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SUMÁRIO

CAPÍTULO 1 MTST – MOVIMENTO DOS TRABALHADORES SEM TETO

1.1 Um histórico do MTST 1 Uma prosa sobre a história

1.1.6 O Anita Garibald

25 Para a Fundação Seade, são consideradas moradias inadequadas: domicílios congestionados, casas de

alvenaria e apartamentos localizados em favelas, cortiços, moradias em que o aluguel compromete boa parte da renda e domicílios com infraestrutura inadequada.

A primeira investida na Grande São Paulo foi em março de 2001, no município de Guarulhos. Em uma área de 250.000 m2, localizada na periferia da cidade, no bairro Ponte Alta, próximo ao Aeroporto Internacional de Guarulhos, ergueu-se a ocupação Anita Garibaldi26. Um terreno de propriedade particular, desocupado há mais de 50 anos, que vinha sendo utilizado, ilegalmente, para depósito de lixo e, segundo moradores do entorno, para “desova” de cadáveres.

O entorno do acampamento não difere muito das periferias das grandes cidades: existência de favelas, loteamentos clandestinos, deficiência no atendimento de saúde e transporte, e com um intenso comércio local, em grande parte, improvisado na parte da frente das moradias, como bazares, papelarias, bares, mercadinhos, etc.

A preparação para a entrada no terreno iniciou-se muito antes da ocupação, com contatos estabelecidos entre a coordenação do MTST (nesse momento, com membros do MST incluídos) e as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), movimentos sociais organizados e a população dos bairros pobres da cidade.

Com os movimentos organizados, os contatos tinham por objetivo construir alianças políticas e buscar apoio para a montagem da infraestrutura mínima para as primeiras semanas de acampamento.

As reuniões com a população de diversos bairros cumpriam a tarefa de divulgar as “ideias do movimento” e expor a proposta da ocupação para aqueles que poderiam compor a base de atuação do futuro acampamento. O cadastramento prévio atingiu o número de 1500 famílias.

Na primeira semana, o número de pessoas chegava a 2000, subindo para 12.000, em semanas, o que mostrou a potencialidade da ocupação na região.

Durante os meses que se seguiram, foram realizados atos públicos27 como meio de pressionar a prefeitura de Guarulhos a assumir a intermediação da negociação entre o proprietário e o MTST, o que ocorreu, após algumas negativas.

Em junho de 2001, a suspensão da liminar de reintegração de posse representou um incentivo para o desenvolvimento dos projetos internos do acampamento e para a continuação

26 As informações sobre o acampamento Anita Garibaldi têm, como fonte, a pesquisa de Lima (2004), que se

dedica a um trabalho de campo nesse acampamento e ao nosso trabalho de campo, que inclui a participação no Encontro Estadual do MTST, realizado em maio de 2009, em uma creche que funciona dentro da área ocupada.

27 Os acampados realizaram a marcha da ocupação Anita Garibaldi até a praça central de Guarulhos ainda em

maio de 2000, onde montaram um acampamento para protestar contra o processo de reintegração de posse impetrado pelo proprietário. Em junho de 2001, houve um ato público para comemorar a suspensão da liminar de reintegração de posse, com a presença de apoiadores do movimento: partidos (PT, PSOL), sindicatos (sindicato dos professores da rede pública e privada de Guarulhos, o Sindicato dos Advogados) e outras organizações, como a Comissão de Direitos Humanos e a Comissão de Habitação da Ordem dos Advogados do Brasil.

das negociações com a prefeitura, com a finalidade de regularização do terreno e implementação de um projeto habitacional no local.

Já havia um debate interno, no acampamento, sobre uma proposta de organização espacial da área ocupada, que teve o auxílio de estudantes da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP). Embora a proposta dos estudantes e a da coordenação do movimento fossem divergentes28, houve um consenso e esse apoio resultou na realização da reestruturação espacial do acampamento, que passou de barracos de lona instalados desorganizadamente para uma área projetada e construída a partir das decisões dos acampados.

O terreno passou, então, a ser dividido em lotes de 100 m2, distribuídos em quadras. Houve a abertura de ruas e a construção de uma área social de 74 mil m2, que abrigou uma biblioteca, uma sala de reuniões, cozinha e outras salas, onde ocorreram atividades educacionais e de lazer, organizadas, em grande parte, pelos próprios moradores do acampamento.

