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Este capítulo aborda o período de transição da indeterminação funcional

para a pré-determinação funcional na habitação19.

Perante a evolução da concepção do espaço da habitação distinguem-se dois

entendimentos fundamentalmente distintos: o primeiro até à Revolução Industrial20, caracterizado pela função dos espaços ser fundamentalmente estabelecida pela apropriação e uso; o segundo, pós Revolução Industrial, caracterizado pela pré- determinação funcional destes espaços.

No primeiro caso, a concepção da habitação era caracterizada por uma abordagem em que a organização e estruturação dos espaços não era conduzida por considerações de ordem funcional, ou seja, os usos e funções não eram pré- determinados nem muito menos assumidos como base projectual.

No segundo caso, o referencial de partida para a concepção do espaço da casa assenta na função e a habitação é desenhada de acordo com a pré- determinação funcional dos espaços. A unidade habitacional passou a ser uma

antecipação da forma de habitar, com determinadas funções que se tomaram como

inalteráveis ao longo do tempo. O objectivo é o de acabar com a promiscuidade no interior doméstico. A necessidade de privacidade (imposta pela evolução dos cânones da sociedade) veio alterar para sempre o entendimento do espaço da habitação.

A charneira entre as duas épocas estabelece-se com a obra de Auguste Perret. Há uma transposição para a organização do espaço de regras racionais, espaço esse agora liberto das regras de composição clássicas e cabalistas. Nota-se ainda na sua obra uma certa indeterminação dos espaços mas já a caminhar para

uma organização dos espaços da habitação tendo em conta a sua função21.

A análise do espaço habitacional pré-determinado funcionalmente divide- se ainda em dois momentos: um primeiro, preocupado em dar resposta às necessidades da sociedade pós-revolução industrial, e um segundo, no qual se acredita que a Arquitectura pode moldar a sociedade. Neste segundo período já não se quer responder às necessidades da sociedade; é antes a própria Arquitectura que cria e formula as necessidades da sociedade. A Arquitectura define a sociedade.

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Com especial referência à habitação de massas, colectiva.

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A Revolução Industrial irá criar um novo conjunto de condições culturais e científicas, que terão como consequência uma abordagem diferente no campo da arquitectura da habitação.

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No caso de Perret, há já uma divisão de movimentos dentro da casa: dois tipos de percursos são pensados dentro da habitação - o dos criados, que é feito através de um corredor, e o dos donos da casa. No entanto, este percurso dos donos dentro da casa une os vários compartimentos. Por esta e por outras razões, este arquitecto é considerado a charneira entre o pré-modernismo e o modernismo.

O primeiro período, o do racionalismo moderno, consolida uma nova doutrina moderna. Este período ainda não é purista. Entre outros surgem modelos ecléticos, cujo exterior não espelha o interior. Mas é o início consciente da Modernidade e do surgimento de uma nova arquitectura, em ruptura completa com o Passado Clássico. O essencialismo formal é já a consolidação deste período - o exterior espelha por completo o seu interior. Exterior e interior são dependentes um do outro, complementam-se. Tem-se o exemplo de Rietveld e da sua Casa Schröeder, de 1924, de Gropius e da sua Bauhaus.

A exposição que mais interesse teve em termos do estudo da habitação nesta época foi a Weissenhof Siedlung, nos arredores de Estugarda, em 1927. Mies Van der Rohe, a convite da Deutscher Werkbund, planeou o espaço, elevando todas as edificações em pilotis. Convidou quem ele considerava serem os arquitectos mais relevantes da época para darem a sua contribuição acerca do problema não resolvido da habitação: Corbusier, Bruno Taut, Hans Scharoun e Peter Behrens, tal como J.J.P. Oud conceberam modelos habitacionais para esta exposição.

Estrutura-se uma maneira totalmente nova de pensar o espaço da habitação de que é exemplo o trabalho de Alexander Klein, com o estudo das áreas mínimas, e o dos movimentos e dos percursos do ocupante dentro da casa.

O segundo período é a consolidação do Movimento Moderno, através da Carta

de Atenas e do Estilo Internacional. Já não se pretende somente dar melhores

condições de vida às pessoas; a arquitectura e o urbanismo passam de um papel de reposta a necessidades para a antecipação do futuro, deles se esperando a capacidade de influir na sociedade. A arquitectura passa a ter uma função didáctica; é uma ferramenta de actuação social – quer-se educar as pessoas de modo a que se tornem cidadãos exemplares. Acredita-se que a Arquitectura pode influenciar e

reformar a sociedade.

Os arquitectos desta altura acreditam que a sua arquitectura é tão forte que deverá ser um estilo, um conjunto de regras, aplicado em todo o Mundo. A habitação será a mesma na Índia ou na França, para reflectir não a sociedade presente mas uma sociedade ideal.

Com o final da segunda Grande Guerra Mundial, a construção de habitação colectiva tornou-se uma necessidade real, de modo a se alojar toda a população que ficou sem habitação – estudar-se-á a estandardização e racionalização na Unidade de Habitação de Marselha, 1952, de Corbusier.

Após se ter feito a análise do racionalismo e pré-determinação funcional introduzida pelo Movimento Moderno, interessa reflectir sobre a habitação

contemporânea e sobre as suas heranças, designadamente as que decorrem da pré-

determinação funcional dos espaços da habitação.

Analisar-se-á ainda a obra de alguns ateliers que estão a tentar ir contra esta tendência: Peter Märkli; Christian Kerez; EM2N, entre outros exemplos. É importante perceber que novas reflexões é que se estão a fazer na habitação colectiva contemporânea. Será que se está a assistir por fim ao nascimento de uma habitação que tenta responder às necessidades do seu ocupante e que se consegue adaptar a estas?

Por fim, far-se-á a síntese das diferenças entre a habitação pré-moderna e

moderna, de modo a se perceberem as respectivas implicações ao nível do uso,

apropriação e interacção entre habitantes e espaços de habitar. Esta síntese será acompanhada por uma reflexão acerca da ascensão da identidade na sociedade e do conceito de privacidade, bem como da evolução da composição da unidade habitacional.

5.1

O pré-modernismo – a indeterminação funcional dos espaços na