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Anarquismo, movimento operário e sindicalismo

lex, sed latex: a lei é dura, mas

2.3 Anarquismo, movimento operário e sindicalismo

Inicialmente, o sindicalismo, seja qual for sua expressão, constitui um enfoque numa das partes de atuação do movimento operário. Este aspecto diz respeito às questões econômicas de melhorias salariais, jornada e condições de trabalho, superexploração, trabalho de crianças e mulheres, entre outros temas relativos à esfera das relações de produção.

Há, também, uma espécie de convenção, usualmente difundida, confundindo movimento dos trabalhadores e sindicalismo, percebido o segundo como sinonímia suficiente do primeiro. Esta forma de perceber o movimento se consagrou entre estudiosos, tornando-se termo de uso corrente ao longo dos anos, a partir, sobretudo, da década de trinta com o aparelhamento das associações de classe pelo Estado. A violenta intervenção de Getúlio Vargas, arremedando

71 Para uma relação de jornais e revistas publicados pelos anarquistas ao longo das primeiras décadas da experiência

republicana brasileira ver RODRIGUES, Edgar. Pequena História da Imprensa Social no Brasil. Florianópolis: Insular, 1997.

Benito Mussolini e sua Carta del Lavoro, ao criar a Consolidação das Leis Trabalhistas, a CLT, constitui mais do que marco deste episódio.

Considerando a história das lutas sociais em sua manifestação moderna, o movimento operário instaurou novas formas de atuação em todas as dimensões da existência social, não se restringindo à ação exclusivista, como a classista. Isto não deve ser visto como uma sub- avaliação ou abandono das questões da exploração econômica e do domínio político na sociedade, mas como um enfoque aberto às demais dimensões e aspectos relacionados à vida social.

No campo educacional, por exemplo, as ações do movimento operário foram diversas. A criação de escolas para filhos dos trabalhadores consiste num dos pontos fortes deste movimento que se preocupou, desde os primeiros congressos operários internacionais, em refletir e atuar nesta direção. Simultaneamente à luta econômica e à esfera política, estes trabalhadores cultivaram bibliotecas, ateneus, universidades populares, tipografias e uma série de atividades articuladas às iniciativas pedagógicas. Na verdade, as atividades abraçadas pelos trabalhadores dentro do movimento operário e, principalmente, entre os anarquistas, possuíam um caráter pedagógico e educacional inegável.

A transformação da sociedade, em suas relações sociais mais diversas, passava necessariamente por uma ação transformadora das pessoas a respeito de seu mundo interior, individualidade e valores. A forma de pensar e de sentir das pessoas era percebida como instâncias basilares na construção social de realidades. A percepção individual das informações e dos estímulos cotidianos consiste num processo seletivo, de atitudes marcadas e atividades de exclusão e inclusão: alguns elementos são destacados como relevantes e outros como seu oposto.

Entre os relevantes, como os não relevantes, a carga significacional, simbólica e valorativa é variada. Aqui, para a compreensão dos meandros destes procedimentos, cabe o

conhecimento não apenas do pensamento, da racionalidade, mas também do sentimento cultivado nas relações sociais através dos hábitos, costumes e instituições de uma sociedade. Desta maneira, atividades de transformação social que desconsideram estes campos estão fadadas ao malogro que se dá, no mais das vezes, com a reinstalação dos mesmos referenciais para a vida social que antes se combatia.

Não se trata de privilegiar as relações do microcosmo social, como apressadamente possa ser entendido. Também não se trata de colocar evidência numa perspectiva macro-sociológica. Noutra perspectiva, à educação, para além de seu entendimento preso a um sentido usual, caberia um papel de destaque por burilar a razão e a emoção, o pensamento e o sentimento. Estendendo e ampliando a concepção de educação para fora das estreitas balizas tecnicistas ou enciclopédicas, às atividades levadas a efeito, coletiva ou individualmente pelos anarquistas aqui referenciados, era emprestada inegável nuança educacional.

Ao envidarem esforços na organização de eventos culturais, científicos relacionados à situação social do trabalhador, como greves, congressos, meetings, manifestações públicas, saraus, bailes, piqueniques, encontros locais, regionais, nacionais e internacionais, teatro; de espaços de atividades diversas como escolas, bibliotecas, ateneus, universidades populares, tipografias, ligas, federações, confederações, associações; de atividades no campo da comunicação social como jornais, revistas, manifestos, panfletos, boletins e outros, os trabalhadores, via de regra, entendiam constituída a ocasião por excelência para experimentos práticos das idéias, para a instauração de vivência dos novos referenciais, libertários, tanto para a vida social como para a individual.

Estas ações constituem indícios do estabelecimento de relações sociais avessas ao princípio de autoridade e afirmativas do princípio de liberdade. Hierarquia e disciplina, desta maneira, consistem em objetos seletivos de esforços para um processo deliberado de

arruinamento. Um exercício de destruição destes dois pilares da autoridade acontecia com a instauração da horizontalidade e da indisciplina nas relações entre as pessoas envolvidas.

Em relação às experiências com grupos, no geral, os coletivos editoriais dos jornais anarquistas no período referido parecem expressar, com muita propriedade, esta assertiva. As matérias expostas, a construção argumentativa, a intenção libertária das colunas, os debates entre os redatores, ou mesmo entre adversários de idéias, as charges, as poesias, as leituras recomendadas, tudo isto, e mais outros elementos apresentados nestes periódicos, sugerem a confirmação de uma inclinação para a destruição e desoneração dos referenciais dogmáticos, difundidos na sociedade como forma absoluta para a vida social.

2.4 Correntezas libertárias (Anarquistas, Individualistas, Anarcossindicalistas, Comunistas