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Esta seção foi retirada do livro “Curso de Análise Estrutural – Volume II”, de José Carlos Süssekind.

1. Aplicação do teorema dos trabalhos virtuais aos corpos elásticos

1.1. O princípio de d’Alembert e os conceitos de deslocamento e trabalho virtual

Jean d’Alembert introduziu na Mecânica Racional os conceitos de deslocamento e trabalho virtual, estudando o seguinte caso:

Seja um ponto material m em equilíbrio, isto é, submetido a um conjunto de forças Pi tais que

sua resultante Rr é nula, conforme indica a Fig. I-1. Imaginemos que seja dado a este ponto um deslocamento δr sem a introdução de nenhuma nova força no sistema, isto é, mantendoRr=0. Este deslocamento não pode ser atribuído a nenhuma causa física real, pois, para haver deslocamento real do ponto, seria necessária a introdução de uma nova força ao sistema, que possibilitasse este deslocamento (real) do ponto m. Tratemos, então, este deslocamentoδr, dado nestas condições, (isto é, Rr=0), como uma entidade puramente matemática, à qual chamaremos deslocamento virtual:

O trabalho virtual W realizado pelo conjunto de forças Pi (reais) que atuam sobre o ponto m

quando ele sofre o deslocamento virtual δr vale W = × =Rr δr 0. Dizemos, então; que, “para um ponto material em equilíbrio (Rr=0), o trabalho virtual realizado pelo sistema de forças reais em equilíbrio que atua sobre o ponto, quando este sofre um deslocamento virtual arbitrário qualquer, é nulo”, o que constitui o princípio de d’Alembert.

Isso garante a aceitação do novo conceito (trabalho virtual), pois preserva, para o ponto que

Fig. I-1

sofreu um deslocamento virtual, as suas duas condições de equilíbrio: a estática (traduzida pela resultante nula) e a energética (traduzida pelo trabalho virtual realizado nulo).

A partir destas considerações, poderemos extrapolar os teoremas gerais da Mecânica sobre trabalhos reais para teoremas sobre trabalhos virtuais, senão vejamos:

Para um ponto material em equilíbrio, sabemos que o “trabalho real realizado pelo sistema de forças que atua sobre ele é nulo”; para este mesmo ponto, o princípio de d’Alembert nos diz que “o trabalho virtual realizado pelo sistema de forças que atua sobre ele é nulo para um deslocamento virtual arbitrário qualquer que lhe imponhamos”. Bastou, portanto, substituir a palavra “real” do enunciado da proposição da Mecânica sobre trabalho (real) realizado por um ponto em equilíbrio, por “virtual” para obtermos a proposição sobre trabalho virtual realizado por um ponto material em equilíbrio, quando ele sofre um deslocamento virtual arbitrário qualquer.

Como os corpos rígidos e elásticos nada mais são que um somatório ao infinito de pontos materiais, podemos, imediatamente, enunciar os teoremas sobre trabalhos virtuais a eles aplicáveis, substituindo a palavra “real” dos enunciados dos teoremas de trabalhos reais relativos a estes dois tipos de corpos pela palavra “virtual” e, então, teremos:

a) Corpos rígidos:

“Para um corpo rígido em equilíbrio, a soma algébrica dos trabalhos virtuais de todas as forças (reais) que sobre ele atuam é nula, para todos os deslocamentos virtuais arbitrários (compatíveis com os vínculos do corpo) que lhe imponhamos.”

b) Corpos elásticos:

“Para um corpo elástico, que atingiu sua configuração de equilíbrio, o trabalho virtual total das forças externas que sobre ele atuam é igual ao trabalho virtual das forças internas (esforços simples) nele atuantes, para todos os deslocamentos virtuais arbitrários (compatíveis com os vínculos do corpo) que lhe imponhamos.”

