6.3 N J Habraken – ‘A Teoria dos Suportes’
5) Incorporar o elemento da mudança, do tempo e da transformação.
A Teoria dos Suportes tem como objectivo inserir as variáveis tempo,
mudança e transformação na equação do desenho da habitação, ao mesmo
tempo que o ocupante passa a ter um papel activo no processo de concepção da
habitação.
O objectivo é o de criar uma estrutura arquitectónica e urbana que seja capaz de evoluir e de se ir adaptando ao contexto ao longo do tempo. Para Habraken, a
estrutura do ordinário é a estrutura que tem uma maior capacidade de se ajustar tanto à mudança, à alteração, como à permanência.
Pode-se aqui ver um paralelismo com a teoria defendida por Ignacio Paricio, analisado mais à frente: a habitação-caixa, a habitação-inacabada, a habitação-oficina. O mais básico possível, uma caixa, com uma malha estrutural regrada e clara, de planta livre, uma habitação capaz de ir sendo alterada ao longo do tempo, consoante as necessidades do ocupante. O ordinário tem de ser a base da nova habitação. O
inacabado. O incompleto.
Está criado um paralelismo entre este novo tipo de habitação e o edifício de escritórios: também ele é constituído por um espaço em aberto, formado apenas pela estrutura e infraestruturas, podendo o interior ser compartimentado e alterado consoante as necessidades mutantes do seu ocupante. A fachada é neutra: é um grande plano de vidro que acomoda uma infinita variedade de divisões interiores. Habraken conclui que o edifício de habitação tem muito a aprender com o edifício de escritórios.
A concepção daquilo que é um arquitecto será então também alterada: o arquitecto é agora alguém que projecta o Suporte e aí acaba o seu papel; a unidade de habitação, os seus constituintes, será manufacturada pela indústria e escolhida pelo ocupante. O arquitecto, de artista e criador de elementos únicos e
independentes, passaria a um personagem anónimo, humilde.
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Segundo Habraken, aqui estão as bases para a criação de uma nova noção de arquitectura. A arquitectura sem arquitectura, pensada para o individual e não para o anónimo, mas feita por um anónimo.
Como conclusão, ficam três pontos: - A habitação deve ser diversa;
- A habitação deve ser capaz de aceitar a mudança e a transformação. Deve ser algo dinâmico, adaptável, e não estático;
- A habitação deve incluir o ocupante como parte integrante no processo de tomadas de decisão.
Uma habitação colectiva que tem lugar para o individual, para a identidade mas que, ao mesmo tempo, aproveita os métodos construtivos da estandardização exactamente para conseguir esta variedade de necessidades.
A habitação entendida enquanto uma ACÇÃO em vez de um objecto de consumo.
A sua abordagem foi completamente inovadora: no início da década de 60 (1961) Habraken percebeu que a habitação teria de conseguir ser adaptável de modo a não se tornar obsoleta.
Alguns arquitectos seguiram esta nova abordagem da habitação colectiva. Observe-se o seguinte exemplo, dos irmãos Luc e Xavier Arsène-Henry. Em 1971, defendem que o ocupante deveria ter a possibilidade de definir o seu próprio espaço, de o personalizar, desenharam uma série de edifícios inovadores, nos quais os seus futuros ocupantes determinavam o layout do seu apartamento.
Cada ocupante decidiu o tipo e o número de quartos, a sua localização, e ainda a imagem da fachada. O apartamento era constituído por um pavimento em betão que oferecia entre 40 a 120 m² de área livre, sem paredes ou pilares que pré- determinassem o espaço à partida. Como resultado, os planos feitos pelos ocupantes nunca teriam saído das mãos de um arquitecto. Reflectiam ideias muito individuais.
Figura 104 Arquitectos: irmãos Arsène-Henry Torre de apartamentos em França, Montereau 1971
O input dos ocupantes foi levado ainda mais em conta no conjunto habitacional Molenvliet (figura 105), em Papendrecht, 1977, projectado por Frans van der Werf, arquitecto que Habraken conhecia desde a Universidade e que tinha trabalhado no
SAR136 durante uns anos. Van der Werf desenhou cerca de 123 habitações, baseado
na ideia do suporte e do recheio. Os moradores podiam escolher em que local é que queriam habitar, assim como dizer quais as suas necessidades e como é que queriam a sua habitação. Van der Werf falou duas vezes com cada ocupante, de modo a
cumprir todas as suas exigências137.