Esse processo de construção de equipamentos coletivos e a melhoria das condições de permanência no local, com o acesso à água, luz e abertura de vias de trânsito, fosse para a chegada de automóveis, como o caminhão de coleta de lixo, fosse para a passagem de pedestres, foi importante na comprovação da fixação das famílias na área ocupada, que pôde favorecer os acampados no embate jurídico pelo terreno.

Em 2002, a Secretaria da Habitação do município realizou um prévio cadastramento das famílias para traçar o perfil dos acampados, mas o projeto habitacional demorou a sair do papel.

A ocupação Anita Garibaldi foi significativa para o histórico do MTST, por ter sido a primeira grande ocupação (seja pelo tamanho do terreno, seja pelo número de pessoas agregadas) e por ter se mantido sem ação de despejo, o que favoreceu o movimento a prosseguir em seus objetivos de crescimento na RMSP.

Lima (2004) atribui essa excepcionalidade da ocupação Anita Garibaldi a fatores como: o crescimento populacional de Guarulhos na década de 90, sobretudo das camadas de baixo poder aquisitivo, o que teria gerado movimentos que lutavam pela obtenção de equipamentos coletivos nas periferias da cidade; o grande número de loteamentos

28 Os estudantes estavam voltados para a construção de um projeto arquitetônico que propiciasse a intensa

participação dos acampados pela via autônoma de edificação das construções. A coordenação do MTST argumentava que não havia material suficiente para a realização de tal projeto e que a reestruturação do acampamento não poderia esperar até a obtenção (se é que ela ocorreria...) dos materiais.

clandestinos na região, presentes desde a década de 80, quando o prefeito eleito em 200029 atuava junto aos movimentos por moradia, o que teria levado a uma plataforma eleitoral com maior ênfase para esse setor; e o interesse do proprietário na venda do imóvel, o que teria diminuído a “briga jurídica” em torno da propriedade. No entanto, salientamos que a história de envolvimento do prefeito Elói Pietá com os movimentos de moradia trouxe uma dinâmica de negociação que amenizou o enfrentamento do movimento com a prefeitura e abriu espaços de negociação que dificilmente se apresentariam em outra situação.

Porém, como já foi visto, os militantes do MTST já chamavam a atenção para a “complexidade das relações no urbano”. Embora a ocupação Anita Garibaldi não tivesse sofrido com constantes despejos e reocupações, fixando-se por longo tempo, houve a perda da direção do acampamento durante anos. De um lado, devido à demora da implantação do projeto habitacional e, de outro, pelo enfrentamento com grupos organizados ligados ao tráfico de drogas e a políticos locais.

Em entrevista com um militante, Miagusko tenta investigar mais sobre os motivos que levaram à “perda de hegemonia” do movimento em uma ocupação sem grandes conflitos com o Estado e que tinha boas chances de conquista.

A versão que nos chega (MIAGUSKO, 2008) é que teve início a venda das moradias daqueles que participaram de todo o histórico da ocupação. A casa que ficava fechada durante o dia, à noite não mais pertencia aos ocupantes. “Uma aliança entre o tráfico e os políticos locais impunha esse comércio e passou a ditar as regras de justiça no local” (Idem, p. 212). Os militantes continuaram morando na ocupação, mas não tinham mais como organizar a população, nem como impor sua dinâmica.

Anos depois, houve a “retomada do Anita”, em fins de 2008, mas com uma nova configuração. A área sob coordenação do MTST deixou de ser a totalidade da área ocupada anteriormente, e hoje pode ser considerada um bairro, com casas de alvenaria, equipamentos públicos, como creche, escolas e posto de saúde, mas ainda numa situação jurídica indefinida para os moradores.

Em 2009, o Encontro Estadual do MTST realizou-se em uma creche, no interior do Anita Garibaldi, como forma de ressignificar a atuação do movimento naquele local. Foi exatamente onde o movimento fincou suas raízes, que nove anos depois, militantes e coordenadores, ao avaliarem o processo de estadualização das lutas, aprovaram a nacionalização do MTST, que já vinha sendo preparada desde 2007.

1.1.7 Começa uma história de despejos, violência e criminalização: Carlos Lamarca,