• Nenhum resultado encontrado

O debate sobre as teorias dos movimentos sociais e uma crítica marxista

Expressão da Luta de Classes no Brasil

CAPÍTULO 3 – O MOVIMENTO SOCIAL ANTICAPITALISTA COMO EXPRESSÃO DA LUTA DE CLASSES NO BRASIL

3.2 O debate sobre as teorias dos movimentos sociais e uma crítica marxista

O rebote teórico pós-68 representou para a análise dos movimentos sociais uma guinada em direção à busca de conceitos que refutassem a explicação marxista do embate entre proletariado-burguesia e que esclarecessem a “diáspora” dos sujeitos conflituosos, espalhados por toda a sociedade.

A partir de 1970 três grandes teorias141 influenciaram os estudos sobre os movimentos sociais compartilhando a mesma constatação de que a sociedade industrial com suas características duais (público/privado, capital/trabalho, sociedade/Estado) estavam superadas e abria-se na segunda metade do século XX uma nova forma societal centrada em relações não-econômicas que geraram movimentos sociais de contestação pós-materialistas.

A escola analítica foi a Teoria da Mobilização de Recursos (TMR), cujos representantes mais evidentes são McCarthy e Zald142, voltou-se para a racionalização da atividade política, considerando a mobilização um cálculo racional entre benefícios e custos do envolvimento individual e seus possíveis resultados, que derivariam da integração entre

141 Béroud et al nos lembram que diante de quaisquer comparação de paradigmas, devemos nos interrogar sobre

quais critérios foram utilizados para realizá-la e salienta que este tipo de classificação não é útil quando se trata da análise de um objeto concreto (1998, p. 28)

142 A obra que inicia esta corrente de forma mais sistematizada é McCarthy , J. D.e Zald, M. N. 1977. “Resource

mobilization and social movements: a partial theory”. American Journal of Sociology, vol. 82, nº 6. Outra obra bastante referenciada desta corrente é McAdam, D; McCarthy , J.; Zald, M. N. 1996. Comparative perspectives on social movements: political opportunities, mobilizing structures and cultural framings. Cambridge: Cambridge University Press.

recursos materiais, humanos e organizativos, privilegiando a interação entre indivíduos sem envolver os elementos macroestruturais.

Tal corrente aplicou a sociologia das organizações à análise dos movimentos sociais, que por analogia seria movido e organizado tal como uma empresa, o que levou à priorização da racionalidade, em detrimento das ideologias e valores como elementos válidos para mobilizar indivíduos em determinadas conjunturas.

Assim, os movimentos sociais são tidos como fenômenos como qualquer outro que envolva burocratização, normatização, hierarquia, divisão do trabalho, administração de recursos e coordenação de ações (ALONSO, 2009).

Integrados ao debate sobre o “economicismo marxista” e criticando a existência da classe operária como sujeito histórico universal, a Teoria do Processo Político (TPP) e a Teoria dos Novos Movimentos Sociais (TNMS), diferentemente da TMR construíram suas teorias a partir da análise dos processos históricos e políticos.

Como expoentes da TPP, destacamos Charles Tilly e Sidney Tarrow, sendo que o primeiro foi pioneiro na construção de uma sociologia política que buscou compreender as mobilizações coletivas em termos de fenômenos profusos analisando-os em tempos de longa duração, colocando em um mesmo diapasão as disputas entre elites e os movimentos populares, para quem, não há distinção de natureza do fenômeno, mas apenas de repertórios, como conjunto de ações coletivas, tais como ferramentas que se podem utilizar, interpretar, mas não criar.

Através da definição de Tarrow sobre os movimentos sociais, podemos deduzir os elementos utilizados neste paradigma que compartilha com a TNMS a importância da cultura no processo de mobilização.

Segundo Tarrow,

As pessoas se engajam em confrontos políticos quando mudam os padrões

de oportunidades e restrições políticas e, então, empregando

estrategicamente um repertório de ação coletiva, criam novas oportunidades que são usadas por outros, em ciclos mais amplos de confronto. Quando suas lutas giram em torno de grandes divisões na sociedade, quando reúnem pessoas em volta de símbolos culturais herdados e quando podem ampliar ou construir densas redes sociais e estruturas conectivas, então esses

episódios de confronto resultam em interações sustentadas com opositores –

especificamente – em movimentos sociais. (2009, p. 38, grifo nosso)

Vemos que os processos contenciosos ocorrem segundo esta corrente, de acordo com a abertura/alargamento de canais de mobilização que são facilitados em determinadas oportunidades políticas. Porém, os grupos de confronto não são preexistentes e se formam

através de relações cognitivas mediadas pela cultura (símbolos culturais herdados) no próprio processo de movimentação.

