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CAPÍTULO 1: CONTEXTUALIZAÇÃO TEÓRICO-CONCETUAL

3. AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM NO CONTEXTO ESCOLAR

3.1. Anomalia ou dificuldade de aprender como fator de risco

aquisição de conhecimentos e de competências. Trata-se de um processo, na medida em que não é algo momentâneo, mas que se realiza ao longo do tempo em interação com o meio ambiente. A aprendizagem apresenta um caráter pessoal resultante de fatores socioculturais, biológicos, bem como desenvolvimentais. Através da aprendizagem a criança vai-se adaptando a situações novas, inéditas e imprevisíveis. Foi na década de 60 do século passado, que surge o conceito de dificuldade de aprendizagem, afastando-se este conceito das questões de etiologia e convergindo para as características dos alunos (Lopes, 2010). Numa perspetiva educacional, as dificuldades de aprendizagem refletem uma incapacidade ou impedimento para a aprendizagem da leitura, da escrita, ou do cálculo ou para a aquisição de aptidões sociais. Isto quer dizer que os alunos com dificuldades de aprendizagem apresentam problemas na resolução de algumas atividades escolares e serem bons na resolução de

outras tarefas. Ou seja, em termos de inteligência, estes alunos geralmente estão na média ou acima da média (Alves, 2014).

Não há consenso na literatura em relação à definição de dificuldades de aprendizagem. Numa perspetiva orgânica significa desordens neurológicas que interferem na receção, integração ou expressão da informação, causando dificuldades significativas na aquisição de conhecimentos e uso da audição, fala, leitura, escrita, raciocínio, habilidades matemáticas ou habilidades sociais (Correia e Martins, 2005). No âmbito educacional, as dificuldades de aprendizagem refletem uma incapacidade ou impedimento para aprender algo ou para adquirir aptidões sociais (Correia, 2008). As dificuldades de aprendizagem não devem ser tratadas como se fossem problemas insolúveis, mas como desafios que fazem parte do próprio processo da aprendizagem dos alunos.

Efetivamente a dificuldade de aprendizagem deriva de duas questões importantes no contexto escolar:

(a)-A sua relação com o conceito de aprendizagem, que tem subjacente definições de diversas teorias, que compreende o fenómeno aquisitivo do aluno, muito dependente da sua bagagem hereditária ou capacidades e, ainda do leque de estímulos formativos da sua personalidade. Neste sentido é fundamental a necessidade de apoio e orientação escolar (e pessoal e social). Consideramos que a aprendizagem decorre de diferentes referenciais teóricos (teorias ou modelos de aprendizagem), que analisam e desenvolvem bases científicas sobre como deve ser aprendizagem. Desta maneira, podemos referir: a Piaget (ênfase no cognitivismo) onde o desenvolvimento humano consiste em se alcançar o máximo de operacionalidade em suas atividades motoras, mentais, verbais e sociais, tendo assim uma aprendizagem intimamente relacionada a tal operacionalidade; a Vygotskji (ênfase à interação social) onde a linguagem e o pensamento são fatores fundamentais do desenvolvimento humano; ou a H. Wallon (ênfase à psicogenética) onde o principal fator para o sujeito interagir com o meio, ou seja, sair da condição do eu para o mundo, é a partir da afetividade que é resultado das emoções.

(b)-O ato de aprender (processo de aquisição relacionado com a ação professor- aluno) que exige condições e que por vezes é influenciada por fatores anómalos ao processo de aprendizagem e que impede o aluno de aprender normalmente.

Daí que as dificuldades de aprendizagem constituem impedimentos que tanto podem ser ténues/fracos e facilmente ultrapassados, como podem ser fortes e duradouros e, nem sempre possíveis de detetar as suas causas. Assim, qualquer dificuldade de aprender relaciona-se com anomalia(s) no aprender, constituindo manifestações da criança no momento de aquisição de conhecimentos e na execução de tarefas, muito dependente das condições envolventes onde se realiza as suas aprendizagens (formais e não-formais) no ato educativo. O entramado etiológico do conceito de dificuldade de aprendizagem integra manifestações no educando: hiperatividade e/ou impulsividade; afetivo-emocionais; espaciais; de atenção e concentração; de memória e pensamento (pôr em ação as ideias); de

linguagem e comunicação; questões neurológicas; comportamentais; etc. A criança apresenta várias dificuldades provenientes de causas relacionadas com as suas aptidões ou capacidades intrínsecas, emocionais (perturbações, desequilíbrios ou alterações) e sociais, de rendimento ou aproveitamento (aquisição, execução de tarefas e clarificação de valores) com insucesso escolar, nas relações sociais, problemas de estudo (causadores de ansiedade e estres), problemas ambientais (interação com o meio que a envolve), etc.

É óbvio que existe crianças com dificuldades de aprender uma discrepância significativa entre aquilo que se espera deles em função da idade e nível de ensino e aquilo que efetivamente realizam/executam na escola. Há nelas uma incapacidade de desempenhar as suas atividades ou tarefas (básicas) com sucesso e, por isso, tendem a dispersar-se (falta de atenção) e a desinteressar-se pelos temas e conteúdos essenciais à sua aprendizagem. Esta etiologia de ‘dificuldade de aprender’ passa por ser auditivo- linguística, visual-espacial, motora, organizativa, socio-emocional e no rendimento escolar com sucesso. Desta forma, na análise a este termo de ‘dificuldade de aprendizagem’ há fatores orgânicos, educacionais e ambientais determinantes. Um deles é o aspeto social e emocional, que afeta as crianças com dificuldades de aprendizagem nas suas relações com os outros colegas ou seus pares, ao nível do comportamento e conflitos que geram.