Observações:

(i) Diversos autores costumam intitular de princípios aos teoremas de trabalhos virtuais relativos a corpos rígidos e elásticos, por estarem eles baseados no princípio de d'Alembert. Como, a partir deste princípio, podem ser demonstrados estes teoremas de trabalhos virtuais, em tudo que se seguir manteremos a denominação de teorema dos trabalhos virtuais.

(ii) Diversos livros, também, apresentam deduções muito mais sofisticadas e elegantes, sob o ponto de vista matemático, para os teoremas dos trabalhos virtuais; não o fizemos, neste trabalho, por ser nosso objetivo apresentá-los sob a feição mais eminentemente física e prática possível, que facilite ao leitor a compreensão do conceito de trabalho virtual, a partir do qual resolveremos o problema do cálculo de deformações nas estruturas (corpos elásticos), o que está feito nos itens a seguir.

(iii) Não somos pioneiros nesta forma de apresentação do assunto; adotamos, neste caso, a metodologia utilizada pelo prof. Leopoldo de Castro Moreira em seu trabalho "Curso de Estática das Construções" publicado pelo Diretório Acadêmico da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro no ano de 1953, por nos parecer a ideal, didaticamente falando.

1.2. Cálculo de deformações devidas à atuação de carregamento externo - Fórmula de Mohr

Seja a estrutura da Fig. I-2, submetida ao carregamento indicado. Em se tratando de um corpo elástico, ela se deformará devido a estas cargas, adquirindo a configuração esquematizada em pontilhado na Fig. I-2.

É evidente que duas seções vizinhas, distantes de ds, terão deformações relativas devidas aos esforços simples M, N, Q nelas atuantes, deformações estas que denominaremos dϕ (rotação relativa de duas seções distantes de ds, devida a M), Δds (deslocamento axial relativo de duas seções distantes de ds, devido a N), dh (deslizamento relativo de duas seções distantes de ds, devido a Q). Os valores destas deformações relativas são objeto de estudo na Resistência de Materiais, e são dados por:

M ds N ds Q ds d ds dh E J E S G S χ ϕ= Δ = = Sendo:

E: módulo de elasticidade longitudinal do material; G: módulo de elasticidade transversal; J: momento de inércia de seção transversal em relação a seu eixo neutro;

S: área de seção transversal:

χ : coeficiente de redução, resultante da distribuição não uniforme das tensões cisalhantes, cujo valor varia com o tipo de seção.

Estado de Deformação: Esforços: M, N, Q Deformações Relativas: d , ds,dhϕ Δ

Estado de Deformação: Esforços: M , N , Q Deformações Relativas: d d ds ds dh dh ϕ ϕ Δ Δ = = =

Suponhamos, para fins de raciocínio, que queiramos calcular o deslocamento do ponto m na direção Δ , ao qual chamaremos δ :

Seja, agora, a Fig. I-3, onde a configuração da estrutura, após a aplicação da carga P= , é a 1 indicada em traço cheio e que coincide com o eixo da estrutura da Fig. I-2 quando descarregada. Dando- se a todos os pontos da estrutura com o carregamento indicado em I-3 deslocamentos virtuais exatamente iguais aos provocados pelo carregamento indicado em I-2, esta assumirá a configuração deformada (virtual) indicada em pontilhado (idêntica à configuração deformada real indicada em I-2).

Apliquemos, então, à estrutura com as cargas e esforços indicados em I-3, e sob os deslocamentos virtuais impostos, o teorema de trabalhos virtuais aplicado aos corpos elásticos, que diz ser o trabalho virtual das forças externas igual ao trabalho virtual das forças internas, para quaisquer deslocamentos virtuais compatíveis com os vínculos da estrutura. Temos:

Trabalho virtual das forças externas (cargas e reações):

ext

W = × (as reações não dão trabalho) P δ Trabalho virtual das forças internas (W ): int

Será igual à soma dos trabalhos virtuais de deformação de todos os elementos de comprimento ds ao longo da estrutura e, como estamos no regime linear e vale o princípio da superposição de efeitos, será a soma dos trabalhos virtuais de deformação devidos a. cada um dos esforços simples atuantes na estrutura.