O elemento cultural ganha destaque, pois será o responsável pela construção do pertencimento e das redes interpessoais, cujo resultado é a solidariedade, que somada ao controle coletivo dos recursos necessários à ação, geram situações de mobilização, em que são ativados os repertórios, formas de expressão para conquista de seus propósitos, mais adequados ao contexto de enfrentamento.

A TPP não identifica adversários fixos, mas trata de partes que se deslocam. Entram em conflito os detentores do poder, que estão no Estado e os desafiantes que falam em nome da sociedade, embora ambos possam estar ora num ponto, ora em outro.

Tanto a TMR como a TPP tem ampliado seu prestígio nas análises sobre movimentos sociais na última década na América Latina, como lembra Gohn (2008), embora a influência da TNMS seja determinante desde os anos 1980.

A TNMS congrega autores em torno de alguns elementos analíticos comuns, como, o fim da centralidade do trabalho e da produção industrial a partir da segunda metade do século XX, a ampliação da chamada sociedade civil onde se movimentam sujeitos que lutam, não mais por demandas materiais, mas por “formas de vida”, cujo elo é a cultura.

Alonso faz uma boa síntese dos pontos que unem os autores da TNMS.

Para todos uma mudança macrossocial teria gerado uma nova forma de dominação, eminentemente cultural (por meio da tecnologia e da ciência) e borrado as distinções entre público e privado, acarretando mudanças nas subjetividades e uma nova zona de conflito. As reivindicações teriam se deslocado dos itens redistributivos, do mundo do trabalho, para a vida cotidiana, demandando a democratização de suas estruturas e afirmando novas identidades e valores. Estaria em curso uma politização da vida privada. Os movimentos de classe dariam lugar, assim, a novos movimentos expressivos, simbólicos, identitários, caso do feminismo, do pacifismo, do ambientalismo, do movimento estudantil. Isto é, os movimentos mais em evidência no momento em que escreviam. (2009, p. 67)

No entanto, a virada do século XXI trouxe a estes paradigmas a necessidade de uma atualização diante de fenômenos vistos por eles como modificadores das ações coletivas, tais como, a globalização, a informatização da sociedade, o fortalecimento das instituições multilaterais, a política transnacional, o enfraquecimento do Estado-nação como antagonista (TARROW, 2009; SCHERER-WARREN, 2006; ALONSO, 2009), o que acabou por aprofundar os argumentos centrais de cada teoria e diferenciá-las ainda mais.

Como vimos no item 2.2 a TNMS influenciou autores brasileiros e fortaleceu o conceito de sociedade civil, espaço em que os movimentos sociais se articulam para ampliar

direitos, não apenas como normatização, mas como formulação e vivência de uma “nova cultura política” que tem como base o exercício da participação cidadã.

Este conjunto de fenômenos do início do século XXI, também amplia as análises da TNMS com o conceito de redes de movimentos sociais elaborado por Scherer-Warren, “que busca apreender o porvir ou o rumo das ações de movimento, transcendendo as experiências empíricas, concretas, datadas, localizadas dos sujeitos/atores coletivos” (2006, p. 113), que se articulam cada vez mais a fim de ganhar visibilidade e obter conquistas.

“Nas sociedades globalizadas, multiculturais e complexas, as identidades tendem a ser cada vez mais plurais e as lutas pela cidadania incluem, frequentemente, múltiplas dimensões” (Ibidem, p. 111), que se organizam em níveis de interesse na sociedade civil: a. associativismo local, como associações comunitárias da sociedade civil organizada (Ex. núcleos de sem-terra, sem-teto, piqueteiros, etc.); b. formas de articulação inter- organizacionais, como fóruns da sociedade civil, ONGs, etc. e c. mobilizações na esfera pública, como resultado da articulação dos dois níveis antecedentes, realizam grandes manifestações “com a finalidade de produzir visibilidade através da mídia e efeitos simbólicos para os próprios manifestantes” (Ibidem, p. 112), como por exemplo, a Marcha Nacional pela Reforma Agrária e a Parada do Orgulho Gay, como formas de ação equivalentes.

