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Como pudemos verificar em todas estas interpretações clássicas, não é necessário a existência de um perigo real para que surja ansiedade. Por vezes é a incapacidade para sabermos do que é que estamos receosos, que torna a ansiedade tão penosa e desconfortante. Neste sentido a ansiedade está relacionada segundo alguns autores com o estado emocional do medo, partilhando com ele as previsões desagradáveis acerca do futuro e a sua base na memória e experiências passadas (Vaz Serra, 1980). Contudo, outros autores, separaram a ansiedade do medo, encarando-o como uma reacção de defesa a um objecto presente, enquanto a ansiedade prefigura na sua estrutura um perigo mais vago e incerto (Spielberg, 1989). Levitt (citado por Vaz Serra, 1980) assinala que vários teóricos têm proposto que o termo ansiedade deve ser reservado para o medo gerado por uma fonte desconhecida. Contudo, a diferença não é assim tão linearmente estabelecida se tivermos em conta o papel que os processos cognitivos desempenham nas perturbações emocionais. Para Vaz Serra (1980) a forma como o indivíduo avalia as situações futuras pode determinar ansiedade.

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Segundo Vallejo (1991) a ansiedade é uma reacção emocional e necessária para a auto-preservação. Contudo, ao versar descritivamente sobre anomalias cuja proporção, intensidade e duração, estão relacionadas com a sua índole psicológica e biológica poderá ser conceptualizada como ansiedade patológica. Biondi (1988) enumera quatro critérios para se distinguir a ansiedade normal da patológica:

- intensidade, frequência e duração da ansiedade;

- proporção entre gravidade da situação objectiva e resposta ansiosa do indivíduo;

- grau de sofrimento subjectivo determinado pela ansiedade;

- grau de comprometimento e da autonomia e capacidade de funcionamento psicossocial do indivíduo.

Enquanto que na ansiedade normal os episódios emocionais são de intensidade moderada, com pouca frequência e duração limitada no espaço e no tempo, na ansiedade patológica são de grande intensidade e duração. No que se refere às consequências, na ansiedade normal há apenas um ligeiro comprometimento da autonomia do indivíduo; pelo contrário, na ansiedade patológica esse comprometimento é visível e a redução do funcionamento

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social do indivíduo é bastante significativa. Assim, como já referimos, embora a ansiedade funcione como fonte impulsionadora comportamental, no sentido de ultrapassar, eliminar ou resolver ameaças, por outro lado, na sua forma patológica torna-se uma fonte de mal-estar e de comprometimento funcional do indivíduo, diminuindo a capacidade de relacionamento interpessoal e de satisfação e rendimento no desempenho das tarefas do trabalho (Biondi, 1988).

A importância que a ansiedade assume na vida das pessoas, deve-se ao facto de que, os sintomas ansiosos, estão na realidade entre os mais comuns, podendo ser encontrados em qualquer pessoa em determinados períodos da sua existência.

Como sintetiza Picado (2005), o conceito de

ansiedade, traduz as seguintes características:

- É um estado emocional, com a experiência subjectiva de medo ou outra emoção relacionada, como terror, horror, alarme, pânico.

- A emoção é desagradável, podendo ser uma sensação de morte ou colapso iminente.

- É direccionada em relação ao futuro. Está implícita a sensação de um perigo iminente. Não há um risco

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real, ou se houver, a emoção é desproporcionalmente mais intensa.

- Há desconforto corporal subjectivo durante o estado de ansiedade. Sensação de aperto no peito, na garganta, dificuldade para respirar, fraqueza nas pernas e outras sensações subjectivas.

- Ocorrem manifestações corporais involuntárias, como secura da boca, suores, arrepios, tremor, vómitos, palpitação, dores abdominais e outras alterações biológicas e bioquímicas detectáveis por métodos apropriados de investigação.

Lewis (1979), lista alguns outros atributos que podem ser incluídos na caracterização do construto de ansiedade, nomeadamente:

- Ser normal (por exemplo: um professor frente a uma situação de exame) ou patológica (por exemplo: os perturbações de ansiedade);

- Leve ou grave;

- Prejudicial ou benéfica; - Episódica ou persistente;

- Ter uma causa física ou psicológica;

- Ocorrer sozinha ou junto com outro transtorno (Por exemplo a depressão);

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Pelo descrito, podemos concluir que o conceito de ansiedade não envolve um construto unitário, principalmente no contexto psico-patológico. A ansiedade pode ser generalizada ou focada em situações específicas, como nos transtornos fóbicos. A ansiedade não-situacional pode ter um início recente ou configurar-se como característica persistente da personalidade do indivíduo.