Figura 105
Frans van der Werf, Molenvliet, Papendrecht,1977
Em 1964, é criado o S.A.R., uma fundação de pesquisa arquitectónica, na qual Habraken pôde desenvolver as suas teorias. O principal objectivo do SAR era o de criar estrutura de suporte estandardizadas, ou seja, o de integrar os métodos construtivos industriais no desenho da habitação.
O conceito de Habraken, da divisão da habitação em duas partes (Suporte + recheio) é o seguido. No entanto, o Suporte é substituído pelo termo ‘estrutura de suporte estandardizada’. O que interessa é então a união desta teoria com a
estandardização.
Para além disso, é ainda introduzido o conceito de módulo, algo não proposto por Habraken no seu manifesto Supports. Este módulo é um múltiplo de 10 ou de 20 cm.
O paradoxo desta abordagem de Habraken reside no facto de continuar a entender a habitação enquanto uma unidade constituída pela mesma lista de funções enumerada pelo Movimento Moderno. A habitação continua a conseguir suportar somente essas funções (podendo a família evoluir ao longo do Tempo); apesar de advogar que a unidade habitacional deveria ter como única certeza a incerteza do futuro, no final, os seus estudos mostram habitações constituídas pelos mesmos princípios da arquitectura moderna: os espaços pré-determinados funcionalmente.
Habraken diz que a habitação está dividida em três espaços138: os espaços
com usos especiais (espaços do tipo I - cozinha, quartos de dormir, escritórios – diz
136
SAR – Stichting Architecten Research – fundada em 1964 por Habraken.
137
AA. VV., DASH – The Residential Floor Plan – Standard and ideal, 1ª. Ed., Roterdão: NAi Publishers, 2010, p.15.
138
que o seu tamanho e a sua localização se determinam através da sua função); o espaço de uso comum (espaço tipo II - segundo Habraken, este é o espaço maior da habitação e que serve para a reunião da família. É um espaço multiusos, que consegue comportar o jogo, o espaço de refeições, um espaço para se ver a televisão e/ou um espaço para trabalhar. Os vários usos podem ou não ter lugar ao mesmo tempo); o espaço dos serviços (espaço tipo III - instalações sanitárias – à semelhança daquilo que afirma para o primeiro tipo de espaços, também este, devido a ter uma função específica, pode ter a sua área e localização pré-definida).
Figura 106
Habraken, exemplo de Suporte com variações, 1974
Habraken não se insurge então contra os espaços pré-determinados a nível funcional e espacial, do Movimento Moderno. Aliás, adopta essa metodologia de definição espacial, dizendo que os espaços do tipo I e do tipo III podem ser pré-
determinados com exactidão a nível localização e dimensões139. Para ele, não é aqui
que se encontra o problema. Desde que o Suporte, num mesmo perímetro, consiga responder a diferentes tipos de família (ou seja, que seja capaz de apresentar variações – figura 106), a habitação é, para ele, dialogante com o seu ocupante.
Habraken cria depois uma série de quadros nos quais estuda as áreas máximas e mínimas de cada tipo de espaço, de acordo com os equipamentos que este deveria albergar. Continua a pensar o espaço da habitação de acordo com os usos e os respectivos equipamentos que deveriam conter.
O espaço interior da unidade habitacional é dividido em 3 zonas (figura 106): a
zona alfa, que inclui os espaços de dormir e de descanso – os espaços servidos; a zona beta contém os espaços de serviço, tais como a cozinha e as instalações
sanitárias – os espaços serventes; a zona gama contém os espaços de acesso, tais como as galerias e os halls de escadas.
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Figura 107 SAR
O princípio de zonamento do interior da habitação
1969
Esta importância dada à modularização do espaço interior vai ofuscar por completo a teoria inicial de Habraken, da divisão em Suporte e recheio.
O espaço interior é completamente pré-determinado funcionalmente, como se pode ver na imagem apresentada acima (figura 106); os espaços têm as dimensões mínimas de acordo com a função que vão albergar.
Em 1985 é criado o OBF (Open Building Foundation), marcando o final do SAR. Uma das mais importantes áreas de pesquisa do OBF é a da problemática da integração das infraestruturas no interior da habitação de modo a não limitar o nível de adaptabilidade e responsividade da unidade habitacional face a necessidades de alterações por parte do seu ocupante. Em 1992 criam o pavimento falso para a habitação colectiva.