Um dos resultados da construção destas “redes” é a formação de um novo ativismo, que “se alicerça nos valores da democracia, da solidariedade e da cooperação” (Ibidem, p. 120), legitimando os fóruns como mediação entre os movimentos e o Estado, e protagonizando ações

orientadas aos mais excluídos, mais discriminados, mais carentes e mais dominados. [...] a divisão clássica (da militância) ‘think tanks’ (ou produtores de conhecimento), ativistas (ou cidadãs) e prestadoras de serviço (ou de caridade) tende a dar lugar a organizações que mesclam, cada vez mais, essas três formas de atuação” (Ibidem, p. 121)

Fontes (2006) critica esta forma de “militância” no espaço sacralizado da sociedade civil, mostrando que

[...] pela mesma brecha em que a filantropia se imiscuía na militância, nesse deslizamento da ‘luta social’ para estar a ‘serviço de’, desaparecia do horizonte a contradição entre fazer filantropia, ser militante e ser remunerado de maneira mercantil por essa atividade. (p. 347)

Eliminar contradições no espaço da sociedade civil nas sociedades contemporâneas é um resultado frequente das análises dos movimentos sociais a que nos referimos. Como afirma Vakaloulis “nessa sociedade “pós” qualquer coisa (pós-industrial, pós-moderna, pós-

salarial, pós-histórica...) onde o cuidar de si mesmo prevalece sobre o engajamento coletivo, o conflito social não é mais o que era” (1999, p. 232)143.

Percebemos que as teorias expostas acima se alinham na mesma perspectiva macroanalítica, que compartilham a ideia de declínio da centralidade do trabalho e, portanto, dos conflitos derivados desta: a ruptura entre a conflituosidade oriunda do trabalho e novas formas de conflitos, a concepção de uma espécie de horizontalidade entre as relações econômicas internacionais, derivada do processo de “globalização” e a inexorabilidade do fim da classe operária, de suas organizações e de toda a tradição marxista, incluindo o conceito (e evidentemente, a existência) das classes sociais144.

Vakaloulis faz um breve balanço das abordagens sobre o termo “movimentos sociais” que estão fora da tradição marxista, apontando quatro visões que, segundo o autor, devem ser descartadas. A primeira, positivista, considera os protestos como resultado da evolução do sistema social, sendo que as motivações e formas de comprometimentos dos indivíduos na ação coletiva não podem ser generalizados. Assim, “recusa qualquer conceito unificado de movimento social como uma totalização abusiva das lógicas e práticas de protesto” (2005, p. 130).

A segunda, essencialista, ao contrário, autonomiza o movimento como uma entidade provida de intencionalidade própria e desligada das relações ao seu redor, como um “ator social integral” e que “acima de tudo se coloca fora do campo da política e procura penetrá-lo por efração” (Ibidem, 131).

Há uma terceira visão “objetivista” que supervaloriza as determinações estruturais e nega as interferências conjunturais, levando a um conflito universal de sujeitos antagônicos pré-definidos.

A última, a visão “subjetivista”, exacerba a ação social dos atores, voltando-se para suas motivações e elementos simbólicos, limitando-se aos aspectos fenomenológicos e neste caso, a “ação de protesto aparece desprovida de [...] dimensão histórica” (Ibidem, p. 133).

Contrariamente a estas abordagens, Vakaloulis propõe o paradigma marxista do antagonismo social e ao fazê-lo critica o paradigma da exclusão social (1999). Para ele há uma transferência do centro da análise da produção para o mercado e tal acontece pela importância que o lugar do indivíduo no mercado de trabalho passa a ter, em detrimento de

143 “Dans cette societé “post-” quelque chose (post-industrielle, post-moderne, post-salariale, post-historique...)

où le souci de soi l´emporte sur l´engagement collectif, le conflit social n´est plus ce qu´il était”. Tradução da autora.

144 Na TPP o fim das classes é matizado, embora haja uma convergência entre o que é o marxismo e o

seu lugar na produção, vendo como sinônimos, trabalho assalariado e situação de emprego, da mesma forma que os tipos de ocupação, passam a ser vistos como estruturação social.

Por isso, é possível ao paradigma da exclusão social tratar a sociedade civil, como um emaranhado de muitos plurais, aceitos sem hierarquias (grupos, fóruns, ativismos, redes, etc.), o que dá a ilusão da sociedade como uma “imensa classe média” (1999, p. 229). Ao passo que a ofensiva neoliberal exacerbou a polarização social, mas mascara as relações de classe, não somente como um elemento ideológico, mas como instrumento político, que transforma a subproletarização em exclusão, e “perde, assim de vista, a íntima relação entre os processos que afetam no mesmo movimento, o ‘centro’ e as ‘margens’ do sistema social” (Ibidem, p. 235)145.