A etiologia da ansiedade é multifactorial, envolvendo aspectos psicossociais e biológicos. Os aspectos psicossociais, estão relacionados com diversas situações que envolvem perigo ou ameaça. Nessas situações, um estado de alerta é essencial para a auto-defesa do indivíduo. No entanto algumas pessoas tendem a sobre-estimar a situação de perigo desenvolvendo estados de ansiedade excessivos e incapacitantes. A forma como as situações são interpretadas pelo indivíduo tem um valor potencial para o surgimento ou não de algum quadro de uma perturbação da Ansiedade (Biondi, 1988). Para Graeff & Brandão (1997) existem factores biológicos associados a neurotransmissores que exercem um papel fundamental no controle da ansiedade, onde se destacam a serotonina e o ácido gama-aminobutírico (GABA) como os mais importantes. Trata-se de dois neurotransmissores inibitórios, que controlam a resposta ao stress. Assim, quando ocorre uma alteração desses

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neurotransmissores no Sistema Nervoso, surgem estados de ansiedade.

Até aqui temo-nos reportado à ansiedade em sentido geral, distinguindo a ansiedade normal (boa ansiedade) da ansiedade patológica (má ansiedade). Contudo, a ansiedade patológica não é um conceito unitário, podendo estar associada a diferentes tipos de perturbações da ansiedade. Trata-se de quadros patológicos em que há a presença de uma ansiedade acentuada, que desempenha um papel fundamental nos processos comportamentais e psíquicos do indivíduo, causando-lhe prejuízos no seu desempenho interpessoal e profissional (Gentil, Lotufo-Neto, Bernick 1997). As perturbações da ansiedade são as enfermidades mentais que ocorrem com maior frequência na população geral.

Não obstante, este trabalho não versar sobre nenhuma das perturbações da ansiedade em particular (considerando somente a ansiedade em geral na sua forma patológica), na secção das perturbações da ansiedade o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – Fourth Edition (DSM-IV) (American Psychological Association (APA), 1994) distingue pelo menos 14 perturbações da ansiedade que, enunciamos em seguida: Ataque de Pânico, Agorafobia, Perturbação de Pânico sem Agorafobia,

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Perturbação de Pânico com Agorafobia, Agorafobia sem História de Perturbação de Pânico, Fobia Específica, Fobia Social, Perturbação Obsessivo-Compulsiva, Perturbação Pós- Stress Traumático, Perturbação Aguda de Stress, Perturbação de Ansiedade Generalizada, Perturbação de Ansiedade Provocada por Um Estado Físico Geral, Perturbação da Ansiedade Induzida por Substância e Perturbação da Ansiedade sem Outra Especificação.

Em suma, pelo exposto neste sub-capítulo sustentamos que os modelos cognitivos da ansiedade mostram que, mais do que um estado emocional, a ansiedade deve ser vista como um modo de processamento da informação e que, por consequência, ela influência a atribuição da qualidade ansiogénica às transacções. Na ansiedade patológica, a par de um modo geral de processamento de informação, existem igualmente modos específicos, as perturbações da ansiedade.

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Incidência da ansiedade

Os doentes que recorrem a ajuda médica por sintomatologia ansiosa constituem uma parte significativa do trabalho dos clínicos gerais/médicos de família e dos especialistas. Infelizmente, a patologia ansiosa, passa muitas vezes despercebida e poucos doentes recebem tratamento adequado, chegando mesmo a não ser tratados (Montgomery, 1990).

Os estudos epidemiológicos revelam que cerca de 15% da população em geral sofre de ansiedade durante o período de um ano, o que coloca a perturbação no quadro das doenças mais correntes (Burke; Regier; Chirstie, 1998). Estudos de larga escala, levados a cabo nos EUA permitem precisar uma percentagem de perturbações ansiosas de 8,9% durante 6 meses e de 14% ao longo da vida (Weissan; Leaf; Tischler; Blazer; Karno; Livingston Florio, 1998). Além disso, os níveis de morbilidade foram obtidos com base em critérios sindromáticos bastante rígidos, os quais excluíam os casos que não preenchiam todos os critérios de diagnóstico de uma síndrome que pudesse ser bem definida.