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3. A Avaliação Psicológica

3.1. Antecedentes Históricos

A avaliação psicológica tal como a conhecemos hoje tem vindo a sofrer grandes alterações ao longo do tempo. As suas raízes remontam à antiguidade. Há cerca de 3000 mil anos, os chineses já utilizavam testes escritos no serviço civil e, igualmente, entre os antigos

gregos, a testagem de capacidades físicas e mentais era utilizada, para fins educacionais. Na idade média, as universidades europeias utilizavam exames formais para conceder graus e honras. No entanto, o desenvolvimento sistemático de testes psicológicos é um fenómeno relativamente recente, ganhando relevância a partir do século XIX, uma vez que foi neste período que se testemunhou um intenso despertar do interesse pelo tratamento humano das pessoas com deficiência mental (Anastasi & Urbina, 2000). Todavia, os primeiros psicólogos experimentais não estavam interessados em medir as diferenças individuais, mas antes, formular descrições generalizadas do comportamento humano.

A criação, neste período, de instituições sociais vocacionadas para o acompanhamento de pessoas com deficiência mental veio alertar para a necessidade de se criarem padrões de admissão e um sistema objectivo de classificação, de forma a diferenciar os deficientes mentais e as pessoas com perturbações do foro psiquiátrico. Esquirol e Seguin, em meados do século XIX, focaram o seu trabalho nesta distinção e no estabelecimento de formas objectivas de diferenciação de graus de deficiência mental. Mais de meio século depois, o psicólogo francês Alfred Binet insistiria que as crianças, que não conseguiam responder à escolarização normal, fossem examinadas antes de ser excluídas ou enviadas para classes especiais.

As contribuições do biólogo inglês Galton para a psicologia científica foram de singular importância. São conhecidos os testes de descriminação sensorial aplicados no seu laboratório antropométrico. Galton foi, igualmente, pioneiro no desenvolvimento de métodos estatísticos para a análise dos dados sobre as diferenças individuais, trabalho este continuado por um dos seus discípulos, de nome Pearson, e que hoje associamos ao procedimento estatístico de análise de correlação, com o mesmo nome (Anastasi & Urbina, 2000).

Cattell, influenciado pelos trabalhos de Galton, em 1890, utiliza pela primeira vez o termo “teste mental”. No seu artigo, descreve uma bateria de testes aplicados a estudantes universitários, de natureza sensoriomotora (muito semelhantes os que Galton havia utilizado, nomeadamente, medidas de força, tempos de reacção, sensibilidade à dor), na tentativa de determinar o seu nível intelectual. De entre as primeiras baterias de testes criadas, para além da já referida, destaca-se a que Kraepelin criou, em 1895, a qual visava medir os factores básicos na caracterização de um indivíduo, uma vez que o seu interesse era o exame clínico de doentes psiquiátricos. A sua bateria incluía medidas de memória, susceptibilidade à fadiga e distracção. Criticando a maioria dos testes existentes, por se centrarem apenas na medição de

propriedades sensoriais e funções simples, Binet e Henri, em 1895, alertaram para a necessidade de se medirem funções mais complexas tais como a memória, a imaginação, a atenção, a compreensão, entre outras, tendo proposto uma lista extensa de testes que as avaliassem.

Podemos dizer que uma importante necessidade prática foi o motor para o desenvolvimento dos principais testes psicológicos. A história dos testes de inteligência é um forte exemplo disso e não a podemos, de forma alguma, dissociar da história da psicometria, enquanto disciplina. Efectivamente, Binet foi o pai do primeiro teste de inteligência. A primeira escala, preparada em parceria com Simon, surgiu em 1905, em resposta ao pedido do ministério de educação para estudar os procedimentos que deveriam ser utilizados com crianças deficientes mentais. Esta escala, que foi sujeita a revisões em 1908 e 1911, era, inicialmente, composta por trinta testes, organizados por ordem crescente de dificuldade, e que abordavam funções como a compreensão, julgamento e raciocínio, considerados componentes essenciais da inteligência. Em 1916, Terman procedeu a um nova revisão da escala, na qual apareceu, pela primeira vez, o quociente de inteligência (QI), resultando na conhecida Escala de Inteligência de Stanford-Binet. Se a população - alvo era crianças dos 3 aos 13 anos, a sua última revisão permitiu o alargamento dos procedimentos de aplicação para os adultos (Murphy & Davidshofer, 2005). Algum tempo depois, David Wechsler, notando a necessidade de um teste semelhante para avaliação das capacidades intelectuais no adulto, cria a escala de inteligência Wechlser-Bellevue, precursora das actuais escalas de inteligência de Wechlser.

Apesar dos testes de inteligência providenciarem um método fiável de avaliar as capacidades mentais, estes não eram indicados para aplicação em larga escala. Com a súbita entrada dos Estados Unidos da América na Primeira Guerra Mundial, a testagem de grupo acabou por ser introduzida, respondendo a uma necessidade prática urgente do exército. Testes como o Army Alpha e Army Beta ficaram conhecidos pela sua utilidade no recrutamento ou rejeição de candidatos para o exército, dispensa do serviço militar, designação para diferentes tipo de serviço ou admissão em campos de treino militar (Anastasi & Urbina, 2000; Murphy & Davidshofer, 2005).

Embora os testes de inteligência tenham sido originalmente planeados para experimentar uma variedade ampla de funções, a fim de estimar o nível intelectual geral do

indivíduo, logo ficou claro que esses testes eram bastante limitados no seu alcance. Gradualmente, os psicólogos reconheceram que o termo “teste de inteligência” não era adequado, uma vez que apenas certos aspectos da inteligência eram medidos por esses testes. A década de 40 do século XX viu, por isso, nascer os testes de aptidão especial, em particular nas áreas do aconselhamento vocacional e na selecção e classificação de pessoas para determinadas tarefas. A justificação para a utilidade destes testes foi dada pelo desenvolvimento da metodologia da análise factorial, a qual permitiu a criação de baterias de aptidões múltiplas e possibilitou uma análise intra - individual dos desempenhos dos sujeitos em vários testes.

Algumas décadas mais tarde, sobretudo entre os anos 60 e 80, assistiu-se ao surgimento de novas áreas da psicologia aplicada, como a neuropsicologia ou a psicologia da saúde, e o desenvolvimento de técnicas de avaliação psicológica em pessoas com doenças específicas.

No final do século XX, a avaliação psicológica tende a diferenciar-se, substancialmente, consoante o contexto de aplicação. Nas palavras de Ribeiro (2007),

“(…) de um início em que a avaliação psicológica recorria aos mesmos instrumentos aplicados com os mesmos procedimentos, comparados com as mesmas normas, quer se tratasse de contexto educacional, empresarial, de justiça ou de saúde, chegou-se a uma época em que o contexto impõe regras à avaliação psicológica, tornando, por exemplo, uma instrumentação que é adequada a um contexto educacional, imprópria em contexto de saúde (…)”(p. 23).

3.2. A Métrica da Avaliação: As Propriedades Psicométricas dos Testes