Os “descontentes”, então, são considerados como as novas classes perigosas e expressam uma conflituosidade descabida em uma sociedade que busca o consenso através de gestões que visam “pacificar” as contradições sociais, em que fica difícil discernir a “a luta contra a exclusão, do combate dirigido contra a exclusão dos excluídos” (Ibibem, p. 240)146.

Adotando o conceito de repertório de Charles Tilly, Vakaloulis busca analisar os movimentos sociais a partir de um arcabouço teórico que integre as esferas do econômico, político e ideológico, mas que tenha como central o antagonismo social que advém da contradição entre capital/trabalho e que se manifesta de maneira particular no capitalismo contemporâneo.

As mobilizações que aparentam ser fragmentadas e desconexas são reconhecidas por Vakaloulis (2002) como lutas que ocorrem fora do local de trabalho tradicionalmente relacionado à contradição de classe, ou seja, a fábrica, a empresa. Embora tais ações coletivas não sejam identificáveis pelo termo de conflitos do trabalho, estão relacionadas à subordinação salarial que transborda o local de trabalho e passa ao mundo do trabalho, existindo de várias maneiras, além da forma de submissão do trabalhador explorado pela extração da mais-valia, o que obriga o investigador a “redimensionar os contornos da problemática ‘classista’ que dificilmente pode ser confinada ao interior da empresa stricto sensu” (p. 124)147.

145 “[...] perdre ainsi de vue l´unité intime reliant les processus affectant dans le même mouvement le “centre” et

les “marges” du systhème social.” Tradução da autora.

146 Nesta passagem Vakaloulis faz uma análise teórica e não se refere a uma formação social específica. Embora suas análises estejam vinculadas aos conflitos franceses antineoliberais de 1995/1998, este trecho poderia perfeitamente tratar das “ações pacificadoras” nos morros cariocas no ano de 2010/2011.

147 “[...] les contours de la problématique ‘classiste’ que ne saurait guère se cantonner à l´intérieur de l´entreprise

Assim, as conseqüências do processo de dominação e opressão no capitalismo contemporâneo se manifestam em cada grupo de sujeitos mobilizados por demandas específicas, aparentemente focalizadas em aspectos isolados como cultura, direitos, reivindicações econômicas, mas “a transversalidade da modernização capitalista produz efeitos experimentados em diferentes graus” (p. 121)148 e que expressam um fio condutor entre as diversas ações coletivas.

A hipótese de Vakaloulis é que este elemento unificador

está no fato de que certos grupos sociais dominados entram em conflito, de forma direta ou indireta, com a materialidade das relações de poder e de dominação, mas também com o imaginário social marcado pela dinâmica de valorização/desvalorização (2005, p. 132)

e pela tentativa que os diferentes sujeitos coletivos tem de sair de uma condição de resignação, e que ao agir manifestam uma tendência à fragmentação e outra à unificação, que se misturam e se influenciam mutuamente.

A primeira remete as demandas supostamente particulares de cada ação mobilizatória, enquanto a segunda tendência indica as características comuns partilhadas pelos diferentes sujeitos organizados advindas da estrutura do sistema capitalista149.

Vakaloulis nos dá pistas importantes sobre como superar as análises parciais sobre os movimentos sociais, tais como a TMR, a TPP e, sobretudo, a TNMS, articulando elementos conjunturais e estruturais, objetivos e subjetivos.

Este autor integra um conjunto de intelectuais que se colocaram em oposição às visões pós-modernas que colocaram o trabalho como categoria ultrapassada para a compreensão das ações contestatórias na França dos anos 1990150 e que contribuíram sobremaneira para pensarmos a conexão entre movimentos sociais e classes. Segundo Galvão,

Distinguem movimento social de outras formas de expressão coletiva, que não se excluem mutuamente, para sustentar que nem toda ação coletiva é um movimento social. Este se caracteriza pela tendência à autonomia, por reivindicações explícitas, pela importância da oposição de classes na estruturação do movimento, pela emergência de solidariedade e pela necessidade de negociação (2008b, s/p)

148 “La transversalité de la modernisation capitaliste produit des effets ressentis, à des degrés inégaux”. Tradução

da autora.

149 A respeito da análise dos diferentes princípios de estruturação do espaço de contestação, ver o quadro em

Vakaloulis, 2002, p. 123.

