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Jã citamos em um momento anterior desta dissertação, o discurso do dono da Folia Sagrada Família, de Mangueira, em pleno centro do Rio, numa festa pública Em anexo algumas fotografias registram estes eventos.

26 Local posteriormente proibido pelo Cardeal Arcebispo do Rio de janeiro, Dom Eugênio Sales, alegando "prejudicar"as festividades do santo padroeiro!

Antigamente tinha um tal de Miguelão. O palhaço prá ganhar um ovo , ele se desdobrava todinho. Hoje em dia não. O palhaço:ié, ié, ié, e estão dando 200 cruzeiros, 1000 cruzeiros! "(Geraldo).

"Na ocasião de nossa Folia aqui, era muito mais difícil do que hoje. Hoje chega, canta uns versos na chegada de uma casa, uns trechinhos de profecia. Depois agradece, e pronto. Antigamente além da mesa, a sala, as paredes eram todas cobertas de quadros de santo. Tinha que falar um verso para cada santo daquele. A gente passava a noite na

casa dele, cantando."(Zé do Tiça, Minas).

Arrolar os grupos de Folias de Reis, conforme observamos em nossas investigações no Rio de Janeiro, no conjunto dos espetáculos reservados ao turismo e à industria cultural, parece, no mínimo inadequado. A Folia não se resume à sua "apresentação pública", mas, no entanto, conta com ela em sua

"jornada".

Hoje, nas cidades do interior, organizam-se encontros de Folias de Reis, patrocinados pelas prefeituras locais, incluídos em sua programação turística, congregando os grupos para um "desfile", e montando jurados para a sua avaliação, tornando-se assim uma grande festa da Cidade.28

28 Para citar algumas festas desta natureza, no Rio de Janeiro como exemplo: Vassouras, Paraíba do Sul, Duas Barras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Trabalho de Campo. Reflexões para uma Antropologia Visual.

"Queremos saber sobre apresentações artísticas, mas o que sobrevive são textos; queremos ver essas apresentações através dos olhos dos artesãos e camponeses, mas somos obrigados a enxergá-las com os olhos dos forasteiros letrados"(Burke 1989:91).

Gostaria de voltar a tratar do "trabalho de campo", neste momento, especialmente no que se refere ao processo de registro de imagens visuais e sugerir algumas reflexões para este debate. Na Introdução desta dissertação, busquei demonstrar que, se por um lado faz 15 anos que iniciei as investigações sobre as Folias de Reis no Morro de Mangueira, por outro, este longo período foi marcado por diversas interrupções que trouxeram novas abordagens e interesses diferenciados. Desta forma, quantitativamente e qualitativamente, os dados obtidos são bastante amplos e diversificados. São inúmeras horas de gravação de depoimentos, cantorias, registros no caderno de campo e em vídeo. Neste universo, o registro visual tem, para mim, significado especial. Não somente por ter sido feita, a partir da pesquisa com as Folias, a minha iniciação no campo das imagens visuais. É inegável este aspecto. Mas, ainda, porque acredito ter introduzido, na minha pesquisa, a partir do uso sistemático do vídeo nas investidas ao campo, uma variável relevante na relação pesquisador-informante e feito algumas reflexões a respeito da "Antropologia Visual".

Para as informações obtidas ao longo da pesquisa de campo, certamente determinadas pelo tipo de relação estabelecida entre o pesquisador e seu objeto, parece-me que a presença do vídeo desempenhou papel fundamental. Funcionava como uma abertura de universos, muitas vezes apontados pelos próprios foliões. Neste contexto, exemplifico com a viagem a Minas. Éramos

.

"

Assim, não só pela importância do material visual registrado, que visava a produção de um vídeo complementar a esta dissertação, mas também pelo próprio processo de trabalho e pelo potencial cognitivo que possibilitava o vídeo, vejo a importância dessas reflexões .

Freire(1987) distingue "observação direta" de "observação fílmica" e

desenvolve algumas discussões sobre a utilização do filme e do vídeo como instrumento de pesquisa.

"Na observação direta, traduzida ulteriormente numa linguagem escrita, o observador é levado a apreender os momentos mais explícitos do desenrolar da ação, muitas vêzes em detrimento de aspectos subjacentes ou menos evidentes ... Com efeito, o pesquisador que, diante de um comportamento humano qualquer, só dispõe de papel e lápis para registrar o que

presencia, ... posteriormente apenas poderia contar com sua memória e suas notas escritas para interpretá-lo e descrevê-lo ... "(Op.Cit)

No caso da apreensão fílmica, segundo o autor, "perenizando os momentos mais fugazes ou marginais da manifestação estudada, permitindo assim sua análise minuciosa e repetida, as imagens animadas oferecem ao pesquisador a liberdade de diversificar sua observação ( ... ) É assim que certas particularidades, às quais nenhuma significação especial foi atribuída( ... ) revelam-se, quando da análise posterior das imagens, indispensáveis e decisivas para um completo conhecimento do processo"(Op.Cit).

Essa mesma idéia é corroborada por Jean Rouch (1968):

"Quando um ritual comporta um grande número de ações simultâneas, um certo número de gestos podem parecer sem interêsse, enquanto que outros parecem mais importantes; ora , na análise das imagens percebe-se que entre esses gestos, é o mais inaparente, o mais discreto, que é o mais importante."

Freire(1987) aponta então como possibilidade decorrente do uso das imagens animadas, em uma pesquisa, o "aprofundamento de conhecimentos do

universo registrado" e ainda a "elucidação de dúvidas mediante a exibição do material recolhido aos informantes". Chama a atenção para a estratégia de filmagem a ser escolhida, ou seja, para o "fio condutor" estabelecido, para guiar as observações como tendo importância capital. Neste aspecto meu trabalho parece distinguir-se de uma certa tendência em torno das reflexões recentes sobre Antropologia Visual1 . A ênfase, em geral, é dada, no trabalho do antropólogo, ele próprio, cineasta. No caso do Brasil, as experiências abordando a pesquisa em áreas indígenas apontam também para este aspecto.2

Nesta pesquisa, o registro visual foi introduzido a partir da participação de um profissional de cinema e vídeo no desenvolvimento do trabalho, que, assim, passou a ser feito em equipe. A discussão sobre o "fio condutor", sobre a formulação de um roteiro básico para as filmagens se colocava e aí estava implícito um debate sobre o "filme etnográfico" e o "documentário". Se, por um lado, um roteiro geral era constantemente discutido entre pesquisador, informantes, e cineasta, baseado nas hipóteses principais da pesquisa, por outro, a independência de ação que o vídeo possibilita ao seu operador conferia-lhe uma grande autonomia no registro. Em outra oportunidade (Monte-Mór 1987:86) já tratei das tensões e dificuldades de um trabalho em equipe, desta natureza, quando uma certa tendência à "objetividade"e ao "purismo" da pesquisa esbarrava-se na "subjetividade"e "ficção" pretendida pelo cinema. 3

Maggie (1984) chamava a atenção para a aproximação entre as abordagens do cientista social e do documentarista de cinema: "Os dois, em princípio, estão lidando com pessoas e voltados para uma realidade "exterior", ou melhor, "de fora". Tem portanto alguns pontos em comum mas usam

1 Ver debates liderados por Claudine de Franca,( Nanterre, França) e especialmente seu trabalho Cinéma et