Teremos, então, no caso:

int

l l l

W =

M dϕ+

N dsΔ +

Q dh

Ou, levando em conta as expressões da Resistência dos Materiais:

int l l l M M N N Q Q W ds ds ds E J E S G S χ =

+

+

Igualando-se, obtemos: l l l M M N N Q Q P ds ds ds E J E S G S χ δ × =

+

+

Observações:

a) Chegando-se à expressão final, verificamos que, para fins de cálculo dos trabalhos virtuais, tudo se passou como se a Fig. I-3 nos fornecesse cargas e esforços e a Fig. I-2 as deformações. Por esta razão, elas são denominadas, respectivamente, estado de carregamento e estado de deformação.

b) A escolha do estado de carregamento deve ser tal que a carga P associada à deformaçãoδ , que se deseja calcular, nos forneça um trabalho virtual de forças externas igual a P× . Ele é, pois, δ função da deformação a calcular e pode ser, comodamente, tabelado para os casos práticos usuais, o que está feito na tabela I.

c) O estado de deformação pode ser provocado por: 9 Carregamento exterior

9 Variação de temperatura

9 Movimentos (recalques) de apoios 9 Modificações impostas na montagem

Neste item, estudamos a primeira das causas; as outras serão analisadas, de forma inteiramente análoga, nos próximos.

d) No caso mais geral (estruturas no espaço), teríamos a acrescentar ao trabalho virtual das forças internas aquele do momento de torção, que vale:

t l l T T ds T d G J θ =

Sendo, Jt o momento de inércia à torção da seção da peça e que está tabelado, para as seções mais usuais, na tabela XVI. Notar bem que JtJp (momento de inércia polar), para as seções mais gerais; só temos Jt =Jp para algumas seções especiais, tais como círculos, anéis circulares, etc.

Desta maneira, sob forma mais geral, o cálculo de deformações em estruturas devidas a carregamento exterior atuante, é resolvido pela expressão (I.1), instituída por Mohr,

l l l M M N N Q Q 1 ds ds ds E J E S G S χ δ × =

+

+

(I-1)

e) Para as estruturas com que lidamos usualmente na prática, podemos acrescentar as seguintes informações, de grande valia na simplificação do trabalho numérico do engenheiro:

A parcela l Q Q ds G S χ

, pode ser, usualmente, desprezada em presença das demais, com erro mínimo (somente em caso de vãos muito curtos e cargas muito elevadas, a influência do esforço cortante apresenta valor considerável).

Também com erro tolerável, podemos desprezar a parcela l

N N ds E S

para peças de estruturas que não trabalhem fundamentalmente ao esforço normal. (É evidente que não o podemos fazer, pois, nos casos de arcos, escoras, tirantes, barras de treliça, pilares esbeltos e peças protendidas em geral.)

O uso destas simplificações deve ser feito, entretanto, com muito critério e somente em casos induvidosos, a fim de se evitar possíveis erros grosseiros. Em caso de dúvida, devem ser computadas numericamente todas as parcelas, a fim de ser possível a avaliação de sua importância relativa.

f) Conforme veremos mais adiante, para estruturas, compostas por barras retas de inércia constante, a resolução da

l M M

ds E J

se obterá por um simples uso de tabela (V. tabela II), em função dos aspectos dos diagramas M e M , o que simplificará enormemente o trabalho numérico dos problemas a solucionar.

g) Queremos chamar a atenção para o fato de que os esforços foram calculados para o eixo indeformado da estrutura. Quando atuar o carregamento; este eixo se modificará, evidentemente, e os esforços sofrerão uma variação que poderá ser desprezada, caso a deformação sofrida pela estrutura seja pequena (o que, de fato, ocorre para as estruturas usuais). É o que fizemos no caso e, portanto, em tudo que se segue (bem como em tudo que se viu até aqui) estaremos estudando a Análise Estrutural das pequenas deformações.

No documento Arquivos - Teoria das Estruturas UnB (páginas 81-86)

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