déchire des feuilles, des transparences, des beautés. Alors il aperçoit la maison. Lourde, volets fermés : c’est la maison de Garin. Thaël oublie la source.

Cette maison le fascine. Il ne sait pas pourquoi, mais elle lui paraît monstrueuse. Elle est pourtant commune, renfermée sur elle- même: muette”138 (GLISSANT, 1958, p. 91).

“Thaël est pris au charme sombre de la Maison de la Source”139

(GLISSANT, 1958, p. 93).

Outro ponto importante que caracteriza essa casa como sagrada é o fato de ser isolada da comunidade de Lambrianne (cidade em que se passa parte do romance), tanto pela distância que a separa da cidade, como pelos muros que a rodeiam. Esses muros assinalam também a proteção da fonte contra o mundo exterior, na tentativa de limitar o contato com as impurezas do caráter humano.

“et Thaël retourne vers le ruisseau extraordinaire, il entend à nouveau le bruit de source : cela provient de l’intérieur de la maison ! [...] Le centre de la pièce est vide ; immensément vide ; plus que la plage dans la nuit quand aucune ombre ne passe. Vide et inerte. Jusqu’à ce que Thaël, suivant le bruit, arrive au plein milieu d’où sourd un ruisseau : la source. L’origine emprisonnée de la Lézarde, gardée par les murs épais, entourée de dallages de marbre, comme une idole accablée d’atours”140 (GLISSANT,

1958, p. 92).

Um último aspecto que indica o lado sagrado da Casa da Nascente é o fato de Thaël precisar descer em suas profundezas para conhecê-la e compreendê-la. A profundidade é uma característica comum aos temas do sagrado, pois quanto maior a necessidade de se embrenhar e se aprofundar em um tema, mais ele será considerado sagrado.

138 “não diríamos que ele escuta um murmúrio, um doce cantar de água pura? Uma nascente? Ele

avança, na esperança desse canto; ele rasga folhas, transparências, belezas. Então ele percebe a casa. Pesada, postigos fechados: é a casa de Garin. Thaël esquece a nascente.

Essa casa o fascina. Não sabe o porquê, mas ela lhe parece monstruosa. Entretanto, ela é comum, fechada em si mesma: muda” (GLISSANT, 1958, p. 91).

139 “Thaël é tomado pelo charme sombrio da Casa da Nascente” (GLISSANT, 1958, p. 93).

140 “e Thaël retorna ao regato extraordinário, ele escuta novamente o barulho da nascente: provém do

interior da casa! [...] O centro do cômodo está vazio; imensamente vazio; mais do que a praia na noite quando nem sequer uma sombra passa. Vazio e inerte. Até que Thaël, seguindo o barulho, chega bem no meio de onde brota um regato: a nascente. A origem aprisionada do Lézarde, guardada por muros espessos, revestida de mármore, como um ídolo saturado de adornos” (GLISSANT, 1958, p. 92).

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“Dans la luminosité sombre Thaël avance pas après pas. Il descend lentement vers le bruit de l’eau, vers la fraîcheur ; et à peine voit-il le fond de cette sorte de puits. En bas, il sent autour de lui l’immense salle (cernée d’une galerie qui supporte les chambres du haut) et voit qu’au centre elle atteint le toit”141 (GLISSANT, 1958, p. 92).

Assim, a partir dessas características, podemos concluir a conotação sagrada da Casa da Nascente no romance.

No documento isabelaferreiralima (páginas 67-70)

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