150 Destacamos como obras que discutem os movimentos sociais nesta perspectiva: Béroud et al. (1998); Béroud,

(2002); Chauvel (2002); Aguitton e Bensaid (1997); Mouriaux (2003; 2005); Bihr e Pfefferkorn (2004); Lojkine, J, Cours-Salies, P.,Vakaloulis, M. (2006).

Esta definição de movimento social, embora seja bastante diretiva, não incorrendo no erro de que “tudo que se move em grupo” pode ser considerado movimento social, é ao mesmo tempo abrangente e restritiva. Isto porque movimentos da burguesia podem se opor à classe trabalhadora como estruturação do movimento e há movimentos populares que não são autônomos em relação ao Estado ou a partidos.

Na América Latina a produção intelectual de vertente marxista que analisa os movimentos sociais, cresce nos anos 90, pelos motivos já expostos e no Brasil, se fortalece (embora ainda bastante minoritária) nos anos 2000, através das publicações das revistas e congressos/encontros de temas marxistas151 que garantem um debate profícuo sobre o tema em seus números.

Dentre os intelectuais brasileiros deste campo, dialogaremos diretamente com Andréa Galvão e Jair Pinheiro que, embora não tenham uma obra sobre o tema, discutem em artigos uma proposta de análise marxista dos movimentos sociais.

Uma autora que discute longamente o tema dos movimentos sociais é Maria da Glória Gohn, realizando uma proposta teórico-metodológica de análise dos movimentos sociais na América Latina. Esclarecemos que não a incluímos neste debate, pois a autora se põe, no nosso entendimento, claramente fora do campo marxista, visto que nega algumas categorias- chave como luta de classes e a substitui por luta social, por considerar que “as classes se formam na luta” (2002, p. 248). Porém, considera que “classe se refere às ações dos indivíduos enquanto agentes produtores e reprodutores socioeconômicos” (Ibidem, p. 249), concluindo que tal categoria, “não dá conta de explicar todas as dimensões e fenômenos da vida social”(Ibidem, p. 240).

Gohn evidencia uma visão restrita do conceito de classe social e em sua análise prioriza o campo da política, se alinhando aos autores que criticamos anteriormente pela concepção parcial da análise da ação coletiva. Este posicionamento é evidente em sua conceituação de movimentos sociais como:

[...] ações sociopolíticas construídas por atores sociais pertencentes a diferentes classes e camadas sociais, articuladas em certos cenários da conjuntura socioeconômica e política de um país, criando um campo político de força social na sociedade civil. As ações se estruturam a partir de repertórios criados sobre temas e problemas em conflitos, litígios e disputas vivenciados pelo grupo na sociedade. (Gohn, 2002, p. 251)

151 Não faremos aqui uma listagem das revistas ou congressos/encontros considerados marxistas porque esta é

uma tarefa que demandaria uma definição e uma classificação que creio não traz benefícios às revistas ou a este trabalho. Deixamos em aberto, considerando a auto-afirmação como o critério mais razoável, embora não menos polêmico, de identificação.

Partir de uma análise pautada no debate marxista sobre os movimentos sociais não é uma tarefa fácil, pois embora a última década tenha sido produzidos ótimas análises sobre os movimentos sociais, concordamos com Galvão (2011) quando ela diz que ainda está para ser construída uma teoria marxista dos movimentos sociais. Outra questão a considerar é que, o campo a que chamamos marxista é vasto e conflituoso, sobretudo no que tange à categoria de classe e luta de classes.

Galvão parte do debate que ela estabelece entre Poulantzas e Bensaïd sobre o conceito de classe social, destacando que a posição de classe, ou seu lugar na produção social, não determina mecanicamente o posicionamento de classe no conflito político-ideológico no capitalismo, concluindo que “a exploração e a dominação de classes delimitam um campo de interesses, que vai ser construído na luta de classes” (2010, p. 110).

Se o posicionamento não corresponde à posição de classe, pode-se afirmar que haja diversas polarizações possíveis entre classes e frações de classes em distintas conjunturas. A autora parte, então, da conceituação de classes trabalhadoras como um “conjunto heterogêneo de diferentes classes sociais – que compreende o operariado, a pequena burguesia, o campesinato e as classes médias” (Ibidem, p. 110), a fim de evitar uma bipolarização de campos opostos: burguesia e proletariado, que não corresponderia à tendência de multipolarização do capitalismo contemporâneo.

Galvão formula três proposições de uma possível concepção marxista dos movimentos