Evidentemente que a dificuldade de aprendizagem é sempre uma manifestação de desequilíbrio ligada às questões emocionais e pode ter origem em algum problema familiar, na relação pedagógica ‘professor-aluno’, na falta de perceção dos pais e professores sobre as reais necessidades da criança, no número excessivo de alunos por sala, nas expetativas dos pais/família com relação à aprendizagem dos filhos, dentre outros. Ora estes fatores devem-se ter em conta antes de etiquetar o problema alegando que o aluno é desinteressado, preguiçoso, incumpridor, não gosta da escola, etc. É sabido que a aprendizagem se relaciona com os estímulos recebidos e captados pelos órgãos dos sentidos e que, entre outras estruturas do cérebro, se conectam também com as amígdalas cerebrais, responsáveis por nossas emoções, não havendo separação entre aprendizagem, cérebro e afetividade (Spitzer, 2007).

A forma como somos estimulados, motivados a acreditar em nossas capacidades, nos impulsiona a aprender ou não. O clima emocional em que estamos inseridos e a qualidade das nossas relações são determinantes para enfrentar os desafios de cada etapa da aprendizagem (Pereira, 2011). As emoções influenciam tudo em nossa vida, seja de forma positiva ou negativa, e, igualmente no processo de ensino-aprendizagem (Bisquerra, 2003). Como pode um aluno prestar atenção em algo (conteúdo) quando está ansioso, triste ou com pensamento negativo? Nessas situações, a sua concentração fica deficitária, prejudicando a sua capacidade de perceber, compreender e assimilar as informações. E uma criança com dificuldade de aprendizagem não consegue entender o que se passa com ela, com suas emoções e, também com as emoções dos outros (Bisquerra, 2009). Assim, essa dificuldade de expressar (autoconhecimento) do que sente, leva-o a estar inseguro e acredita que não tem potencial intelectual para realizar qualquer atividade, pois esse estado emocional mina a sua autoestima e prejudica o seu desempenho. Ora esse trabalho de como educar as

emoções e a inteligência emocional na criança começa no ambiente e dinâmica familiar, na observação dos pais/encarregados de educação sobre qualquer alteração de comportamento, por exemplo, como apatia, agitação ou dores de cabeça, dores de estomago, ansiedade e estresse. É preciso estimulá-los a expressarem o que sentem, a conhecerem as suas emoções e a dos outros e a ter capacidade para desenvolver habilidades sociais e emocionais ((Valgôde, 2016).

Na verdade, as dificuldades de aprendizagem correlacionam-se com fatores de risco, que integram acontecimentos/eventos negativos ocorridos na vida do aluno e que, quando estão presentes, aumentam-lhe a probabilidade de que ele venha a apresentar problemas de ordem física, social ou emocional e, por isso, prejudicam a sua adaptação e normalização do seu processo educativo e, ainda geram uma organização patológica de sistemas biológico, emocional, cognitivo, linguístico, interpessoal e representacional. A presença desses fatores de risco não significa, necessariamente, que o aluno venha a ter algum problema no seu desenvolvimento, uma vez que a vulnerabilidade varia de um aluno para aluno, sendo importante considerar a extensão e forma como cada um experiência os fatores de risco em função de sua história (Lopes, 2010). Em contraposição ao risco, existem fatores de proteção, por exemplo as influências ambientais e as características do próprio aluno, que provocam uma modificação nas respostas a esses processos de risco (Martínez; García; Montoro, 2004).

De facto, as dificuldades de aprendizagem como fatores de risco, causadores de problemas psicossociais, são indicadores, segundo alguns estudos, de impacto no desenvolvimento das dificuldades de aprendizagem no processo educativo do educando, mesmo estando associadas a alguma outra condição (Correia, 2008). Podemos indicar as seguintes dificuldades de aprendizagem como fatores de risco: o fraco rendimento ou desempenho escolar (insucesso escolar) associado a problemas socio-emocionais, o que implica a existência de um fator de risco causador de distúrbios psicossociais posteriores, em especial na adolescência, para além, dos défices em habilidades de solução de problemas interpessoais, de indagação e pesquisa e de problemas de comportamento. É verdade, que há uma associação de défices de habilidades sociais nos alunos como fatores de risco, já que apresentam no dia-a-dia escolar dificuldades de aprendizagem, quer ao nível do desenvolvimento de competências sociais, quer em fatores de proteção e resiliência no seu desenvolvimento (Correia e Martins, 2005).

Na escolarização encontramos crianças que têm dificuldades em aprender, já que existe uma sobreposição de diversos fatores de risco, como meio sociocultural e económico de proveniência, ambiente e conflitos familiares, manifestação de violência, maus tratos familiares, entre muitos outros (Sanches; Teodoro, 2006). Ou seja, essas crianças escolares manifestam dificuldades académicas (ou insucesso escolar) associadas a prejuízos de ordem emocional e comportamental (baixa autoestima e autoeficácia, desmotivação, expetativas negativas dos professores, défice de habilidades sociais, comportamentos antissociais ou de inadaptação social) (Valgôde,

2016).Contudo, nem sempre a dificuldade de aprendizagem aparece como fator de risco isolado, pois associa-se a problemas socio-emocionais e comportamentais os quais influenciam o normal rendimento da criança ao nível escolar (Baimore, 2001). Porém, não é simples afirmar que uma determinada condição psicossocial atua como causa ou consequência na vida escolar da criança, pois ao apresentar dificuldades no aprender, provavelmente, já tenha passado por diversas cadeias de circunstâncias desfavoráveis para o seu desenvolvimento educativo e, por isso, essa(s) dificuldade(s), ao persistir, acarretam novos prejuízos psicossociais, que contribuem a manter a intensificação dos próprios problemas de aprendizagem (Correia, 1991; Correia, 2008).

3.2. Os aspetos sócio-emocionais e as dificuldades de aprendizagem